Coluna

Duda Salabert

Por que me tornei a pessoa mais votada da história de BH

26 de fevereiro de 2021

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A campanha eleitoral de 2020 foi um período de colheita. Nas urnas, a capital mineira mostrou que é possível fazer da política uma ferramenta pedagógica

Em 2020, foi a primeira vez que disputei o cargo de vereadora. Optei por fazer uma campanha “lixo zero”, ou seja, não imprimi nenhum panfleto, bandeira ou adesivo. Tomei tal decisão por diversos motivos, entre eles o fato de sempre ter me incomodado a sujeira causada pelos candidatos. Infelizmente, a atividade eleitoral traz um impacto ambiental considerável. Para se ter ideia, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, nas eleições de 2012 foi necessária a derrubada de aproximadamente 600 mil árvores e o consumo de 3 bilhões de litros de água para a produção dos panfletos políticos, também chamados de “santinhos”. Por eu ser ambientalista, seria incoerente endossar essa lógica poluente das campanhas eleitorais.

Fui muito criticada por adotar essa postura de não imprimir nenhum panfleto. Acusaram-me de elitista, de antipopular e de antidemocrática, pois o santinho seria — na perspectiva de quem me criticava — um instrumento essencial para levar as ideias para os estratos mais populares. Eu rebatia essas críticas dizendo que “não há nada mais popular do que a mensagem transmitida no WhatsApp ou no boca a boca”. Houve quem escreveu textos, desenvolvendo o raciocínio de que minha postura estaria criminalizando a política… O fato é que minha campanha conseguiu, sem o uso de papel, furar bolhas e conquistar 37.613 votos — número que me colocou como a pessoa mais votada da história das eleições de Belo Horizonte, recebendo votos em todas as urnas da cidade.

Por eu ser professora, fiz da minha campanha eleitoral uma campanha de educação ambiental pautada na conscientização dos impactos socioambientais do uso dos panfletos. Lembremos que nas eleições de 2012 uma senhora morreu após escorregar em “santinhos”. Lembremos também que, de acordo com o TSE, o lixo eleitoral daquele ano poderia, por exemplo, produzir 40 milhões de livros. Além disso, estávamos e estamos em uma pandemia: o papel e o panfleto são vetores de transmissão de covid-19. Nesse sentido, por respeitar o meio ambiente e a saúde pública, seria necessário não imprimir e não distribuir nenhum papel. Tenho certeza de que essa decisão foi acertada não apenas do ponto de vista ecológico, mas também do ponto de vista eleitoral.

Um dilema ético, no entanto, tomou conta da minha consciência. Em crise, eu pensava: “minha candidatura não está poluindo a cidade, mas as campanhas dos outros candidatos estão”. Para resolver em mim esse dilema, adotei e publicizei o seguinte compromisso com a cidade: cada voto que eu tiver será uma árvore que plantarei. Fiquei imensamente feliz ao ver que outros candidatos do país, após repercussão do compromisso que assumi, adotaram a mesma postura. Fiquei mais feliz ainda ao ler as mensagens de centenas de pessoas dizendo que há anos não votavam por desacreditar na política, mas que agora decidiram votar ao tomarem conhecimento do que prometi. As árvores, dessa forma, assumiram na campanha uma dimensão simbólica, metafórica, representando a esperança de uma nova forma de fazer política.

Para mim, a candidatura nunca foi meta, mas consequência das lutas e batalhas cotidianas

Outro ponto relevante no período da campanha eleitoral foi o fato de eu deixar claro quais projetos de lei eu protocolaria caso fosse eleita. Apresentei e debati em encontros online diários com a cidade diversos desses projetos (vale aqui destacar que fiz a campanha sem sair de casa). Entre os projetos apresentados no contexto eleitoral, destacaram-se a defesa da distribuição gratuita de absorventes nas escolas municipais; o fim da venda de animais em locais onde há consumo de comida; aumento da alimentação orgânica na merenda escolar; a criação de um plano de destamponamento de rios e córregos; um programa de empregabilidade para transexuais, para mulheres vítimas de violência doméstica e para pessoas em situação de rua; entre outros relacionados à agrossociobiodiversidade.

Um pilar central da campanha foram as pessoas que se voluntariaram para a construção desse projeto de ocupação política. Foram quase 500 voluntários que semanalmente cumpriam “tarefas”, as quais passavam por divulgar nossas propostas nos grupos de WhatsApp da família, comentar nossas publicações nas redes sociais, me defender dos ataques de ódio, puxar papo com o vizinho sobre a candidatura, etc. Nesse ponto, vale destacar que fizemos a campanha praticamente inteira sem dinheiro do fundo eleitoral. A verba financeira foi anunciada e enviada pelo partido quando faltavam apenas duas semanas para a eleição. Usei tal valor por medo de não ser eleita e por entender que há uma dívida da sociedade com as travestis e transexuais, pois fomos historicamente expulsas dos espaços sociais por causa do preconceito odioso que estrutura o país. Lembremos que 90% das travestis estão na prostituição e que nossa expectativa de vida, segundo estimativas, não supera 35 anos. Sendo assim, seria urgente eleger, pela primeira vez na capital mineira, uma transexual. Mas hoje tenho convicção de que seria possível ter sido eleita sem o valor do fundo, uma vez que havia centenas de pessoas mobilizadas nesse projeto político de cidade.

A leitura que tenho é que a campanha política foi, na verdade, um período para frutificar as sementes plantadas em anos recentes em Belo Horizonte. Por aqui idealizei e criei a Transvest – ONG que oferece educação gratuita para travestis e transexuais. Por meio dela, montamos em 2017 a primeira casa de acolhimento de pessoas trans em situação de rua da cidade. No atual contexto de pandemia, criamos a “renda mínima trans”, projeto que está ajudando financeiramente cerca de 200 transexuais. Participei também organicamente dos movimentos de educação popular, ambientalistas e veganos, além de dar aula há 20 anos nas escolas da capital. Não fiz esses trabalhos na cidade pensando em me candidatar. Para mim, a candidatura nunca foi meta, mas consequência das lutas e batalhas cotidianas.

Com esse texto não quero me vender como exemplo a ser seguido. Até porque transbordam em mim falhas e contradições. Quero apenas mostrar que é possível e necessário lutar por novas formas de se fazer política. É possível e necessário fazer da política uma ferramenta pedagógica que mobiliza pessoas e que desperta nelas esperanças. Talvez esse seja o caminho para vencermos a necropolítica e a política do ódio. Pelo menos esse foi o recado das urnas de Belo Horizonte.

Duda Salabert

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