Coluna

João Paulo Charleaux

Ataque a ambulâncias em Gaza é só a ponta do iceberg

08 de abril de 2025

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Casos como o dos 15 socorristas mortos a tiros por Israel se multiplicam nos conflitos atuais, banalizando um gravíssimo crime de guerra

Militares da 14ª Brigada Blindada das IDFs (Forças de Defesa de Israel, na sigla em inglês) mataram a tiros pelo menos 15 trabalhadores humanitários que se deslocavam para atender a uma ocorrência na localidade de Tel Sultan, perto de Rafah, no sul da Faixa de Gaza. O incidente ocorreu no dia 23 de março, mas os corpos só foram encontrados, dentro de uma vala comum, uma semana depois. 

A tragédia voltou a colocar em evidência os ataques contra pessoal e instalações sanitárias (de saúde) em situações de conflito armado não apenas em Gaza, mas em todo o mundo. Em 2022, foram mortos 118 trabalhadores do setor. Em 2024, esse número mais do que triplicou, passando para 382; e só nos primeiros quatro meses de 2025 já há 67 mortos, 37 feridos e 10 sequestrados, de acordo com uma base de dados alimentada por organizações.

Neste incidente em particular, morreram oito membros do Crescente Vermelho Palestino, seis da Defesa Civil e um da UNRWA, a agência da ONU para refugiados palestinos.

As leis aplicáveis às guerras proíbem expressamente, desde 1864, os ataques contra pessoal, instalação e veículos sanitários identificados com os emblemas da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. Esses emblemas podem proteger tanto grupos de socorro voluntário, como o Crescente Vermelho Palestino, quanto organismos internacionais, como o CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha). Além disso, eles garantem proteção aos serviços sanitários das próprias forças envolvidas nos conflitos – ou seja, tanto o Hamas quanto Israel têm o direito de socorrer seus homens feridos e enfermos nos campos de batalha, sem que suas ambulâncias se tornem alvo por isso. Esse direito está claramente expresso nas Quatro Convenções de Genebra de 1949 e em seus três Protocolos Adicionais, dois deles de 1977 e um mais recente, de 2005. 

O fato de que uma ambulância esteja indo em socorro ou esteja transportando um combatente ferido – seja ele um membro de grupo armado organizado, como o Hamas, ou de um Exército regular, como o de Israel – não a converte em alvo legítimo. Da mesma maneira, o fato de um hospital ter em seu interior combatentes feridos e enfermos, sejam de que lado for, não converte esse local em alvo. 

João Paulo Charleauxé jornalista, escritor e analista político. Foi repórter especial, editor e correspondente do Nexo em Paris. Trabalhou por sete anos no CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha) em cinco diferentes países, cobriu a guerra nas fronteiras de Israel com Gaza e o Líbano, a crise política e humanitária no Haiti e o tsunami no Chile. Pela Cia das Letras, publicou o livro “Ser Estrangeiro – Migração, Asilo e Refúgio ao Longo da História” e prepara um novo livro, sobre “As Regras da Guerra”, mesmo tema de uma série publicada na Folha em 2023-2024. Ao longo dos últimos 25 anos, escreveu no Estadão, no Globo, na Piauí, no UOL e na Carta Capital. Participou como comentarista na CNN e na CBN. Trabalha principalmente com temas ligados ao direito internacional aplicável aos conflitos armados.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

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