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“E assim, no dia 13 de maio de 1958, eu lutava contra a escravidão atual – a fome!”
Carolina Maria de Jesus
O 13 de maio, dia da abolição formal da escravidão no Brasil, não costuma ser uma data de manifestações de rua no calendário reivindicado pelo moderno movimento negro. Aliás, há exatos 50 anos, o Grupo Palmares, oriundo da capital gaúcha, iniciava o longo processo de consolidação do 20 de Novembro como a data representativa da luta negra nacional. No entanto, a realidade brasileira nos fez sair às ruas na quinta-feira (13) para lutar contra a fome, o desemprego, por vacina e para denunciar o estado de exceção contra a população negra.
Convocados pela Coalizão Negra por Direitos, os atos foram a maior articulação de movimentos sociais negros e da oposição ao governo Bolsonaro deste ano. Com ações em todas as regiões do país, e na maioria das capitais, podemos dizer que o movimento negro assumiu a vanguarda da resistência social nas ruas.
E isto foi assim, pois a Coalizão Negra surge como um verdadeiro espaço de frente única de organizações negras ao redor da ideia de que “enquanto houver racismo, não haverá democracia”, trazendo para o debate público que o autoritarismo de Bolsonaro, que ameaça a democracia liberal carcomida, sempre esteve presente no plano das classes dominantes contra a população negra e periférica.
Uma prova simbólica disso é que há 15 anos, na mesma data da chacina de Jacarezinho, ocorriam em São Paulo os crimes de maio de 2006. Em nome da malfadada guerra às drogas, centenas de famílias foram destroçadas em assassinatos que correspondiam à lógica dos grupos de extermínio da ditadura militar, os mesmos que deram origem às milícias cariocas, com execuções de jovens sem qualquer envolvimento com este conflito entre Estado e o crime organizado.
Os atos foram a maior articulação de movimentos sociais negros e da oposição ao governo Bolsonaro deste ano. Podemos dizer que o movimento negro assumiu a vanguarda da resistência social nas ruas
De acordo com o Observatório de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Justiça, “a execução sumária de pessoas rendidas, invasão de domicílios sem ordem judicial, alterações nas cenas dos crimes, uso desproporcional da força e tortura não se coadunam com o Estado de Direito”. Ou seja, podemos concluir que esta condição nunca foi alcançada nas periferias brasileiras.
O fato é que nos últimos anos o antirracismo se consolidou como o mais importante vetor de questionamento à violência de Estado. Por abarcar a maioria da nossa população, a luta contra o racismo permite a construção de uma pauta unitária que gera mobilização social. Como mostrou a recente pesquisa PoderData, 82% dos brasileiros que se autodeclaram pretos rejeitam o atual governo. Logos, negros e negras fazem parte do segmento da população brasileira com a maior coesão social contra o fascismo e o autoritarismo.
Se no passado, como diz o manifesto da Coalizão Negra, “formamos quilombos, forjamos revoltas, lutamos por liberdade, construímos a cultura e a história deste país”, no presente a nossa tarefa é construir um projeto político que nos permita vislumbrar uma saída à combinação de crises que devassa o Brasil. Isso passa por fortalecer iniciativas como a potente campanha Tem Gente Com Fome – ação unitária que leva segurança alimentar e itens de higiene pessoal para quem mais precisa neste momento –, mas também pela intensificação do debate programático feito desde os movimentos de base até as universidades e a intelectualidade negra.
Aos 133 anos da abolição da escravidão, lembramos que o racismo não é um mero vestígio dessa experiência colonial desumana, pelo contrário, como o momento central do processo de acumulação que consolidou o capitalismo, o racismo sempre foi a base da organização das desigualdades, da superexploração do trabalho, da dependência externa, do autoritarismo e da violência em nosso país. E é por isso que este 13 de maio teve um sentido estratégico na luta política a nível nacional. Negras e negros podem e devem ser a linha de frente da derrocada do bolsonarismo. Eis o nosso desafio.
Matheus Gomes
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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