Bolsonarismo em gestação: análise de conteúdo sobre Trump e o Ocidente, de Ernerto Araújo
Autoria
Sergio Schargel
LattesÁrea e sub-área
Ciência Política
Publicado em
30/06/2023
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Em 2017, foi publicado o artigo “Trump e o Ocidente”, de Ernesto Araújo, na revista Cadernos de Política Exterior, do IPRI (Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais). O texto foi produzido dois anos antes de seu autor se tornar ministro das Relações Exteriores (2019-2021) no governo Jair Bolsonaro.
O artigo de Araújo defende que o governo do ex-presidente americano Donald Trump tentava estabelecer uma visão de Ocidente baseada “na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais” e que o Brasil deveria refletir sobre seu papel na (re)construção desse Ocidente nacionalista. Esta pesquisa analisa a estrutura do discurso e dos argumentos do texto do ex-ministro, que é considerado um dos primeiros a versar sobre ideias que posteriormente viriam a tomar forma no movimento bolsonarista.
Quais são as características iniciais de um pré-bolsonarismo e de que forma elas evoluem conforme o movimento se consolida?
O bolsonarismo não foi um movimento gestado no vácuo. Sendo uma mixórdia de diversas pautas, submovimentos e ideologias, o bolsonarismo está em constante mutação e tensão dentro de suas correntes internas. Lançar luz sobre alguns de seus primeiros materiais, como o artigo “Trump e o Ocidente” permite compreender essas reconstruções e evoluções.

Ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo participa de entrevista coletiva no Palácio Itamaraty, em Brasília, em 2021
Entre os pensadores iniciais do bolsonarismo estava Ernesto Araújo, diplomata posteriormente transformado em chanceler no governo Bolsonaro. Em 2017, Araújo publicou um artigo apologético sobre Donald Trump, no qual atribuía a ele características messiânicas, relacionadas ao empreendimento de uma cruzada em defesa do Ocidente frente às hordas islâmicas.
Através de uma análise de conteúdo sobre o artigo, a proposta desta pesquisa é identificar características essenciais que constituem o seu discurso, comparando-as com as formas pelas quais o bolsonarismo se manifestou logo em seguida de maneira mais consolidada. Analisar em profundidade um material intelectual do movimento permite que sejam trabalhadas as formas pelas quais ele se enxerga, contribuindo para o seu entendimento em um escopo ampliado.
Por meio de análise de conteúdo sobre um dos principais materiais intelectuais do bolsonarismo, o artigo buscou discutir em profundidade algumas de suas características, em diálogo com elementos que apareceram em outros momentos do movimento. Na prática, o artigo de Araújo demonstra que o bolsonarismo não é um fenômeno isolado, mas tem suas raízes em movimentos políticos e ideológicos anteriores, como a ditadura militar, o fascismo e o integralismo. Isso sugere uma continuidade histórica e uma influência de ideologias autoritárias e nacionalistas no surgimento e na formação do bolsonarismo, confirmando uma cultura política autoritária no Brasil.
O texto possui características em comum com ideias do movimento que tomaria forma mais definida nos anos seguintes, mas apresenta algumas dissidências. Na verdade, aparenta estar mais em sintonia com propostas e discursos da extrema direita europeia, ainda que regurgite o mesmo anticomunismo de Bolsonaro. A islamofobia ― e mesmo o antissemitismo ―, ainda que possam ser pontualmente identificados no bolsonarismo, certamente são secundários. Em “Trump e o Ocidente”, a paranoia de uma invasão bárbara de hordas islâmicas se coloca como ponto principal, conforme Araújo se pergunta qual o papel do Brasil nesse Ocidente.
A pesquisa destaca a complexidade do bolsonarismo, suas origens históricas e suas características ideológicas, oferecendo uma análise crítica das influências e das narrativas que o moldaram, a nível tanto nacional quanto internacional.
Pesquisadores de ciências sociais, história e humanidades, e também qualquer pessoa interessada em entender a extrema direita e a política recente do Brasil.
Sergio Schargel é professor substituto da Universidade Federal de São João del Rei. Doutorando em letras pela USP (Universidade de São Paulo). Mestre em letras pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), mestre em ciência política pela Unirio (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Especialista em literatura brasileira pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). É autor de “Bolsonarismo, Integralismo e Fascismo” (Folhas de Relva, 2024). Venceu o Prêmio Abralic de melhor dissertação do biênio 2020-2021, que se transformou no livro “O fascismo infinito, no real e na ficção” (Bestiário, 2023). Sua pesquisa e produção artística são focadas na relação entre literatura e política, tangenciando temas como teoria política, literatura política, fascismo, extrema direita, judaísmo, antissemitismo e a obra de Sylvia Serafim.
Referências
- ARAÚJO, Ernesto. Trump e o Ocidente. Cadernos de Política Exterior, n. 06, 2017. Disponível em: https://funag.gov.br/loja/download/CADERNOS-DO-IPRI-N-6.pdf. Acesso em: 20 set. 2021.
- GEISELBERGER, Heinrich (org.). A grande regressão. São Paulo: Estação Liberdade, 2019.
- HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
- PAXTON, Robert. The five stages of fascism. The Journal of Modern History. Chicago: Chicago University Press, v. 70, n. 01, 1998:01-23. Disponível em: https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.1086/235001. Acesso em 06 nov. 2021. Doi: https://doi.org/10.1086/235001.
- ROCHA, João Cezar de Castro. Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político. Goiânia: Editora e Livraria Caminhos, 2021.