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Conforme aprendemos na escola, é de autoria de Hans Staden, um jovem aventureiro alemão, um dos primeiros relatos sobre a nova terra descoberta no hemisfério sul, no século 16, “a 28 graus de latitude,” segundo ele. Essa terra, habitada por um povo que vivia em estreito contato com uma natureza exuberante e selvática, donde serem chamados de “selvagens”, ganhou um nome emprestado de uma commodity valiosa na época para os europeus, o pau-brasil, do qual se extraía uma resina vermelha que servia de base para tintas e corantes dessa cor, como estamos carecas de saber. Voltei ao Staden por esses dias por conta de um trabalho que envolve a (re)leitura de seu relato clássico, saborosíssimo, por sinal.
Hans Staden esteve duas vezes no Brasil, entre os anos de 1548 e 1555. Em 1554, depois de ser capturado pelos índios tupinambás, aliados dos franceses que andavam muito interessados por aquelas terras – aliás, por estas terras -, Staden passou por não poucos perrengues, os quais, ao conseguir retornar à sua terra natal, um ano depois, relatou a um ilustre acadêmico, professor de medicina em Marburgo. O dr. Johannes Dryander tratou de pôr tudo num livro, hoje conhecido como “Duas viagens ao Brasil”, que virou grande best-seller na época, traduzido em várias línguas. O principal daqueles perrengues, responsável pelas grandes emoções do relato, é que, nas mãos de vários chefes tribais da nação tupinambá, inclusive de seu manda-chuva máximo, o lendário Cunhambebe, o alemãozinho de Hessen, mercenário de profissão, quase virou churrasco várias vezes, por ser confundido com o inimigo português.
Pra se ter ideia de com quem Staden estava lidando, reproduzo aqui um trecho muito ilustrativo do relato, na boa e descomplicada tradução de Angel Bojadsen para a L&PM, encontrável em livrarias e bancas de jornal. Estava o Staden na oca, com Cunhambebe e outros guerreiros, quando os índios resolveram tirar onda com o “português” prisioneiro. “O filho do chefe Cunhambebe me atou as pernas dando três voltas em torno delas, e com os pés presos dessa forma tive de pular pela cabana. Eles riam e gritavam: “Lá vem a nossa comida pulando!”.
Os modernistas de 1922, com Oswald de Andrade à frente, se esbaldaram com essa frase, que virou uma espécie de lema da vertente auto-intitulada antropofágica daquele movimento literário e artístico revolucionário pra época. Ainda no mesmo episódio, Hans Staden conta que os índios “deram voltas em torno de mim e apalparam minha pele. Um deles disse que o couro da cabeça era dele, um outro, que a coxa lhe pertencia.”
Em desespero, Staden já podia sentir o cheirinho da própria carne assando no moquém. E de nada adiantou argumentar com Cunhambebe que, se nem os animais irracionais comiam seus semelhantes, o homem, que é rei dos animais, não deveria nunca praticar tal barbaridade. Ao que o chefão emplumado retrucou: “Mas eu não sou um homem. Eu sou um jaguar!”, referindo-se à crença indígena de que o espírito de determinados animais da floresta baixava no corpo dos guerreiros, dando-lhes força e coragem.
Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.
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