Coluna

Filipe Campante

A irrelevância de Trump e a relevância do trumpismo

11 de novembro de 2020

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A democracia americana mostrou-se forte o suficiente para resistir a Trump, mas não se deve subestimar o risco institucional representado pela guinada anti-majoritária do Partido Republicano

Antes das eleições norte-americanas, muitos (eu inclusive) temiam o risco institucional representado pela reação do presidente Donald Trump à sua então provável derrota. Ele já havia indicado que apelaria a teorias conspiratórias alegando fraude, e deixado claro que não aceitaria um resultado que não fosse sua reeleição.

Quanto ao comportamento do presidente, o temor revelou-se fundamentado. Sem qualquer base real, Trump acusou de fraudulenta a onda democrata nos votos pelo correio — já prevista, dado que o próprio presidente disse a seus apoiadores que votassem em pessoa, a despeito da pandemia — e até agora se recusa a admitir a vitória do seu oponente democrata, Joe Biden.

Em relação às consequências, contudo, o receio pode parecer agora um tanto exagerado. Por mais que muitos sigam aventando uma incerteza relacionada aos processos judiciais e a uma possível reação dos apoiadores do presidente — muitos deles bem armados —, parece claro que muito do encanto se quebrou. As invectivas presidenciais soam não tão ameaçadoras, e mais como o recurso patético de um ego ferido . Ainda que os líderes republicanos se sintam obrigados a encenar uma adesão aos apelos , nem eles e nem a Fox News — a quem caberia o papel de televisão do regime — de fato embarcaram de corpo inteiro na tentativa golpista de Trump.

Esse estado das coisas revela, de uma parte, uma robustez institucional da democracia americana. A imprensa, de modo geral, reconheceu a tentativa de golpe e recusou-se a participar dela, ou mesmo a indiretamente legitimá-la com uma cobertura “doisladista” superficialmente neutra. Uma vez que ficou clara a sua derrota eleitoral, Trump imediatamente perdeu a aura presidencial, retornando ao seu real tamanho, despido de qualquer estatura moral.

Ele provavelmente continuará a insistir em não reconhecer a legitimidade do resultado, e tentará manter-se em evidência política — tanto para satisfazer seu ego de fazer inveja ao próprio Narciso, como para manter-se protegido do acosso da lei, haja vista sua extensa folha corrida e os inúmeros processos que enfrenta. A despeito disso, em nada me surpreenderia que ele obtivesse grande êxito em tal intento. Seguramente, ele manterá um número razoável de fãs incondicionais, mas quantos realmente estariam dispostos a frequentar os comícios de um ex-presidente derrotado? Não ousaria apostar contra sua capacidade de permanecer relevante, mas creio que a ideia de que ele seguirá sendo o fulcro da política republicana está longe de garantida.

Filipe Campanteé Bloomberg Distinguished Associate Professor na Johns Hopkins University. Sua pesquisa enfoca temas de economia política, desenvolvimento e questões urbanas e já foi publicada em periódicos acadêmicos como “American Economic Review” e “Quarterly Journal of Economics”. Nascido no Rio, ele é PhD por Harvard, mestre pela PUC-Rio, e bacharel pela UFRJ, todos em economia. Foi professor em Harvard (2007-18) e professor visitante na PUC-Rio (2011-12). Escreve mensalmente às quintas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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