Risco, desigualdade e o valor da vida humana na pandemia

Debate

Risco, desigualdade e o valor da vida humana na pandemia
Foto: Ricardo Moraes/Reuters

André Albuquerque Sant'Anna e Carlos Eduardo Frickmann Young


02 de junho de 2020

Diante do risco mortal representado pelo novo coronavírus, como um indivíduo resolve o dilema potencial entre sair para garantir uma renda mínima de sobrevivência ou permanecer em casa para evitar danos à sua saúde e das pessoas de sua família?

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Epidemias não são um risco estritamente “natural” mas, sim e também, a consequência da “modernização”, como poluição e novas doenças induzidas por fatores antrópicos. Como para outros riscos, sua distribuição social não é homogênea ou aleatória, mas influenciada pela estrutura socioeconômica e pelo grau de proteção conferida aos indivíduos. Quanto maior a desigualdade de renda e riqueza, maior é a concentração de riscos nos grupos menos favorecidos. Isso resulta em afastamento e ressentimento, trazendo reações que, inclusive, podem buscar a negação do risco e das respostas sociais a seu enfrentamento.

Sem pretender esgotar o imenso potencial da literatura sobre risco para compreender as consequências sociais da pandemia de covid-19, o presente artigo chama atenção para uma questão: diante desse risco mortal, como um indivíduo resolve o dilema potencial entre sair para garantir uma renda mínima de sobrevivência ou permanecer em casa para evitar danos a sua saúde e das pessoas de sua família?

Um problema similar é tratado pela literatura de valoração ambiental, que busca estimar quanto um indivíduo exige receber para se expor a um risco maior de morte. Denominado “valor estatístico da vida”, esse método não busca estabelecer um valor da vida humana per se, mas entender como um indivíduo racionaliza decisões nas quais aceita correr riscos maiores em troca de uma compensação econômica, o que permite calcular implicitamente o quanto o indivíduo valora o risco de perder a sua própria vida. Um exemplo refere-se a atividades nas quais a possibilidade de óbito é estatisticamente maior, como um mergulhador profissional, mas que têm remuneração superior à que se esperaria para um trabalhador com qualificação e capacidade laboral semelhante.

Com a pandemia do novo coronavírus em curso, o conceito de valor estatístico da vida ajuda a entender porque tantos indivíduos resistem ao isolamento e circulam por áreas com elevada contaminação. É claro que fatores culturais, sociais e políticos também interferem na decisão de sair de casa ou não, mas o valor implícito que o indivíduo atribui a sua própria vida é um componente central na tomada dessa decisão.

Porém, quanto cada indivíduo exige receber para aceitar um risco maior de morte depende de sua renda ou riqueza. Uma pessoa pobre tende a aceitar um risco maior do que um rico em troca da mesma compensação monetária.

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