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Paulo Paim

Mundo do trabalho em perspectiva: reformas e garantia de direitos

25 de dezembro de 2020

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O Congresso tem um alto grau de responsabilidade diante deste desgoverno. Em sua atuação, deve valorizar o salário mínimo, apoiar fortemente a indústria nacional, as micro e pequenas empresas, a ciência e a tecnologia

A reforma trabalhista foi apresentada pelo ex-presidente Michel Temer, que assumiu o governo após o impeachment da presidente Dilma.

O governo afirmava que retirar ou reduzir direitos trabalhistas gerariam empregos. Falavam em dois milhões de novos postos de trabalho nos dois primeiros anos.

Assim, introduziram a modalidade do trabalho intermitente, conhecido como “zero hora”, sem garantia de carga horária mínima e sem garantia do salário mínimo.

Permitiram o trabalho das mulheres grávidas ou lactantes em locais ou atividades insalubres. Permitiram a ampliação da jornada superior a oito horas diárias. Reduziram o intervalo para refeição para 30 minutos.

Permitiram a rescisão do contrato sem participação dos sindicatos. Acabaram também com a contribuição sindical obrigatória, fragilizando a organização dos trabalhadores.

Denunciamos àquela época que, além de não gerar empregos, a reforma iria reduzir a renda dos trabalhadores e aumentar a informalidade.

O resultado, estamos vendo. Desde 2017, o desemprego cresce. Este ano bateu recorde. Temos 14 milhões de desempregados. A informalidade também é recorde e atinge 31 milhões de brasileiros.

Infelizmente, o atual governo busca aprofundar a reforma trabalhista. Insiste em um modelo que não deu certo.

Se pararmos e escutarmos a voz das ruas, vamos perceber que a sabedoria popular está emitindo sinais. Eles se mostram mais claramente nos desamparados e nos gritos dos esquecidos

A Medida Provisória nº 905, do contrato verde e amarelo, sob a justificativa de facilitar o acesso ao mercado de trabalho dos jovens abria mão da contribuição para previdência social, do salário-educação. Reduzia de 8% para 2% a contribuição para o fundo de garantia por tempo de serviço.

Incorporava o 13º salário e as férias no salário mensal. Reduzia o adicional pago em razão do trabalho em locais insalubres de 20% para 5%.

A Medida Provisória nº 927, editada durante a pandemia, previa que o acordo individual de trabalho prevalecia sobre as convenções e acordos coletivos de trabalho. Suspendia a exigência de realização de exames médicos ocupacionais, mantido apenas o exame demissional.

Na Medida Provisória nº 936, destinada a adotar medidas para manter os empregos, o governo tentou mudar o índice de correção dos créditos trabalhistas, prejudicando ainda mais os trabalhadores.

Na atual legislatura, o Congresso Nacional, ainda que de forma tímida, não permitiu algumas das propostas que aprofundavam a reforma trabalhista. Muito em razão da grande mobilização social e da forte atuação dos partidos de oposição.

Esperamos que, nos próximos anos, tenhamos espaço para avançar na proposta do novo Estatuto do Trabalho, que começamos a elaborar na Comissão de Direitos Humanos com um grande número de juristas do direito do trabalho. Dentre eles, juízes, advogados, professores, auditores do trabalho, procuradores, sindicatos dos trabalhadores e dos empregadores. Essa proposta precisa regular a nova realidade do mercado, como o teletrabalho, o trabalho por aplicativos.

Creio que não vamos a lugar algum se não nos despirmos das nossas arrogâncias e ignorâncias, deixando de lado ideologias, que, neste momento, não ajudam em nada.

O importante é a construção da “ideia da obra a realizar”. O Congresso tem um alto grau de responsabilidade e de entendimento e pode, sobretudo, ser radical na serenidade.

O país não suporta mais tantos equívocos de governança, de uma governabilidade desfocada, de política de Estado e ação de governo de ataques aos direitos humanos e ao meio ambiente. Se pararmos e escutarmos a voz das ruas, vamos perceber que a sabedoria popular está emitindo sinais. Eles se mostram mais claramente nos desamparados e nos gritos dos esquecidos.

Para pensar o Brasil pós-pandemia é preciso, inevitavelmente, sentir esses sinais que estão em todo o nosso país, essa dor coletiva que está nos campos e nas cidades.

Neste momento de alta crise na saúde, na economia e no social, o Estado brasileiro tem que estar mais próximo da cidadania. É preciso que as pessoas tenham o mínimo de dignidade humana.

Os problemas estão aí para serem resolvidos; as assimetrias precisam ser solucionadas; e as palavras soltas, conectadas umas às outras, construindo conversação e diálogo.

Volto a falar aqui: o importante é a “ideia da obra a realizar”.

Já passou da hora de o Brasil retomar o rumo do crescimento e do desenvolvimento sustentável, aplicando políticas de emprego e renda, fortalecendo a saúde pública, o SUS, a seguridade social.

É imprescindível valorizar o salário mínimo, apoiar fortemente a indústria nacional, as micro e pequenas empresas, a ciência e a tecnologia, a agricultura familiar, o meio ambiente.

Da mesma forma, respeitar os direitos de todos os trabalhadores, dos empreendedores com responsabilidade social, dos aposentados e pensionistas.

Temos que compreender que o mundo do trabalho está mudando e que novas perspectivas e cenários teremos pela frente. O país tem que se preparar. O caminho ainda é o forte investimento na educação e no ensino, em todos os níveis, qualificando cada vez mais nossa mão de obra. A educação é um eficaz instrumento de mudanças na sociedade.

Garantir acesso universal à internet, como direito à dignidade humana, assim como à saúde, à educação, à moradia, ao emprego. Apresentei a PEC nº 35/2020 com esse objetivo.

Há 40 anos, o Brasil fala em reforma tributária e nada acontece. Os poderosos não a querem, pois, necessariamente, ela terá que mexer em privilégios, o que contribuirá para a desconcentração de renda.

A reforma tributária que pregamos é a progressiva, solidária e justa, tendo como base a taxação das grandes fortunas, dos dividendos e dos lucros.

É necessário também regulamentar a lei nº 10.835/2004, de autoria do ex-senador Eduardo Suplicy, que instituiu a Renda Básica de Cidadania Universal. Nesse sentido, apresentei o PL nº 4194/2020.

Um país como o nosso não pode abrir mão de programas sociais como o Bolsa Família. São eles que vão garantir a melhoria de vida das pessoas, principalmente aquelas de baixa renda.

O projeto é a ideia e o sonho a ser alcançado, sempre olhando para todos, colocando-nos no rumo certo de harmonia nacional, de combate à fome e à miséria, de desenvolvimento equilibrado.

A utopia jamais desaparece. Mas é preciso agir, propor, interagir com a realidade e com a sociedade, sobrepor-se às desavenças e aos descaminhos que nos tentam impor. Vida longa às políticas humanitárias.

Paulo Paim

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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