Tese: Reformas nos programas sociais brasileiros: solidariedade, pobreza e controle social (1990–2014)
Autora
Denise Nunes De Sordi, Universidade Federal de Uberlândia
LattesOrientador
Sérgio Paulo Morais
Área e sub-área
História, História Social
Publicado em
Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-graduação em História 28/02/2019
Como participar?
Esta tese de doutorado, realizada na UFU (Universidade Federal de Uberlândia), discute as decisões políticas que estabeleceram o Bolsa Família como programa-modelo de assistência social no Brasil — e como ele influencia concepções sobre pobreza e solidariedade.
Segundo a autora, o formato de distribuição condicionada de renda contribuiu para o surgimento de expectativas sobre os tipos aceitáveis de conduta de um beneficiário do Bolsa Família. Seria uma espécie de controle social, carregada de conotações que revelam estereótipos negativos sobre a população pobre.
Responde a basicamente duas questões: por que o formato de programa do Bolsa Família foi escolhido como a melhor estratégia para lidar com as questões sociais da fome e da pobreza, e quais preocupações motivaram as escolhas políticas que levaram a esse formato de distribuição condicionada de renda. Essas perguntas foram o ponto de partida para um diálogo com diferentes áreas que abordaram o programa Bolsa Família sob outras perspectivas.
O Bolsa Família consolidou um novo entendimento sobre o desenvolvimento social e o acesso à cidadania. O foco em um público alvo e a exigência do cumprimento de condições para o recebimento do benefício contribuíram para a formação de um consenso sobre as formas pelas quais é aceitável que as pessoas tenham acesso a serviços públicos básicos. Esse consenso sobre a conduta e os modos de vida das famílias atendidas está constantemente alimentando a esfera pública de debates. Interrogar as escolhas políticas e as reivindicações sociais que foram amalgamadas no corpo do programa Bolsa Família como parte de um processo histórico contribui para pensarmos sobre concepções e valores sociais que têm guiado a execução desse tipo de política pública, que influencia nosso entendimento sobre direitos e solidariedade sociais. A pesquisa busca oferecer uma explicação sobre como foi possível avançar socialmente sem mudar concepções estruturantes sobre a fome e a pobreza. Este é um debate relevante pois auxilia na interpretação desse tipo de programa, de seus limites e potencialidades, e oferece caminhos para que se avaliem as formas atuais das políticas de assistência social.
A tese é um estudo sobre o processo histórico e social de implementação do programa Bolsa Família. No período analisado (1990-2014), fome e pobreza foram condições alçadas ao centro das ações nos programas sociais. A pesquisa qualitativa, com a análise de fontes institucionais, de produções acadêmicas e de bibliografia relacionada, permitiu notar as opções políticas que instituíram programas de transferência condicionada de renda ao longo dos anos 1990. Essas opções foram analisadas considerando as expectativas e disputas que corriam como projetos de desenvolvimento econômico, social e político para o país. O objetivo da pesquisa foi compreender as decisões que definiram o formato do Bolsa Família como a estratégia “exemplar” para o combate às desigualdades sociais.
O processo de implementação e validação do Bolsa Família foi mediado por mecanismos culturais, para os quais referências morais de interpretação sobre os pobres e a pobreza se impuseram de modo a coadunar expectativas de desenvolvimento econômico e social. Isso ocorreu com a apropriação dos significados da solidariedade social, traduzindo-a em expressão da conciliação política, como subsídio às políticas de reformas no campo social a partir de 2003.
Tratou-se da solidariedade enquanto sentimento de legitimação do programa e não enquanto um projeto político de construção de uma identidade social que poderia encaminhar a universalização dos direitos sociais e da cidadania. Os valores morais associados à implementação e à defesa do Bolsa Família expressam o equilíbrio entre práticas anteriores e aquilo que foi colocado como novidade. A ressignificação das práticas de assistência social lidou com os sentidos de dignidade, cidadania, emprego, direitos sociais e consumo. O controle social das famílias atendidas uniu a fiscalização institucional à social, de modo que vimos emergir concepções coladas à imagem do programa que ordenam certo entendimento sobre como devem ser e viver aqueles que são atendidos. Esse é um elemento que se expressa socialmente, muitas vezes carregado de características que denunciam estereótipos e certa rejeição aos pobres. Das expectativas sobre a universalização dos direitos sociais, em meio ao processo de reformas em programas sociais diversos, com a instituição do Bolsa Família emergiu um tipo de consenso de que deve haver, simbolicamente, acordos para que a cidadania se amplie para a parcela empobrecida da população.
Refletir sobre os valores e escolhas que contribuíram com a formação das políticas recentes pelas quais se tem lidado com questões sociais como a fome e a pobreza implica compreender parte importante da trajetória de constituição da sociedade brasileira. Essa pesquisa propõe um convite ao diálogo, e todos aqueles que se preocupam em pensar os termos do que seria uma sociedade mais justa estão convidados. Mas é importante também que aqueles que criticam ou apoiam iniciativas como o programa Bolsa Família observem como chegamos até aqui para que possamos qualificar esse debate. Mais especificamente, aqueles que lidam com a formação de políticas públicas podem se interessar pela abordagem apresentada, que tem a intenção de ser uma contribuição para o debate sobre as bases que fundamentam a forma como o país tem lidado com sérias e tensas questões sociais neste período que temos chamado de Nova República.
Denise Nunes De Sordi é historiadora e professora substituta no Instituto de Ciências Humanas do Pontal da UFU (Universidade Federal de Uberlândia). Doutora em história social pelo Programa de Pós-Graduação em História da UFU. Pesquisadora no Grupo de Pesquisa Experiências e Processos Sociais (CNPq) e associada ao Grupo de Investigação História Global do Trabalho e dos Conflitos Sociais, do Instituto de História Contemporânea da UNL (Universidade Nova de Lisboa).
Referências
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