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Escrevo para você sentado numa poltrona, em frente ao Jornal Nacional, na noite de 17 de maio de 2017. Ouço as notícias do dia. Parece que pegaram o presidente da República, aquele safado, combinando com um empresário a mesada que eles pagavam a um criminoso na cadeia para esconder os seus segredos. Falaram também que o Aécio, cujo esquema aparentemente todo mundo conhece, foi outro que andou recebendo umas malas de dinheiro.
Minha memória vaga para quatro anos atrás. Ou quase quatro anos: 15 de junho de 2013. Naquele dia nasceu minha primeira filha, Aurora. Dois dias antes, manifestações monumentais haviam parado o Brasil – eu não pude ir porque, aos nove meses de gravidez, precisava estar sempre pronto para dirigir até a maternidade. Eu trabalhava na Editora Abril.
As manifestações foram um fenômeno espontâneo, inesperado: na linguagem dos cientistas de sistemas complexos, foram uma emergência. Emergência não no sentido de um problema urgente, chama os bombeiros, tipo isso que está acontecendo hoje no PMDB e no PSDB – aquilo que em inglês traduz-se como “emergency”. Mas aquilo que em inglês chama “emergence”: algo que emerge, aparentemente do nada, mas na verdade como consequência inesperada e imprevisível da junção de muitas outras coisas.
No caso, o gatilho que misturou esses fatores todos e fez o Brasil inteiro sair às ruas em 13 de junho de 2013 foi a pavorosa repressão da PM contra manifestações que tinham ocorrido dias antes em São Paulo. A polícia havia dado vexame descendo o cacete em cidadãos pacíficos cujo crime tinha sido pedir serviços públicos melhores. A mídia, covarde, tentou defender a polícia, mas foi ignorada pelo Brasil, que decidiu protestar por menos corrupção, menos violência policial e uma melhora nos nossos sistemas de saúde e educação, que nos custam impostos tão altos.
Dois dias depois, quando Aurora nasceu, eu ainda sentia o país encantado com as possibilidades que aquela noite acenou. Ficamos no hospital por duas noites, sem desgrudar de nossa recém-nascida. No dia em que voltamos para casa, pedi desculpas a minha esposa e fui sozinho para a rua. São Paulo inteira estava parada por manifestações múltiplas, numa catarse coletiva que àquela altura já havia conquistado a mídia e era observada à distância pela polícia. Tudo parecia possível. Havia um país melhor a nossa frente, e todos parecíamos querê-lo.
Denis R. Burgiermané jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. É roteirista do “Greg News”, foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, e comandou a curadoria do TEDxAmazônia, em 2010.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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