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A Suprema Corte americana tem ocupado o noticiário nas últimas semanas por um motivo nada nobre: investigações jornalísticas revelaram diversos casos de ministros ou parentes diretos recebendo, sem declaração ou prestação de contas, presentes e negócios em termos favoráveis da parte de indivíduos e organizações com interesses perante a Corte.
Isso não é novidade no Brasil, mas no caso americano chamou a atenção para um elemento crucial: ao contrário de outros juízes federais, que são obrigados a seguir um código de ética sob pena de punição, não há qualquer tipo de controle formal sobre os membros da Corte.
Num contexto de total falta de mecanismos de accountability, não chega a surpreender que haja corrupção. Mas a sua proliferação, e a reação a ela, ajudam a entender o papel da polarização política – e da ascensão recente, associada a ela, do populismo autoritário – na degradação da qualidade das instituições.
O primeiro elemento para tanto é reconhecer um fato que os últimos anos demonstraram sobejamente: que o papel das regras formais – as leis e códigos e pesos e contrapesos – em garantir o bom funcionamento das instituições sempre foi menos decisivo do que pensávamos. Mesmo nas democracias mais estabelecidas, ficou claro que o escopo para punir os ocupantes das mais altas esferas do aparato do Estado – presidentes, cortes supremas, etc. –, na esfera da lei, é bastante limitado. Isso porque há razões importantes para restringir a possibilidade de retribuição por parte de adversários políticos, e para dar espaço para a tomada de decisões, por parte desses agentes, sem preocupação excessiva.
Mas como era possível que essas democracias funcionassem, se os mecanismos formais de accountability eram na verdade tão limitados? Como não se afogavam em um turbilhão de corrupção e abuso de poder? O segredo estava em grande parte na presença de normas de comportamento, pelas quais os próprios atores escolhiam não se aproveitarem de todas as possibilidades das quais poderiam tirar vantagem. Certas coisas eram simplesmente erradas, ou mesmo inimagináveis, ainda que possíveis pela letra da lei.
Filipe Campanteé Bloomberg Distinguished Associate Professor na Johns Hopkins University. Sua pesquisa enfoca temas de economia política, desenvolvimento e questões urbanas e já foi publicada em periódicos acadêmicos como “American Economic Review” e “Quarterly Journal of Economics”. Nascido no Rio, ele é PhD por Harvard, mestre pela PUC-Rio, e bacharel pela UFRJ, todos em economia. Foi professor em Harvard (2007-18) e professor visitante na PUC-Rio (2011-12). Escreve mensalmente às quintas-feiras.
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