Um presidencialismo de coalizão menos governista

Ensaio

Um presidencialismo de coalizão menos governista
Foto: Adriano Machado/Reuters - 11.fev.2020

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André Perfeito e Leonardo Barreto


02 de outubro de 2020

O medo dos efeitos da pandemia sobre a popularidade presidencial forçou uma reaproximação acelerada para prevenir possíveis soluços institucionais com risco de descontinuidade

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No dia 20 de abril, o presidente Jair Bolsonaro gravou e postou um vídeo amistoso com o deputado Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão, que reúne os partidos de centro e centro-direita sem os quais nenhum governo consegue maioria para passar sua agenda no Congresso Nacional. Simbolicamente, pode-se dizer que esse foi o dia em que o Executivo começou a tentar normalizar sua relação com o Legislativo com a construção de uma base parlamentar governista.

Analistas mais afoitos podem ter dito: o presidencialismo de coalizão voltou! No entanto, passados cinco meses desde o encontro entre Bolsonaro e Lira, a situação do governo no Congresso Nacional não se assemelha ao que se costumou ver com Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma (primeiro mandato) e Temer. Ainda não há uma base formal, há derrotas que seriam inadmissíveis em outros tempos (Fundeb, por exemplo) e não parece haver uma cadeia de comando clara ligando a Casa Civil e o plenário virtual da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Segundo o Barômetro Parlamentar Necton/Vector, pesquisa mensal feita com líderes partidários, em setembro, Bolsonaro possuía uma nota média 4,9 . O valor é próximo aos obtidos nos dois meses anteriores (4,3 e 4,4, respectivamente). Nesta pergunta, deputados e senadores dão uma nota entre zero e dez na relação do presidente com o Congresso Nacional. Considerando só os parlamentares de partidos que se consideram base ou independentes, a média é um pouco melhor (6,4). Olhando apenas pelo lado da oposição, a média é pior (2,3).

Mas, o que significa essa nota? Como não há pesquisas similares no mundo, deve-se buscar os parâmetros para a análise dentro do próprio estudo. No ano do impeachment, a ex-presidente Dilma Rousseff tinha nota 3,8. Na mesma semana em que perdeu as votações da Lei Geral da Copa e do Código Ambiental, tinha 4,2. Ou seja, pode-se dizer que Bolsonaro deixou o nível pré-impeachment para trás (chegou a ter 3,6 no início do ano), mas ainda não atingiu altitude de voo de cruzeiro.

E será que vai alcançar, que vai montar um novo “rolo compressor”, como havia nos anos do PSDB e do PT? Será que quer? Não se trata de uma questão trivial.

Há sinais de que um presidencialismo de coalizão menos governista, mas nem por isso de oposição, pode estar tomando forma no Brasil

O distanciamento entre Bolsonaro e o Congresso Nacional serviu a um propósito no início do ano, isto é, manter viva a persona política que foi eleita em 2018 com discurso antiestablishment. Não foram poucas as ocasiões nas quais o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aconselhou Bolsonaro a “descer do palanque”.

O medo dos efeitos da pandemia do coronavírus sobre a sociedade e, por tabela, sobre a popularidade presidencial forçou uma reaproximação acelerada para prevenir possíveis soluços institucionais com risco de descontinuidade. Mas, até onde se vê, não se caminhou para um presidencialismo de coalizão clássico.

Não houve reforma ministerial para acomodar neo-aliados, embora conste que os partidos conseguiram ocupar diversos espaços nos escalões inferiores. Com exceção do Ministério das Comunicações, assumido pelo deputado Fábio Faria (PSD-RN), todas as vagas ministeriais abertas foram preenchidas por pessoas de fora do circuito parlamentar.

Nesse sentido, é possível pensar que Bolsonaro buscará colocar em prática presidencialismo de coalizão mais brando, nem oito, nem oitenta? Neste modelo, o Congresso Nacional continuaria com muita autonomia em relação à agenda legislativa e o governo manteria autonomia para nomear seu gabinete. Haveria relacionamento em torno de cargos por um lado e uma influência mais colaborativa do que impositiva sobre as matérias votadas. Na verdade, em vez de comandar a pauta, o Planalto deteria mais poder efetivo de veto sobre algumas questões, especialmente sobre aquelas com impacto fiscal.

O ganho de Bolsonaro é manter um distanciamento protocolar do Congresso Nacional a ponto de permitir-lhe manter alguma parte do discurso antiestablishment de pé em 2022. Pelo lado da Câmara e do Senado, os presidentes das Casas mantêm um poder muito maior do que os de seus antecessores na definição do que vai ou não ser decidido.

É importante ressaltar que isso só é possível porque há afinidade ideológica entre governo e Congresso, pois ambos são de orientação reformista, liberal na economia e conservadora nos costumes. Se fosse de outro modo, com o governo de direita e um parlamento de esquerda (ou vice-versa, como ocorreu com Dilma), esse modelo mais balanceado de presidencialismo de coalizão dificilmente seria possível.

Tudo isso, no entanto, ainda é uma possibilidade. O fortalecimento popular do presidente Bolsonaro pode fazê-lo recuar em relação às concessões feitas ao Congresso, por exemplo, embora não haja razão para isso. A eleição de um deputado governista para o comando da Câmara também pode reiniciar o rolo compressor, apesar disso também ser improvável face ao gosto que os parlamentares podem ter desenvolvido pela postura mais independente em relação ao Executivo.

Há sinais de que um presidencialismo de coalizão menos governista, mas nem por isso de oposição, pode estar tomando forma no Brasil. É uma aposta arriscada dado seu ineditismo na tradição política brasileira. E a aposta aqui é dobrada: a pandemia e a crise econômica decorrente trazem urgência à ação.

Saber como irá evoluir tal equilíbrio entre os poderes é o tema mais importante dos próximos meses e para os próximos anos. O governo segue jurando que irá avançar em sua agenda e a Selic no chão é a prova dos 9, resta saber se o mercado irá continuar acreditando nas juras de longo prazo.

André Perfeito é economista-chefe da Necton Investimentos.

Leonardo Barreto é cientista político da Vector Relações Governamentais.

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