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Depois da Colômbia e da Argentina desistirem de sediar a Copa América, o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe aceitaram sediar o evento no Brasil. Essa decisão causou grande surpresa já que o Brasil continua sendo hoje um dos maiores epicentros de coronavírus do mundo, com aproximadamente 2.000 mortes por dia. Alguns jogadores se manifestaram contra a decisão apoiados pelo técnico Tite, mas essa manifestação inicial não deu em nada, e os jogadores recuaram posteriormente. Por outro lado, patrocinadores importantes como Mastercard e Ambev retiraram seus nomes do evento com medo de serem associados ao regime bolsonarista.
Mas por que no meio de tantas mortes, hospitais lotados, vacinação lenta e a possibilidade de uma terceira onda, Bolsonaro aceitou trazer a Copa América para o Brasil? Tem uma frase famosa do ex-jogador e historiador uruguaio Gerardo Caetano que diz “los que creen que el deporte no tiene nada que ver con la política o no saben nada de deporte o no saben de política”. Em português, “os que acham que o esporte não tem nada a ver com a política ou não sabem nada de esporte, ou não sabem nada de política”. A motivação para fazer a Copa América no Brasil não é econômica. A criação de empregos, sem grandes obras de infraestrutura e público nos estádios, será relativamente pequena. O que motiva Bolsonaro é pegar carona eleitoral num possível sucesso da seleção nos gramados em direção às eleições de 2022.
Bolsonaro não será o primeiro líder autoritário a utilizar o futebol para buscar apoio para seu projeto político. A Copa do Mundo de 1934, sediada e vencida pela Itália e sua Azzuri, foi amplamente utilizada pelo líder fascista Benito Mussolini como uma prova do sucesso do modelo fascista. Após a final, ganha pela Itália, foi realizada uma cerimônia onde o hino fascista “Giovinezza” foi tocado e uma taça especial seis vezes maior do que a Jules Rimet foi oferecida a squadra Azzurra . O ditador espanhol Francisco Franco também utilizou o futebol para avançar suas ideias nacionalistas e fascistas , centralizando a gestão do futebol espanhol numa organização estatal que recomendava hinos de guerra como “Arriba Espana!” e “Viva Franco!” antes de jogos. Ele também renomeou o campeonato espanhol “Copa del Rey” para “Copa del Generalísimo” e mudou a camisa da seleção espanhola de vermelha para azul já que o vermelho era a cor do exército republicano derrotado na guerra civil.
Na América Latina a Copa de 1970 no México foi utilizada pela ditadura brasileira para avançar o patriotismo e a percepção de um país próspero. O regime militar, encabeçado por Emílio Garrastazu Médici, não só interveio na seleção brasileira demitindo o técnico João Saldanha e substituindo-o por Zagallo como também encomendou a música “pra frente Brasil” como um hino ufanista com o objetivo de unir o país no projeto autoritário-nacionalista. Uma estratégia semelhante foi utilizada pelo general Jorge Rafael Videla, ditador sanguinário argentino, ao sediar a Copa de 1978 e obter o campeonato com os gols de Mario Kempes e um empurrão do time peruano .
Mas como a euforia do esporte pode ajudar líderes políticos? Há uma grande literatura em ciência política e economia que discute como eventos não relacionados com a gestão de um governante podem gerar retornos eleitorais. Esses resultados e outros trabalhos são apresentados exaustivamente no livro “Democracy for realists” dos cientistas políticos Christopher H. Achen e Larry M. Bartels. Parte do retorno político de grandes eventos é resultado de melhorias econômicas, mesmo quando essas melhorias não estão relacionadas com a gestão do político, como mostram Daniela Campello e Cesar Zucco em seu artigo “Presidential Success and the World Economy” .
Claudio Ferrazé professor da Vancouver School of Economics, na University of British Columbia, Canadá, e do Departamento de Economia da PUC-Rio. Ele é diretor científico do JPAL (Poverty Action Lab) para a América Latina. É formado em economia pela Universidade da Costa Rica, tem mestrado pela Universidade de Boston, doutorado pela Universidade da Califórnia em Berkeley e foi professor visitante na Universidade de Stanford e no MIT.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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