Neologismos do campo semântico LGBTQIA+ em textos publicitários: aplicações ao ensino do léxico
Autoria
Vinícius Sáez de Oliveira Coelho
LattesÁrea e sub-área
Letras/Linguística
Publicado em
14/07/2023
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Todas as línguas desenvolvidas naturalmente pelos seres humanos se modificam com o tempo. Essas mudanças podem ocorrer na pronúncia dos sons, na criação ou desuso de palavras, na incorporação de expressões estrangeiras ou em outros elementos estruturais das línguas. Além disso, ocorrem gradualmente e podem surgir em grupos, estratos sociais ou localidades diferentes.
Esta pesquisa analisou a dinamicidade da língua em relação às palavras novas que surgem na comunidade LGBTI+ e aparecem em publicidades digitais. Depois, desenvolveu atividades didáticas para o ensino básico baseadas nessas novas expressões.
Como se dá a constante renovação lexical que observamos nas publicidades digitais que incorporam palavras nascidas na comunidade LGBTI+?
De acordo com o teórico russo Volóchinov, a palavra é o indicador mais sensível das transformações sociais, capturando essas mudanças em seus estágios iniciais, por mais delicadas e passageiras que elas sejam. Sendo assim, as palavras novas, que surgem a todo momento, isto é, os neologismos, fazem parte do nosso cotidiano.

Bandeira LGBTI+
Tomando como base essa premissa, ao estudar o léxico (conjunto de palavras) de uma língua, estudamos ao mesmo tempo a história dos indivíduos que a usam, já que o léxico é um fenômeno social e também um importante símbolo de identidade de um grupo.
Uma das características principais de uma língua natural é a capacidade de renovação e de mudança. Essa dinamicidade pode ser atestada em dois níveis: na obsolescência de palavras, que caem em desuso, e no surgimento de palavras novas, que são incorporadas à língua.
Vale ressaltar que a língua tem uma relação intrínseca com a cultura, acompanhando a evolução de uma sociedade e as transformações que nela ocorrem em diversos âmbitos. Assim, é possível observar o léxico modificando-se para designar, com neologismos, objetos e conceitos novos à medida que eles surgem.
A partir da relação linguística entre o vocabulário e as mudanças que ocorrem em uma sociedade, há um setor expressivo no qual se nota essa produção de palavras novas com significativa frequência: os grupos sociais. Destes, a pesquisa destacou a comunidade LGBTI+, dotada de um comportamento linguístico peculiar. Este trabalho teve por objetivo estudar, descrever e analisar neologismos surgidos na cultura LGBTI+ que foram incorporados em peças publicitárias, com seleção de textos colhidos em mídias digitais, especialmente em redes sociais.
Um dos exemplos dessas novas palavras analisadas é a expressão “biscoiteiro”, que remete à pessoa que quer chamar atenção para si. Atualmente bastante difundida na internet, a palavra originalmente era usada em aplicativos de relacionamento voltados à comunidade LGBTI+, como o Grindr.
Outro exemplo é a palavra “poc”. Utilizada para se referir aos homens gays ou afeminados de forma pejorativa, o termo, usado nos anos 1970, caiu em desuso e voltou a ser utilizado em meados de 2018. Atualmente, verifica-se que a utilização de “poc” foi ressignificada e, em vez de um sentido depreciativo, há uma conotação afirmativa, valorativa, de resistência na comunidade LGBTI+.
A partir disso também se desenvolveram atividades didáticas que pudessem ser implementadas em sala de aula da educação básica, com o fito de desenvolver a competência lexical dos alunos abordando os neologismos analisados, numa abordagem diferente de um estudo do léxico reducionista, restrito à análise de processos de formação de palavras, como se vê em certos livros didáticos de português.
Percebeu-se a riqueza e a complexidade do léxico, bem como a vivacidade da língua portuguesa, que está em constante renovação.
O vocabulário do grupo social LGBTI+, ao aparecer nos textos publicitários, já demonstra estabilidade e fixação na língua, demandando mais estudos que abordem o tema.
O registro dessas mudanças e incorporações de novas palavras à língua é um significativo avanço nos estudos a respeito da comunidade LGBTI+. Reconhecer essa inovação lexical, vinda de usuários ativos da língua, é um importante fator sociológico. Ao valorizar a produtividade e criatividade linguística de um setor estigmatizado na sociedade, está-se reconhecendo também a sua cultura.
Pesquisadores na área de letras, linguística e educação, além de usuários da língua portuguesa em geral.
Vinícius Sáez de Oliveira Coelho é mestre pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e atua como professor voluntário da Fale (Faculdade de Letras) desde 2022. Foi professor também no Apoio Pedagógico da mesma instituição. Desenvolve pesquisa na área do ensino do português e do léxico, principalmente sobre neologia e processos de formação de palavras no português brasileiro contemporâneo.
Referências
- ALVES, Ieda Maria. Neologismo: criação lexical. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2007.
- EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. Tradução: Sandra Castello Branco; revisão técnica Cezar Mortari. 2ª. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
- FERRAZ, Aderlande Pereira. Inovação lexical e a dimensão social da língua. In. SEABRA, Maria Cândida Trindade Costa de. (Org.). O léxico em estudo. 1ª ed. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2006, p. 219 – 234.
- VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.