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1950 foi um ano emblemático por várias razões. Uma delas, pelo menos para mim, é que eu nasci nesse ano. Não é nenhum mérito meu ter nascido, eu sei, mas mesmo assim guardo até hoje certo carinho por esse conjunto de números: 1, 9, 5, 0, nessa ordem. Descobri recentemente outro fato ocorrido em 1950 que dá um lustro todo especial a esse ano: foi quando o cantor e compositor de blues americano Muddy Waters (1913-1983) gravou “Rolling Stone,” uma reinterpretação de um velho blues do Delta do Mississipi, região onde ele nasceu, chamado “Catfish Blues”. A letra, das mais safadas (já explico o por quê), diz a certa altura o seguinte: “Well, my mother told my father / Just before, hmmm, I was born / ‘I got a boy child’s comin’ / Gonna be, he gonna be a rollin’ stone'”. Ou seja: “Bem, minha mãe disse pro meu pai, / antes de eu, hmmm, nascer: / ‘Tenho um garoto a caminho / Ele vai ser, ele vai ser uma pedra que rola’”.
Pois yeah. Acho que ninguém me botou pra dormir ao som de “Rolling stone” do Waters, lá naquele paleontológico ano de 1950, o que foi uma pena. Meus pais nem tinham vitrola em casa, na verdade. E mesmo que tivessem 3 vitrolas, jamais teriam um 78 rpm de um bluseiro negro americano. Meu pai, quando finalmente comprou uma picape Garrard, ficou fã de guarânias paraguais tocadas na harpa, que ele ouvia aos sábados e domingos de manhã, e minha mãe suspirava, talvez em segredo, por Orlando Silva e Nelson Gonçalves, ouvidos no rádio. Já o mais célebre rolling stone conhecido, Mick Jagger, que morava em Dartford, pequena cidade a 25 kms de Londres, e tinha 6 anos em 1950, talvez tenha escutado “Rolling Stone” no rádio, sem saber do que se tratava, embora discos de blues americanos não chegassem com facilidade às lojas e nem às rádios da Inglaterra, como o próprio Jagger e seu notório comparsa Keith Richards já comentaram em entrevistas.
Mick, garoto de classe média com melhor poder aquisitivo que seu colega de escola Keith, um filho de operário, importava pelo correio discos de rhythm & blues e de rock’n’roll, gêneros musicais que faziam a cabeça dos dois garotos ingleses suburbanos, apesar do rock andar um tanto fora de moda nos próprios States, naquele começo dos anos 60. Corre a lenda stoneana que numa viagem de trem entre Dartford para Londres, Keith topou com Mick carregando LPs de Chuck Berry e de Muddy Waters, fato decisivo para reforçar a amizade entre ambos – e para a própria história do rock, como se veria logo em seguida, quando, em 1962, Jagger e Keith Richards, junto com Brian Jones e Ian Stewart, outros jovens ingleses vidrados em rock e blues negro, resolveram montar uma banda, chamando Charlie Watts pra tocar bateria e Bill Wyman, baixo. E até o mais recluso urso polar da minguante calota de gelo do Polo Norte sabe que o nome escolhido para batizar a banda foi tirado do velho blues imortalizado por Waters: The Rolling Stones.
Apenas três anos mais tarde, aliás, outro jovem ligadíssimo em música americana roots, este americano mesmo, chamado Robert Allen Zimmerman, vulgo Bob Dylan, iria compor o que seria um dos hinos do pop-rock de todos os tempos, “Like a rolling stone,” título também calcado no blues clássico do seu compatriota Muddy Waters.
Chamei lá em cima a inspiradora letra do blues do Waters de safada por conta do seu viés mulherengo e pulador de cercas alheias. Diz Muddy, logo na primeira estrofe: “Well, I wish I was a catfish, / swimmin in a oh, deep, blue sea / I would have all you good lookin women, / fishin, fishin after me…” (“Quisera ser um bagre / nadando, oh, no azul profundo do mar. / Eu teria todas vocês, mulheres lindas, / pescando, pescando pra me pegar…”).
Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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