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João Paulo S. L. Viana
De uma vitória quase certa no primeiro turno ao empate técnico a dias da decisão, a capital de Rondônia, único estado brasileiro em que Bolsonaro venceu em todos os municípios, se divide à espera de domingo
A disputa à Prefeitura de Porto Velho vem apresentando características bastante peculiares. O quadro de guinada conservadora constitui um dos principais elementos da eleição porto-velhense. No primeiro turno, entre as quatro candidaturas mais competitivas, três nomes apresentavam-se à direita. O antipetismo crescente, que se perpetua pelo menos desde 2016, é também outra característica. Um fato curioso é que até mesmo o candidato derrotado da frente de esquerda, composta por PDT/PT/PCdoB/PV, tentou esconder a aliança com o PT e o presidente Lula. Embora inusitado, isso não causa espanto em se tratando da capital do único estado brasileiro em que Bolsonaro venceu em todos os municípios nas eleições presidenciais de 2018 e 2022.
Uma questão diretamente relacionada a esse conservadorismo diz respeito à forte influência evangélica. A ex-deputada federal Mariana Carvalho (União) e o ex-deputado federal Léo Moraes (Podemos), dois reconhecidos puxadores de votos que disputam agora o segundo turno, têm como vices pastores evangélicos. Ainda que no segundo turno, como era de se esperar, ambas as candidaturas tenham focado mais em problemas concretos, tais como saneamento básico, educação e saúde, na etapa inicial, a pauta de valores esteve bastante presente na campanha. Vale ressaltar que até o candidato da frente de esquerda, Célio Lopes (PDT), tinha também como vice uma pastora.
Maior surpresa é a possível reviravolta que tem marcado os rumos da eleição em Porto Velho
Outra característica, não menos importante, é o tema do meio ambiente como antipauta eleitoral. Durante o primeiro turno, a questão ambiental foi completamente negligenciada por partidos e candidatos, mesmo com a cidade sob intensa fumaça durante os meses de agosto e setembro, o que significou uma das maiores crises ambientais da história porto-velhense. A exceção foi a candidatura de Samuel Costa (Rede) que, entretanto, atingiu apenas 1% dos votos. O pífio desempenho do candidato da Rede diz muito sobre como a questão é abordada pela elite política, diante de uma visão arcaica de desenvolvimento que trata como antagônica a relação entre ambiente e economia. Importante frisar que o tema ambiental como antipauta permanece no debate eleitoral do segundo turno.
Para além dessas questões, a maior surpresa, contudo, é a possível reviravolta que tem marcado os rumos da eleição em Porto Velho. Durante todo o primeiro round da disputa, Mariana Carvalho aparecia à frente da corrida eleitoral com larga vantagem. Na pesquisa Quaest divulgada na véspera do primeiro turno, embora já apresentasse tendência de queda, a candidata do União Brasil aparecia com 52% dos votos válidos (ou 44% dos votos totais), resultado que, no extremo inferior da margem de erro seria de 49%. Ou seja, a possibilidade de segundo turno era quase remota, de acordo com o levantamento. Do outro lado da disputa, o que se viu foi uma recuperação impressionante do segundo colocado, Léo Moraes. Apesar da grande diferença em favor de Mariana, Léo chegou ao final do primeiro turno em ascensão, apresentando notória curva de crescimento em suas intenções de votos e fechando aquela última sondagem com 22% dos votos válidos (e 17% dos totais). Nesse contexto, o que teria contribuído para o segundo turno num cenário que parecia tão favorável à vitória de Mariana já em primeiro turno?
Cumpre mencionar que a candidata chegou a atingir 56% de intenções de votos na segunda pesquisa Quaest do primeiro turno de 17 de setembro, enquanto na mesma sondagem Léo apresentava 11%, sete pontos percentuais a menos do que seu desempenho na primeira pesquisa, quando largou com 18%. À época, analistas locais chegaram a afirmar, equivocadamente, que Léo perderia a segunda posição para a juíza aposentada Euma Tourinho (MDB), o que evidentemente não ocorreu. Naquele momento, Mariana possuía praticamente o dobro de intenções de votos dos demais candidatos juntos. No entanto, é importante relembrar que Léo Moraes, embora concorrendo sozinho, é um nome muito conhecido do eleitorado local, tendo sido inclusive o deputado federal mais votado do estado em 2018. Em suma, desde o início da campanha era dado como certo que a disputa seria entre os dois.
Embora os percentuais nas pesquisas impressionassem, o volume de recursos financeiros e o tempo de rádio e TV da coligação de 12 partidos em torno da candidatura de Mariana, um conjunto de erros cometidos na reta final da primeira etapa da campanha foi fundamental para levar a eleição ao segundo turno. Seguramente, o evento principal desse “combo de equívocos” foi a ausência da candidata do União Brasil no debate da Rede Amazônica, afiliada da TV Globo, realizado na quinta-feira anterior ao pleito. Algo difícil de compreender, até porque, alguns dias antes, Mariana havia tido um bom desempenho no debate da SIC-TV, afilada da TV Record.
Assim, diante de um formato que penalizava fortemente o candidato ausente, no qual o púlpito permanecia vazio no estúdio, e aos demais candidatos era permitido fazer perguntas para Mariana, todos os outros cinco postulantes centraram artilharia na candidata favorita, que, naquele momento, não pode se defender. Nesse sentido, é justificável que a Quaest, fechada no sábado, 5 de outubro, de manhã, não tenha captado totalmente a tendência de queda constante que se acentuou até o domingo, dia 6, dia da eleição. Resultado das urnas: Mariana 44% x 25% Léo.
Em meio a essa conjuntura, embora o segundo turno tenha se iniciado com uma vantagem de quase 20 pontos percentuais em favor de Mariana, a tendência de crescimento de Léo Moraes segue se acelerando. A primeira pesquisa Quaest do segundo turno, divulgada em 17 de outubro, apresentou um empate técnico entre os candidatos, com 43% para Mariana (que recebeu 44% dos votos nas urnas) e 42% para Léo (que teve 25%). Tendo como base o resultado do primeiro turno, isso representa um forte crescimento do candidato do Podemos em relação à candidata do União Brasil, que apresenta um quadro de estagnação. A margem de erro neste caso é de 3,7 pontos. Apesar de Mariana ter recebido formalmente o apoio de Célio Lopes (PDT) e de Benedito Alves (Solidariedade), isso não tem se refletido, pelo menos até agora, numa possível migração de votos. Inclusive, para uma fatia do eleitorado mais radical à direita, soou muito mal o apoio do pedetista.
Impressionantemente, de uma situação que apontava para um quadro praticamente decidido em primeiro turno, chegamos de forma dramática à última semana de campanha do segundo turno. Diante de conjunturas que se modificam muito rapidamente, o que observamos é um quadro imprevisível na eleição de Porto Velho. Certamente, os movimentos das campanhas nesses poucos dias que antecedem o pleito farão a diferença.
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João Paulo S. L. Viana é professor de ciência política da Universidade Federal de Rondônia e pesquisador do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal.
Este artigo é parte das análises produzidas pelo Observatório das Eleições 2024, iniciativa do INCT/IDDC (Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação).
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