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A derrota de Jair Bolsonaro em sua tentativa de reeleição não muda o fato de que a ascensão da extrema direita, da qual o ex-presidente é até aqui o maior ícone, é o fenômeno central da política brasileira dos últimos anos. Ela vai perdurar muito além do possível ocaso político de quem tem sido, inclusive, um líder pouco hábil. Por essa razão, tentar entender as raízes dessa ascensão é tarefa essencial para qualquer um que se interesse pelos possíveis desdobramentos futuros da nossa política.
O primeiro passo para isso é ter em conta que o Brasil não é um caso isolado nesse aspecto. Com efeito, neste mesmo espaço tenho frequentemente utilizado uma lente comparativa com os EUA, e a trajetória de Donald Trump e do Partido Republicano, como uma abordagem útil para analisar o contexto brasileiro. Diversos outros líderes pelo mundo afora – gente como Orbán, Modi, ou mesmo Putin –, ainda que com suas muitas diferenças entre si, ilustram um padrão mais amplo.
Uma característica que, uma vez mais, Bolsonaro e Trump compartilham é o apelo à misoginia. Ao longo de toda a sua longa carreira política, o então deputado acumulou uma extensa coleção de episódios de explícita agressividade e desdém dirigido a mulheres. Isso já era sobejamente conhecido à época da sua campanha vitoriosa à presidência em 2018, tal como consolidado no chamado movimento “Ele Não” . Sua relativa dificuldade com o eleitorado feminino foi uma constante na sua trajetória desde então.
Mas teria essa característica talvez ajudado Bolsonaro em outros segmentos da população? Afinal de contas, ao se portar de maneira explicitamente misógina, ele sinalizava apoio a uma visão, por assim dizer, mais “tradicional” em relação ao papel das mulheres na família e na sociedade. Mais ainda, precisamente por esse comportamento impor custos em termos do seu desempenho eleitoral com uma fatia importante do eleitorado, ele indicava um comprometimento real com a causa de preservar hierarquias tradicionais, e de reverter tendências recentes no sentido de maior igualdade entre gêneros. É ao menos plausível que isso pudesse ter apelo perante eleitores simpáticos a tal causa.
É difícil estabelecer com certeza se de fato houve algum efeito de tal natureza. O simples fato de haver uma diferença substancial no nível de apoio obtido por Bolsonaro entre homens e entre mulheres está longe de permitir, por si só, tal conclusão. Se há diferenças de gênero com relação a políticas públicas – por exemplo, se os homens têm maior propensão a apoiar a expansão do acesso às armas – o apelo a hierarquias tradicionais de gênero pode ser apenas incidental ao padrão observado.
Filipe Campanteé Bloomberg Distinguished Associate Professor na Johns Hopkins University. Sua pesquisa enfoca temas de economia política, desenvolvimento e questões urbanas e já foi publicada em periódicos acadêmicos como “American Economic Review” e “Quarterly Journal of Economics”. Nascido no Rio, ele é PhD por Harvard, mestre pela PUC-Rio, e bacharel pela UFRJ, todos em economia. Foi professor em Harvard (2007-18) e professor visitante na PUC-Rio (2011-12). Escreve mensalmente às quintas-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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