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Raul Seixas, na década de 1980, para satirizar a política econômica brasileira e a dívida externa nacional, cantou, de forma irônica, que a “solução é alugar o Brasil”. Hoje, 40 anos após essa sátira, temos no governo federal, um ministro da economia que defende em entrevistas, sem ironias, vender todas as empresas estatais. No texto de hoje não comentarei o absurdo presente nesse pensamento de Paulo Guedes, mas sim o crime que está em curso em Brasília: a venda da Eletrobras.
Para quem não sabe, a Eletrobras é a maior produtora e distribuidora de energia da América Latina e uma das empresas mais lucrativas do Brasil. No primeiro trimestre deste ano, teve um lucro de quase R$ 2 bilhões e, no ano passado, o lucro superou R$ 6 bilhões. Além disso, desempenha papel estratégico na garantia da segurança hídrica nacional, sobretudo no atual contexto de crise hídrica e de mudanças climáticas. Esse patrimônio, no entanto, está sendo capitalizado, via medida provisória, sem debate amplo com a sociedade, podendo causar graves problemas para o país. Entre eles cito:
Atualmente, a maioria das usinas da Eletrobras vende a energia a um valor menor que as empresas privadas. Com a capitalização, novos contratos possibilitarão que a companhia comercialize a energia a preços de mercado e não mais pela tarifa regulada pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Há diversos estudos técnicos apontando que o aumento da tarifa de energia pode chegar a 20%, dependendo das condições climáticas, uma vez que as bandeiras das contas de luz oscilam de acordo com o período de seca e de chuva. Sendo assim, será jogado no bolso do consumidor não apenas as oscilações do mercado, mas também a responsabilidade de pagar pelas consequências da atual crise climática.
Tudo tem indicado que esse episódio da Eletrobras será mais um capítulo do desmonte do Estado brasileiro
A medida provisória inclui a contratação de termelétricas a gás, a óleo combustível e a carvão. De acordo com um estudo publicado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente, esse cenário, além de elevar os custos do sistema elétrico, pode implicar em um aumento de quase 25% nas emissões de gases de efeito estufa de todo o setor elétrico brasileiro. Enquanto as principais potências globais debatem a descarbonização da matriz elétrica, o Brasil vai na contramão, incentivando a produção de energia suja e mais cara para o consumidor. Esse fato compromete também o futuro do setor elétrico nacional, uma vez que o país está colocando em segundo plano o compromisso com as energias renováveis e limpas.
A capitalização da Eletrobras fará com que o estado brasileiro perca o protagonismo no setor de energia elétrica, colocando na mão do mercado uma empresa que o Brasil construiu por décadas e que se configura como uma engrenagem importante para o desenvolvimento do país. Esse processo de capitalização, aprovado nesta semana no Senado Federal, foi pavimentado por uma perspectiva privatista que opera, de maneira simplista, com a lógica de eficiência do setor privado. No entanto, é importante reforçar que não podemos reduzir o debate da estatal aos critérios da eficiência e da rentabilidade. Debater sobre a Eletrobras é, sobretudo, debater acerca da segurança energética e da soberania do país – aspectos centrais que infelizmente foram esvaziados no texto da medida provisória aprovada pelo Senado.
Nesse texto citei apenas três consequências negativas que afetarão diretamente o país caso a medida provisória 1.031/2021 seja aprovada pelo governo federal. Há, sem dúvida, diversos outros pontos a serem levantados acerca desse processo de desestatização da Eletrobras – fato que mostra a necessidade de maior debate do tema com a sociedade e com as casas legislativas. Mas infelizmente o governo Bolsonaro não tem se mostrado preocupado em promover debates qualificados com o país e nem em seguir ritos democráticos e constitucionais. Tudo tem indicado que esse episódio da Eletrobras será mais um capítulo do desmonte do estado brasileiro, o qual reforçará a condição de neocolônia do Brasil, infelizmente.
Duda Salabert
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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