A “diretoria da felicidade” é uma posição que vem surgindo no mercado de trabalho, mas, antes do “sim” ou do “não”, é importante entendermos o que está por trás da tal “felicidade no trabalho”.
A “felicidade” no ambiente de trabalho pode estar relacionada a muitos fatores. Esse sentimento pode surgir quando há a valorização por um trabalho entregue, reconhecimentos durante a vida profissional, celebrações de vitórias e conquistas, eventualmente um aumento salarial. E pode estar relacionada ao simples fato de se estar em um ambiente no qual é possível se expressar sem medo de ser julgado, sem ser desrespeitado, ou seja, pelo simples fato de se estar em um ambiente de trabalho seguro psicologicamente.
A segurança psicológica é um conceito amplamente discutido por Amy Edmondson, psicóloga, PhD em Comportamento Organizacional e professora da Harvard Business School. Ela explica a segurança psicológica como a crença compartilhada por membros de uma equipe de que o time é um ambiente seguro para tomar riscos interpessoais; definindo risco interpessoal como “ambientes permeados pelo medo, em que o ganho em ficar em silêncio é maior do que a perda em se expor.”
Um ponto crucial é: quem faz a felicidade ou infelicidade de um profissional em uma empresa é, em mais de 80% dos casos, a sua liderança direta
Outro conceito que pode trazer insumos para a tal da “felicidade no trabalho” é o conceito de “estado de flow”, definido pelo psicólogo húngaro-americano Mihaly Csikszentmihalyi, que descreve o flow como um estado mental que surge quando uma pessoa realiza uma atividade e se sente totalmente absorvida em uma sensação de energia, prazer e foco total no trabalho que está realizando. O estado de flow traz, justamente, o momento em que o profissional está realizado, exerce plenamente sua função e encontra o seu propósito também na atividade que realiza. Há, portanto, um alinhamento de valores institucionais e pessoais e, por isso, a motivação é tal que seu engajamento com a empresa se torna único. Pode-se dizer que ele está feliz.
Mas ter uma posição responsável por esse “estado” ou por esse “sentimento de satisfação no trabalho” é um tanto utópico.
Primeiro porque não contratamos profissionais, contratamos pessoas com toda a complexidade que um ser humano carrega em si nos diferentes papéis que ocupa na sociedade. Essa pessoa pode estar triste e insatisfeita no ambiente de trabalho e o motivo não estar, necessariamente, relacionado com o trabalho em si, mas com outras questões ligadas a outros âmbitos da vida.
Há muitos anos, a cultura organizacional pauta o clima de uma empresa, seus valores, princípios, sua missão e a forma como todos trabalham para cumprir tal missão e atingir os objetivos de negócio.
A cultura de uma instituição pode impulsionar um ambiente que promove, entre aspas, a “felicidade no trabalho”, ou não. Ela traz guias norteadores, como normas, políticas, diretrizes da forma como os resultados organizacionais devem ser atingidos, considerando as relações humanas, os comportamentos e atitudes e, principalmente, como as lideranças atuam e gerenciam seus times em busca dos resultados esperados de suas áreas.
E este é um ponto crucial: quem faz a felicidade ou infelicidade de um profissional em uma empresa é, em mais de 80% dos casos, a sua liderança direta. E por quê? Porque a liderança direta reflete ou deveria refletir a organização. Essa liderança, a priori, deveria estar alinhada aos valores corporativos. Os trabalhos desenvolvidos pelas áreas de recursos humanos, também conhecida como área de gestão de pessoas, traz, em um dos seus pilares-chave, o desenvolvimento de lideranças em todos os seus níveis hierárquicos, com o propósito de tangibilizar os valores corporativos, a cultura organizacional desejada em atitudes e comportamentos das lideranças em seu dia a dia organizacional, que, por sua vez, cascateiam esse “modus operandi” para suas equipes.
Se essa liderança promove um ambiente saudável, teremos colaboradores “felizes”, mas, se essa liderança é autoritária, desrespeitosa, estabelece metas inatingíveis, não traz diretrizes claras, teremos frustração e desmotivação.
E essa gestão contemporânea precisa incluir, ainda, práticas como a promoção de uma comunicação aberta, como o suporte emocional, a promoção da saúde mental, o respeito às diferenças (sejam elas quais forem), portanto um ambiente inclusivo, pautado por estratégias colaborativas que incentivem a autonomia, o autoconhecimento e o autodesenvolvimento.
E é dessa forma que se constrói uma cultura de confiança e colaboração, preocupada com o bem-estar dos colaboradores, com o respeito às diferenças, com a promoção de uma gestão humanizada.
A felicidade no trabalho, portanto, envolve questões muito mais abrangentes do que, simplesmente, “ser feliz”, e posso afirmar que será impossível termos uma empresa 100% feliz. Aliás, nem seria saudável, afinal de contas as frustrações fazem parte do amadurecimento de todos nós, enquanto indivíduos que se desenvolvem, a partir das interações interpessoais, em meio a uma sociedade altamente complexa.
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Andréa S. Regina é especialista em ESG, atuou nos últimos anos como executiva de Sustentabilidade Corporativa e Diversidade & Inclusão para a América Latina em multinacionais do setor financeiro. Formada em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), especializou-se em Marketing Industrial, Marketing de Varejo pela FGV e pela FIA-USP. Concluiu o curso de Responsabilidade Social e 3º Setor pelo CEATS-USP, reposicionando sua carreira para temas de impacto social e socioambiental há quase 20 anos. Com MBA em Administração pela FGV e especialização em Promoção da Saúde pela Faculdade de Medicina da USP, assumiu em 2021 a direção executiva do Instituto Ame Sua Mente.