Expresso

O que é hidrogênio verde. E qual seu potencial energético

Lucas Zacari

07 de janeiro de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h46)

Chamada de ‘combustível do futuro’, substância pode tornar processos industriais menos poluentes e resolver gargalos na geração de energia limpa. Entraves logísticos ainda dificultam produção em larga escala

O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

FOTO: HEINZ-PETER BADER/REUTERS – 14.07.2014

Uma bomba de combustível de hidrogênio preta, com escritos em vermelho "H2" e "Hydrogen". Ao fundo, um relógio de pressão

Bomba de combustível de hidrogênio

A descarbonização dos processos industriais e energéticos promoveu a busca por formas de substituir os combustíveis fósseis, principais agentes de emissão dos gases estufa que causam a mudança climática. Por não gerar CO2 (dióxido de carbono) em sua produção e queima, o hidrogênio verde desponta como uma alternativa, e tem sido chamado de “combustível do futuro” .

Diferentemente das outras formas de hidrogênio que já são utilizadas na indústria, o hidrogênio verde não gera gases poluentes, apresenta uma alta capacidade energética e funciona como forma de armazenamento de energia limpa. No entanto, aindaexistem obstáculos logísticos para ser produzido em larga escala.

Neste texto, o Nexo explica o que é o hidrogênio verde, quais são os seus potenciais usos, o que é necessário para ele se tornar viável e como estão as pesquisas sobre o tema no Brasil.

O que é o hidrogênio verde

Presente em abundância na Terra, o hidrogênio é um elemento encontrado em compostos moleculares, como na água (H2O), em hidrocarbonetos (o metano, CH4, por exemplo) e em substâncias orgânicas e inorgânicas. Para obter o gás hidrogênio isolado e utilizá-lo como fonte de energia, é necessário submeter tais substâncias a processos químicos.

Isso pode acontecer a partir da queima de combustíveis fósseis, que emitem gases causadores do efeito estufa, dando origem ao chamado hidrogênio cinza, que por sua vez é usado em refinarias de petróleo e fabricantes de amônia, por exemplo. Já o hidrogênio verde é obtido a partir da eletrólise da água e usa energias limpas, que não contribuem para o efeito estufa. Entre os dois, há outras formas de se obter esse gás. Os principais tipos de hidrogênios são:

  • O hidrogênio cinza , o mais comum, é obtido por meio da queima de combustíveis fósseis, como gás natural e carvão, com a liberação de carbono na atmosfera
  • O hidrogênio azul , obtido também pela queima de combustíveis fósseis, com a captura e o armazenamento do carbono
  • O hidrogênio musgo , retirado de biomassa ou biocombustível por meio de processos químicos (reforma catalítica, gaseificação ou digestão anaeróbia), libera menos CO2 que o hidrogênio cinza
  • O hidrogênio verde é obtido a partir da eletrólise da água, processo químico em que a molécula de água é quebrada em hidrogênio e oxigênio por meio da passagem de corrente elétrica, num processo que não libera gases estufa. Nele, a fonte de energia da corrente elétrica é proveniente de matrizes renováveis, como a solar, a eólica ou a hidráulica

Por não existir isolado na natureza e necessitar de uma fonte de energia para ser separado e obtido , o gás hidrogênio é considerado um “vetor energético”. Ele tem a capacidade de armazenar a energia utilizada no processo e, posteriormente, ser utilizado como combustível.

Quais seus potenciais usos

O hidrogênio verde possui algumas propriedades com potencial de contribuir para a ampliação do uso de energia limpa no mundo. Em primeiro lugar, alguns setores industriais hoje usam o hidrogênio – cinza, azul ou musgo – como combustível. Eles poderiam ser substituídos por hidrogênio verde, reduzindo a emissão de gases poluentes dessas atividades.

É o caso do setor espacial, que usa o hidrogênio como combustível para foguetes e para propulsão de cápsulas espaciais. O uso principal, porém, é concentrado na indústria , na síntese de amônia, na produção de derivados petroquímicos e na hidrogenação de óleo vegetal.

Um artigo de pesquisadores do Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), publicado em 2021, listou alguns dos possíveis usos do hidrogênio verde como fonte de energia:

  • Atividades industriais eletrointensivas, como a refinação e os produtos siderúrgicos
  • Veículos pesados de passageiros e mercadorias , como ônibus e caminhões. Já existem também carros com essa tecnologia na Alemanha, no Japão e nos Estados Unidos
  • Setores marítimos e de aviação
  • Armazenamento de energia

Este último ponto é chave para um dos usos do hidrogênio verde. Por ser um “vetor energético”, ele é visto como uma solução para as limitações da geração de energia limpa.

“A energia solar e a eólica sofrem por seu caráter intermitente. Ou seja, de noite não tem sol e o vento não é toda hora que vai ter. Como transformar isso em energia elétrica, fornecida de uma maneira perene? Uma forma é, por exemplo, gerar hidrogênio utilizando essa energia intermitente e armazená-lo para futuro uso”, disse ao Nexo a vice-diretora do CT/UFC (Centro de Tecnologia da Universidade do Ceará), Diana Azevedo.

Por meio desse armazenamento, o hidrogênio verde pode atuar como uma ponte entre as matrizes energéticas limpas e seu destino final, com pouca perda de energia. Azevedo explica: “A energia que eu preciso para fazer essa quebra da molécula da água é a mesma quantidade de energia que, ao queimar o hidrogênio novamente, eu vou obter”. Esse destino final pode ser dos mais variados tipos.

Um dos principais entraves para “descarbonizar” a economia – ou seja, substituir combustíveis fósseis, como carvão e gasolina, por fontes limpas – são indústrias e equipamentos que usam tanta energia que não conseguem se manter apenas com fontes renováveis.

Um avião ou um navio, por exemplo, não consegue funcionar com baterias elétricas da mesma forma que um carro, porque usa tanta energia que a bateria necessária inviabilizaria seu funcionamento. O hidrogênio verde, por sua vez, poderia ser usado de forma líquida, substituindo o combustível .

O que falta para ele se tornar viável

Somente 4% do hidrogênio usado no mundo atualmente é verde.A baixa oferta dos eletrolisadores, os equipamentos que recebem a corrente elétrica para realizar a eletrólise, encarece a produção. De acordo com Azevedo, o principal país a produzir esses equipamentos é a China , que registra “filas e mais filas nas fábricas”.

Uma das dificuldades para o hidrogênio verde atingir seu potencial está no material usado atualmente nos eletrodos, as estruturas que conectam a energia recebida no eletrolisador com a solução aquosa para separar os elementos e isolar o hidrogênio. A eficiência desse processo depende, entre outros fatores, do tipo de eletrodo empregado para fazer a quebra da água em H2 e O2.

Os eletrodos atuais precisam receber uma quantidade de energia limpa elevada para quebrar a molécula de H2O, pois ocorre uma perda muito grande da energia recebida. “Dependendo dos eletrodos que estão lá dentro, do material que é constituído o eletrodo, você pode ter uma melhoria significativa dessa eficiência energética”, aponta a vice-diretora do CT/UFC.

Um estudo de pesquisadores da Universidade de Michigan, nos EUA, publicado em janeiro de 2023 na revista Nature, propõe uma estratégia de quebra de moléculas usando água e luz solar com eficiência de 9%, considerada relevante, e pode representar um avanço para o gargalo da falta de eficiência.

Mas o principal fator que dificulta a implantação do hidrogênio verde na produção de energia é seu armazenamento e transporte. A baixa densidade desse gás gera uma série de desafios logísticos . Para armazená-lo no estado gasoso, é necessário comprimir o hidrogênio em elevadas pressões, o que pode gerar perda da energia e risco de vazamentos. Além disso, o seu caráter inflamável eleva riscos de segurança.

Uma das principais formas de tentar contornar essa situação é tornar o gás hidrogênio líquido. No entanto, a sua temperatura de liquefação é de 20 kelvin (em torno de 253 ºC negativos), o que exige um enorme gasto energético. Junto a isso, ainda faltam pesquisas que comprovem que essa transformação mantém a característica de “vetor energético” do hidrogênio: “Essas alternativas dependem de um estudo bem aprofundado sobre a reversibilidade dessas reações, para capturar o hidrogênio e

Devido a toda essa complexidade, o hidrogênio verde ainda é uma alternativa cara. Contudo, para muitos analistas do setor energético, as condições sociopolíticas e econômicas mundiais podem acelerar a transição para fontes limpas como o hidrogênio.

A guerra na Ucrânia e as restrições impostas à Rússia, um grande exportador de combustíveis fósseis como petróleo e gás natural, elevaram os preços de energia e gerarama uma crise energética. O cenário causou uma rápida mudança nos custos de produção de hidrogênio.

Antes do conflito, o hidrogênio verde era o tipo mais caro de se produzir, com preços variando entre US$ 3,80/kg a US$ 5,80/kg. De acordo com a agência Reuters, as consequências da guerra tendem a elevar os custos da produção do hidrogênio cinza , que pode chegar auma média de US$ 7,60/kg. Ainda segundo a Reuters, até 2030, os investimentos em hidrogênio verde podem deixar os preços da sua produção abaixo de US$ 2,00/kg.

O hidrogênio verde possui um grande potencial econômico, tendo em vista a exploração atual das outras formas desse gás. Segundo estudo da Grand View Research, o mercado de hidrogênio mundial foi avaliado em US$ 129,85 bilhões no ano de 2021. O estudo também aponta que, até o ano de 2030, esse mercado deve crescer 6,4% ao ano.

Alguns países já incentivam a pesquisa e a produção do hidrogênio como fonte de energia. Em 2017, o Japão foi o primeiro país a traçar uma estratégia para a transição energética com o hidrogênio, enquanto a Alemanha inaugurou os dois primeiros trens movidos a hidrogênio em 2018. A União Europeia planeja, até 2030, produzir mais de 10 milhões de toneladas de hidrogênio verde .

O hidrogênio verde no Brasil

O cenário nacional da produção de hidrogênio verde está no início, mas já atrai investimentos. O “Mapeamento do Setor de Hidrogênio Brasileiro” , produzido pelo Ministério de Minas e Energia em parceria com a Câmara de Indústria e Comércio Brasil-Alemanha, mostra que a utilização do hidrogênio verde como fonte de energia ou vetor energético ainda é experimental, com alguns projetos pilotos e programas de pesquisa e desenvolvimento.

O potencial do hidrogênio verde apareceu no discurso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), durante a cerimônia de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro. Para o parlamentar, “o Brasil possui uma vastidão de riquezas naturais que nos colocam em posição de vantagem na exploração de energia limpa, dos créditos de carbono, do hidrogênio verde, dentre outras possibilidades”.

A geração de energia por meio de fontes limpas e renováveis é um dos fatores que coloca o Brasil como um possível grande produtor do hidrogênio verde. Em outubro de 2022, 47,3% da oferta de energia no país era proveniente de fontes renováveis, a maioria de hidrelétricas. Em julho do mesmo ano, o Nordeste teve recorde de geração instantânea tanto na energia eólica quanto na solar.

O investimento em energia renovável na região levou à construção de polos de pesquisa e produção, entre os quais o HUB de Hidrogênio Verde , no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, no Ceará. Inaugurado em 2021 a partir de uma parceria entre o governo do estado, a UFC (Universidade Federal do Ceará) e a FIEC (Federação das Indústrias do Estado do Ceará), o local visa tornar o estado um grande fornecedor global deste tipo de energia.

No evento Summit Hidrogênio Verde , organizado pela revista CartaCapital em novembro de 2022, Alessandra Grangeiro, gerente comercial do Complexo do Pecém, ressaltou que a produção inicial do HUB será voltada exclusivamente para a exportação. Em dezembro, a primeira molécula de hidrogênio verde foi produzida no Complexo do Pecém.

Em 2023, o Polo Industrial de Camaçari, na Bahia, pretende inaugurar a primeira fábrica de hidrogênio verde em escala industrial do país, pertencente à empresa química Unigel. No mesmo evento, o superintendente da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Bahia, Paulo Guimarães, ressaltou que essa produção será inicialmente voltada para o mercado interno industrial de Camaçari e, caso haja demanda, também irá atender o mercado externo.

NEWSLETTER GRATUITA

Nexo | Hoje

Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Gráficos

nos eixos

O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Navegue por temas