As barreiras da inclusão política em sociedades desiguais

Ensaio

As barreiras da inclusão política em sociedades desiguais
Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS - 01/03/2016

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Margarida Gorecki


11 de setembro de 2023

Mesmo em situações nas quais a população se posiciona a favor da desconcentração da renda e da riqueza e em defesa da garantia de direitos, ela ainda encontra pouca aderência junto aos poderes políticos e às elites que os mantém

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Nos últimos dias, o noticiário político foi tomado por discussões sobre a taxação dos brasileiros com maior renda no país, os “super-ricos”. A proposta de tributação dos fundos exclusivos e o capital aplicado em offshores impactaria 2.500 brasileiros que, juntos, acumulam patrimônio de R$ 756,8 bilhões. No dia 30 de agosto, o recém-lançado Observatório Brasileiro das Desigualdades trouxe um dado extremamente contrastante: cerca de 7,6 milhões de brasileiros vivem com uma renda domiciliar per capita mensal menor do que R$ 150.

Em um outro dado do Observatório, em que é possível conferir os abismos, a partir do maior e do menor indicador, uma mulher negra no estado de Alagoas está oito vezes mais em situação de insegurança alimentar que um homem branco, em Brasília. Para além de serem anticonstitucionais, injustas e potencialmente mortais para tantas pessoas, o nível de desigualdades encontrado no país coloca em risco a própria democracia.

Desde os primórdios da Teoria Política, de Tocqueville a Robert Dahl , discute-se como as desigualdades podem afetar as bases dos sistemas democráticos, afinal, a ideia fundadora de tais sistemas é a de que todos têm a mesma voz. Por mais que o conceito de democracia possa variar entre as pessoas, em teoria cada cidadão teria os mesmos direitos de tomar decisões informadas acerca de seu voto, de manifestar-se politicamente, candidatar-se, exercer posições de poder e influenciar a tomada de decisão dos governantes e as políticas por eles criadas.

Se olharmos para as desigualdades como uma somatória de fatores, abrangendo desde aspectos econômicos e de renda até os sociais como acesso à educação, saúde, segurança alimentar e moradia digna, fica claro que estes direitos não são iguais para todos. Assim, para um pequeno grupo da sociedade a entrada junto às instituições, aos políticos e aos formadores de opinião é facilitada e inclusive converte-se o seu capital econômico em influência política, por exemplo via doações para campanhas. Já a uma fatia significativa da população, mesmo os serviços mais básicos são negados.

Outros fatores fundamentais para entendermos a conexão entre desigualdades crescentes e sistemas políticos enfraquecidos são raça e gênero. Pensando na composição demográfica do Brasil, se as pessoas negras e as mulheres fossem representadas de forma proporcional à sua presença na população, teriam que ocupar pouco mais da metade das cadeiras no Legislativo e das prefeituras. Na Câmara federal, porém, negros e negras não chegam a 25% dos deputados. No Senado, essa proporção é ainda menor. Se olharmos para a origem socioeconômica dos parlamentares, fica claro como ali a elite é a maioria.

Se olharmos para as desigualdades como uma somatória de fatores, abrangendo desde aspectos econômicos e de renda até os sociais como acesso à educação, saúde, segurança alimentar e moradia digna, fica claro que estes direitos não são iguais para todos

Barreiras para a participação política são numerosas, e intrinsecamente ligadas às desigualdades. Limitações no acesso à saúde, educação, tempo e dinheiro para candidatar-se são decisivas, e mesmo quando há leis de incentivo, como as de cotas políticas e repasse de recursos públicos às candidaturas de mulheres e pessoas negras, vemos uma resistência dos partidos em cumpri-las – o que torna os resultados, infelizmente, ainda tímidos. Um exemplo é a Proposta de Emenda Constitucional 9/23, apelidada de PEC da Anistia, que, se aprovada no Senado, perdoará todos os partidos que descumpriram com esta legislação nas últimas eleições, enviando uma clara mensagem de que a diversidade e a representatividade não são prioridades ali.

Assim, perpetua-se um ciclo no qual as desigualdades socioeconômicas enfraquecem a democracia e alimentam as desigualdades políticas, acentuando a influência dos mais ricos, sobretudo acerca das medidas que corroboram para a concentração da renda e da riqueza.

Para além disso, quando as desigualdades de uma nação se mostram tão gritantes e refletidas nos legisladores e governantes que a compõem, resultam também em um preocupante efeito, a queda da confiança nas instituições. Segundo estudos , tanto a percepção dos cidadãos sobre a eficácia do sistema político em si, como a dos processos conduzidos pelo governo são afetadas em tais cenários de desigualdades políticas. Em um relatório recente , a ONU (Organização das Nações Unidas) aponta que esta falta de confiança no sistema cria um vácuo no qual líderes autoritários e nacionalistas podem florescer, carregando a mensagem de que o cidadão comum está sendo explorado por uma elite privilegiada, e apenas uma mudança radical nas instituições corrigiria o problema.

“As desigualdades oferecem um terreno fértil para aventuras totalitárias e desmoralizam a democracia”, afirmou Oded Grajew ao lançar o Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades. A iniciativa, que quer transformar o combate às desigualdades em prioridade nacional, reúne além do novo observatório também uma frente parlamentar dedicada ao tema e um prêmio para municípios comprometidos com a causa. Parte da estratégia adotada consiste em monitorar de forma sistêmica indicadores sobre o tema, e acompanhar políticas públicas de combate às desigualdades para cobrar seus resultados de forma contínua, visando assegurar que as políticas implantadas de fato combatam as desigualdades.

Embora o momento político atual traga novas oportunidades com a redução das ameaças explícitas à democracia e uma maior abertura à participação social, reverter um processo duplo de acirramento das desigualdades e deterioração da confiança popular nas instituições democráticas exige uma potente atuação multisetorial. Afinal, mesmo em situações nas quais a população se posiciona a favor da desconcentração da renda e da riqueza e em defesa da garantia de direitos para todos, ela ainda encontra pouca aderência junto aos poderes políticos e às elites que os mantém. Para fazer frente a tamanho desafio, o Pacto pela Democracia soma forças ao Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades, unindo seus mais potentes recursos, a articulação da sociedade civil organizada, para defender o posto como básico em nossa Constituição: uma sociedade na qual todos possuem os mesmos direitos políticos e sociais garantidos.

Margarida Gorecki é jornalista e socióloga, mestre em Mídia, Comunicação e Desenvolvimento pela London School of Economics (LSE) e coordenadora no Pacto pela Democracia , coalizão formada por mais de 200 organizações da sociedade civil.

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