Triplicar capacidade das renováveis com justiça climática

Ensaio

Triplicar capacidade das renováveis com justiça climática
Foto: Divulgação/Ascom/UFPB

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Rodolfo Gomes e Tatiane Matheus


19 de maio de 2024

Matriz diferenciada por fontes renováveis torna o Brasil primordial para a transição energética

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Na última COP, 116 países assinaram o Compromisso Global para as Energias Renováveis e a Eficiência Energética para triplicar a capacidade mundial instalada de produção de energias renováveis e duplicar a taxa média anual global de melhorias na eficiência energética até 2030. O presidente Lula afirmou, em reunião com empresários e investidores, que o país precisa se transformar em potência mundial na área de energia renovável.

Há 31 anos, a Agenda 21 foi aprovada na primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), estabelecendo o compromisso mundial com o desenvolvimento sustentável como fruto da frustração para resolver questões vitais para a humanidade.

Pela sua matriz energética diferenciada por fontes renováveis, o Brasil é primordial para a transição energética. O Nordeste responde por 91% da capacidade instalada de energia eólica, que é 12% de toda a geração de eletricidade no país. O potencial de crescimento aumenta com novas explorações de energia eólica offshore e produção de hidrogênio verde. 

Se a ambição for cumprida, abarcará a justiça social, econômica, ambiental e climática, como preconiza o conceito de desenvolvimento sustentável? Não é o que indica o estudo do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), em parceria com o Nordeste Potência. Ao examinar contratos entre empresas de energia eólica com comunidades do semiárido brasileiro, foi constatado que, no geral, são em formato de adesão e o pagamento é irrisório: R$ 1 ou R$ 2 por hectare por mês pelo arrendamento da terra. Aqueles que querem romper o contrato terão de pagar multas exorbitantes. 

Corpos e territórios vulnerabilizados têm classe, cor e gênero e seguem sendo invisibilizados mesmo dentro de uma pauta positiva como é a da descarbonização da economia

Essa é a ponta do iceberg. Durante a construção de alguns empreendimentos, comunidades impactadas denunciam aumento de exploração sexual na região, desmatamento, impactos em sítios arqueológicos e até casos de lideranças comunitárias sob ameaças. Após o início das atividades, moradores reclamam de problemas de saúde física e psicológica pelo ruído das turbinas instaladas sem respeitar uma distância adequada das residências.

Soluções existem, como realizar, e de forma adequada, consulta livre, prévia e informada como preconizado pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho. Protocolos de salvaguardas jurídicas e de financiamentos são essenciais. Melhorias no planejamento energético e licenciamento ambiental, maior fiscalização dos órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público e as Defensorias e celeridade na titulação das terras de comunidades tradicionais. Criação de um fórum de diálogo e arbitragem para abordar e lidar com essas questões. 

Comunidades impactadas, especialistas e acadêmicos se uniram para desenvolver o documento “Salvaguardas socioambientais para energia renovável”. A compilação lançada no início do ano trouxe sugestões de mecanismos e medidas de proteção demonstrando que é possível gerar e transmitir energia sustentável com justiça social e ambiental.

Esses corpos e territórios vulnerabilizados têm classe, cor e gênero e seguem sendo invisibilizados mesmo dentro de uma pauta positiva como é a da descarbonização da economia. A transição energética precisa se alinhar com o conceito de desenvolvimento sustentável, o que demanda verdadeiro compromisso político. Não pode seguir a mesma lógica exploratória de busca de ganhos individuais ou de grupos de interesse que o conceito se contrapõe, impactando as gerações atuais e futuras.

 

Rodolfo Gomes é diretor-executivo do International Energy Initiative e atua em políticas públicas de eficiência energética e fontes renováveis como instrumentos para o desenvolvimento sustentável.

Tatiane Matheus é jornalista, pesquisadora sobre Justiça Climática e Racismo Ambiental e autora do livro “Vozes femininas pela recuperação econômica verde e inclusiva”.

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