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Samantha Vitena é apaixonada pelo seu trabalho de professora e pesquisadora. Lecionou inglês durante cerca de 15 anos, especializando-se em educação bilíngue e formação de professorxs. Feminista negra, depois da formação em relações internacionais na Universidade de Brasília, aproximou-se do campo de estudos relativos à educação antirracista. Atualmente é uma pesquisadora brasileira dedicada ao estudo dos impactos do racismo na saúde de mulheres, advogando pela justiça reprodutiva.
Como podemos ver, há quase 10 anos, a vida e carreira profissional de Samantha tem sido dedicada à construção de um país mais justo e igualitário. Contudo, para boa parte da sociedade brasileira isso pouco importa. No dia 28 de abril, a professora Samantha Vitena, mulher de grande importância para este país, seria violada por seus próprios agentes públicos e pessoas reconhecidas como “cidadãos”. Como numa roleta russa na qual todas as pessoas negras são alvos e realmente não sabemos quem será a próxima, naquele dia Samantha Vitena, professora e pesquisadora, seria reduzida pela sociedade brasileira à condição de “uma mulher negra que sofreu racismo num voo da Gol, em Salvador”.
O caso foi amplamente coberto pela imprensa, a partir da gravação e divulgação das imagens nas redes sociais. A passageira do voo 1575, que saía de Salvador para São Paulo, recusou-se a colocar sua mala no bagageiro do avião (algo que nunca vi acontecer) o que fez com que, certamente, o comandante se sentisse desafiado na sua condição de “autoridade”. De nada valeu que a pesquisadora explicasse que no bagageiro do avião seu computador, portanto seu material de trabalho e pesquisa, chegaria aos pedaços.
Sabemos que, em geral, pouco importam as demandas de passageiros, clientes, pacientes negras e negros. Somente ela mesma sabia da importância de defender seu frágil patrimônio. Caso quebrado, a companhia pediria, talvez, desculpas e pagaria outro computador, se muito, depois de meses. Contudo, perderia ali dados de pesquisa, aula, artigos, livros, materiais valiosos, sem os quais, Samantha não poderia cumprir seus deveres como pesquisadora.
Três agentes da Polícia Federal, portanto agentes públicos, foram chamados não para solucionar a situação, ou preservar Samantha, mas sim obedecer às ordens do comandante do avião. Repito: é o comandante de uma empresa privada exigindo que policiais federais retirassem do avião uma passageira que não havia cometido crime algum, senão exigir mais cuidado com seu material de trabalho.
Luciana Britoé historiadora, doutora em história pela USP e especialista nos estudos sobre escravidão, abolição e relações raciais no Brasil e EUA. É professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e autora dos livros “O avesso da raça: escravidão, racismo e abolicionismo entre os Estados Unidos e o Brasil” (Barzar do Tempo, 2023) e “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista” (Edufba, 2016), ganhador do prêmio Thomas Skidmore em 2018. É também autora de vários artigos. Luciana mora em Salvador, tem os pés no Recôncavo baiano, mas sua cabeça está no mundo. Escreve mensalmente às terças-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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