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Para alguns cientistas, estamos na iminência da “Era das Pandemias”. Isso significa que nos próximos anos possivelmente surgirão novas pandemias, que podem se espalhar com maior velocidade e ter proporções mais catastróficas do que o atual cenário pandêmico da covid-19. Essa conclusão não foi fruto de um exercício pessimista de futurologia, mas sim de estudos acadêmicos que desnudam os problemas ambientais globais causados pela ação humana e por uma visão desenvolvimentista errônea de que preservar o meio ambiente significaria frear o crescimento econômico. O fato é que essa realidade mergulhou nossa sociedade na maior crise sanitária, mas também climática, hídrica e econômica da história do capitalismo.
“Crise”, em sua etimologia, significa “momento de mudança repentina”. Sendo assim, hoje somos agentes e espectadores de uma mudança global, que está ocorrendo de forma rápida e súbita. A nova realidade que está por vir será resultado das escolhas que tomarmos hoje. Nessa encruzilhada global, as ciências se apresentam como uma lanterna que nos mostra dois únicos caminhos que poderemos trilhar enquanto sociedade: seguir o rumo da “Era das Pandemias” ou construir a via da regeneração e preservação ambiental. Como o futuro é uma instância construída coletivamente, lanço aqui cinco mudanças que podemos tomar para evitar novas e piores pandemias:
“Saúde Única” é um conceito que opera com a ideia de que as saúdes humana, animal e ambiental estão interligadas, unidas de maneira indissociável. Nesse sentido, priorizar a saúde humana e negligenciar as saúdes animal e ambiental é um erro que gera desequilíbrio e novas doenças. Peguemos como exemplo números que ilustram essa interação: de acordo com a Organização Mundial de Saúde Animal, 75% das doenças humanas do último século são zoonoses, isto é, doenças de origem animal; a cada ano do último século, ao menos dois vírus foram transmitidos de animais para a população humana, entre os quais estão o HIV, o Ebola e o novo coronavírus. Ciente dessa relação, tenho buscado na minha atividade de vereadora em Belo Horizonte criar projetos de lei que reconheçam as interações ecológicas que há entre humanos, animais e ambiente. Cito, por exemplo, uma indicação que apresentarei ao prefeito Alexandre Kalil, pedindo a presença do médico veterinário nas equipes do “Programa núcleo de apoio à saúde da família e atenção básica” a fim de que ocorra a promoção da convivência saudável entre humanos e animais.
A demarcação das terras indígenas é uma atitude política necessária para a saúde global, uma vez que essa medida, além de estar a serviço da justiça social, contribui para a proteção do meio ambiente, da biodiversidade e ajuda ainda a frear as crises hídrica e climática que assolam nossa realidade. Embora essa questão fundiária seja de responsabilidade federal, entendo que estados e municípios precisam participar do debate e construir políticas em defesa dos povos originários. Aqui em Belo Horizonte tive o prazer de protocolar o projeto de lei, trazido pela companheira de luta Avelin Buniacá Kambiwá, que busca a criar a “Semana municipal dos povos indígenas”. Esse projeto, além de combater o apagamento da cultura indígena no cenário urbano, aquecerá a economia local e, o mais importante, trará para o debate público a urgência das pautas indígenas para o enfrentamento da crise socioambiental que nos afeta.
Há uma conexão entre doenças infecciosas, pandemias e o comércio de animais. É importante destacar, no entanto, que as últimas pandemias tiveram relação não apenas com esse tipo de comércio, mas também com a exploração industrial dos animais para consumo humano. Em termos didáticos, basta recordar os nomes “gripe suína”, “gripe aviária”, “doença da vaca louca” para ilustrar essa relação. Urge, nesse sentido, fiscalizar e proibir comércios de animais que coloquem em risco a saúde pública. Essa proibição deve vir acompanhada do fortalecimento da educação ambiental. Aqui em Belo Horizonte, protocolei um projeto de lei que objetiva a inclusão, de maneira transversal, da educação ambiental humanitária em bem-estar animal nas escolas. Caso aprovado, os estudantes terão acesso a debates que fomentarão o cultivo de uma ética que busque uma sociedade ecologicamente correta.
A atual pandemia descortinou a péssima qualidade do transporte público brasileiro, resultado de uma lógica “carrocrata” que norteou o modelo de urbanização das cidades modernas. Nesse cenário, vemos que ônibus, barcas e trens urbanos estão infelizmente a serviço do chamado “ensardinhamento das pessoas”, pois rodam superlotados, sem conforto e sem grandes preocupações sanitárias – fatores que contribuem para a propagação de doenças respiratórias. Para combater tal realidade, é necessário que o estado reconheça a importância da criação de políticas públicas que garantam qualidade e distanciamento seguro no transporte. Mais do que isso: é urgente investir na mobilidade urbana sustentável. Aqui eu pretendo levar à Câmara Municipal o debate sobre a necessidade da descarbonização da economia, em especial dos meios de transportes. A tarefa não será simples do ponto de vista político, mas é necessária do ponto de vista socioambiental.
Não existe mineração sustentável. Toda atividade minerária causa prejuízos irreversíveis ao planeta: destruição de aquíferos, de rios e de nascentes; perda da biodiversidade; contaminação do solo; rompimento de barragens – fatores que contribuem para propagação de zoonoses e para o surgimento de novas pandemias. É importante destacar que os prejuízos causados pelas mineradoras não são apenas ambientais, mas também econômicos, uma vez que tal atividade tem responsabilidade direta pela escassez hídrica e pela crise climática, que afetam todo ciclo produtivo nacional. Temos que lutar por um ideário de sociedade que não tolere a mineração. Nesse sentido, estou construindo aqui em Minas uma frente parlamentar intermunicipal pela defesa das águas, composta por vereadores que colocarão seus mandatos a serviço da segurança hídrica de suas cidades e do estado. Isso significará uma luta política de enfrentamento às mineradoras e de defesa da vida.
Nesse texto citei somente cinco mudanças estruturais que devemos adotar enquanto sociedade para que não entremos, de fato, na “Era das Pandemias”. Faremos essas mudanças? Não sei. Sei apenas de dados que a ciência traz e que me assustam, entre os quais o alarmante número de que mais de 500 espécies de animais terrestres provavelmente desaparecerão nos próximos 20 anos. Sem a devastação humana da natureza, isso demoraria milhares de anos para ocorrer… Tempos de crise!
Duda Salabert
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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