Coluna

Denis R. Burgierman

Emergência

18 de maio de 2017

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As condições estão dadas para que algo novo apareça

Escrevo para você sentado numa poltrona, em frente ao Jornal Nacional, na noite de 17 de maio de 2017. Ouço as notícias do dia. Parece que pegaram o presidente da República, aquele safado, combinando com um empresário a mesada que eles pagavam a um criminoso na cadeia para esconder os seus segredos. Falaram também que o Aécio, cujo esquema aparentemente todo mundo conhece, foi outro que andou recebendo umas malas de dinheiro.

Minha memória vaga para quatro anos atrás. Ou quase quatro anos: 15 de junho de 2013. Naquele dia nasceu minha primeira filha, Aurora. Dois dias antes, manifestações monumentais haviam parado o Brasil – eu não pude ir porque, aos nove meses de gravidez, precisava estar sempre pronto para dirigir até a maternidade. Eu trabalhava na Editora Abril.

As manifestações foram um fenômeno espontâneo, inesperado: na linguagem dos cientistas de sistemas complexos, foram uma emergência. Emergência não no sentido de um problema urgente, chama os bombeiros, tipo isso que está acontecendo hoje no PMDB e no PSDB – aquilo que em inglês traduz-se como “emergency”. Mas aquilo que em inglês chama “emergence”: algo que emerge, aparentemente do nada, mas na verdade como consequência inesperada e imprevisível da junção de muitas outras coisas.

No caso, o gatilho que misturou esses fatores todos e fez o Brasil inteiro sair às ruas em 13 de junho de 2013 foi a pavorosa repressão da PM contra manifestações que tinham ocorrido dias antes em São Paulo. A polícia havia dado vexame descendo o cacete em cidadãos pacíficos cujo crime tinha sido pedir serviços públicos melhores. A mídia, covarde, tentou defender a polícia, mas foi ignorada pelo Brasil, que decidiu protestar por menos corrupção, menos violência policial e uma melhora nos nossos sistemas de saúde e educação, que nos custam impostos tão altos.

Dois dias depois, quando Aurora nasceu, eu ainda sentia o país encantado com as possibilidades que aquela noite acenou. Ficamos no hospital por duas noites, sem desgrudar de nossa recém-nascida. No dia em que voltamos para casa, pedi desculpas a minha esposa e fui sozinho para a rua. São Paulo inteira estava parada por manifestações múltiplas, numa catarse coletiva que àquela altura já havia conquistado a mídia e era observada à distância pela polícia. Tudo parecia possível. Havia um país melhor a nossa frente, e todos parecíamos querê-lo.

Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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