Um programa que usa neurociência para melhorar o ensino
Letícia Arcoverde
24 de setembro de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h08)Pâmela Billig Mello-Carpes fala sobre o Popneuro, iniciativa da Unipampa que busca aproximar alunos de escolas públicas da universidade e ajudar professores a melhorar seus métodos
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Estudantes de Uruguaiana (RS) durante workshop do programa Popneuro
Aplicar a neurociência ao ensino por meio de visitas a escolas públicas e cursos de formação de professores são os principais objetivos do Popneuro, programa de extensão da Unipampa (Universidade Federal do Pampa) em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul.
Criado em 2013 por membros de um laboratório de pesquisa em neurobiologia da aprendizagem e da memória, o programa começou com o objetivo de aproximar alunos de escolas públicas da universidade. Ao mesmo tempo, os participantes viram que os professores também poderiam se beneficiar se compreendessem melhor técnicas e conceitos da área e pudessem aplicá-los em sala de aula.
“Temos alunos que participaram como estudantes do ensino médio, acabaram se inserindo no laboratório e hoje são alunos da Unipampa”
Em uma década, já são 12 turmas de educação continuada formadas por professores do ensino básico e muitos “neuromitos” derrubados — como a ideia equivocada de que o ser humano usa apenas uma pequena parcela do cérebro.
Nesta série de entrevistas, o Nexo faz cinco perguntas a gestores sobre a origem, o processo e os aprendizados de projetos que são destaque em suas áreas no setor público. Pâmela Billig Mello-Carpes, professora da Unipampa e coordenadora do Popneuro, conta mais sobre a iniciativa.
Pâmela Billig Mello-Carpes A gente começou em 2012, com um projeto individual, chamado na época de “A neurociência vai à escola”, para aproximar a universidade da comunidade. A Universidade Federal do Pampa é uma instituição nova [foi criada em 2008], numa cidade, Uruguaiana, onde a gente não tinha universidade pública, só tinha universidade privada.
No nosso laboratório de pesquisa estudamos a neurobiologia da aprendizagem da memória, fazemos experimentos para tentar entender o que acontece no cérebro quando o cérebro aprende — o que favorece a aprendizagem e o que prejudica?
Achamos que seria uma estratégia interessante falar sobre a neurociência da aprendizagem junto a estudantes de escolas — especialmente públicas — porque era uma forma tanto de aproximar a universidade da sociedade quanto de instrumentalizar esses estudantes para que eles entendam melhor como o cérebro aprende, e a partir desse entendimento pudessem qualificar a sua aprendizagem, tanto a formal e escolar quanto a aprendizagem ao longo da vida.
Nessa aproximação com as escolas, percebemos que os professores das escolas não tinham tido até então quase nenhum contato com a neurociência. Essa é uma realidade não só no Brasil, mas no mundo inteiro. E por outro lado tem bastante neuromito, que são informações equivocadas da neurociência que tão propagadas por aí. Tem muitas coisas que os professores acabam acreditando e utilizando como fundamento para uma determinada prática em sala de aula e que na verdade não se fundamenta na ciência.
Então a gente fez uma edição de um curso de formação de professores em neurociência, trabalhando temas de neurociência da aprendizagem e saúde mental com professores de escolas.
Pâmela Billig Mello-Carpes Com essas duas primeiras iniciativas, que na verdade foram dois projetos isolados — um projeto com estudantes que foi o “A neurociência vai à escola” e um projeto com professores que foi a primeira edição do curso de formação continuada, a gente viu aí um campo muito profícuo, e que era necessária uma intervenção nessa área. Fazia todo sentido que a gente utilizasse esse conhecimento que a gente estava sempre estudando e construindo, na neurobiologia da aprendizagem e da memória, para instrumentalizar esse público e escutar o que aparece na prática, quais são os problemas encontrados no contexto de aprendizagem real.
A partir disso, muitas outras propostas começaram a surgir, e o que eram inicialmente dois projetos isolados se transformaram em um programa de extensão e divulgação científica, que hoje a gente chama de programa Popneuro, composto por uma série de subprojetos.
Todo ano a gente realiza pelo menos uma edição do curso de formação continuada de professores de educação básica em neurociência aplicada à educação. Esse curso deu origem a um outro de especialização com duração de dois anos, que já formou duas turmas de professores de educação básica especialistas em neurociência aplicada à educação.
A gente também continua com o projeto que inicialmente foi chamado de “A neurociência vai à escola”, que a gente passou a chamar de neuroblitz, com intervenções semanais em escolas públicas ao longo de um semestre trabalhando temas como aprendizagem, emoções, saúde mental, os efeitos das drogas sobre o cérebro, neuromitos e por aí vai.
Também começamos um projeto em feiras de ciências das escolas, divulgando a neurociência e começamos a fazer divulgação científica nas redes sociais, para ir um pouco além da escola. Criamos um informativo publicado a cada dois meses, que é a revista Neuroinfo, numa linguagem voltada para a população em geral.
Pâmela Billig Mello-Carpes O programa Popneuro está completando dez anos de existência. Nós já fizemos 12 edições do curso de formação continuada, cada edição com aproximadamente 40 a 60 professores participando. Tivemos duas turmas do curso de especialistas, e hoje a gente vê também esses especialistas contribuindo conosco ou com a formação de seus colegas no contexto escolar. Temos alunos que participaram como estudantes do ensino médio, acabaram se inserindo no laboratório e hoje são alunos da Unipampa. São resultados muito significativos.
Sempre avaliamos nossas ações em relação à percepção dos participantes. Temos tido uma avaliação sempre positiva. O público gosta muito das atividades que esclarecem dúvidas.
Quando falamos em resultados não dá para deixar de comentar também os resultados de quem está envolvido com esse projeto. A nossa equipe é formada principalmente por estudantes de pós-graduação e de graduação da Universidade Federal do Pampa do campus Uruguaiana, dos mais variados cursos, que estão sempre trabalhando, estudando, preparando planos de atividades, executando as atividades e produzindo materiais. Sem dúvida isso também traz um impacto muito grande na formação desses futuros profissionais.
Pâmela Billig Mello-Carpes Já tivemos períodos de muito financiamento para o projeto. Logo nos primeiros anos, o Ministério da Educação tinha um programa chamado ProExt MEC, que era um programa de fomento à extensão que financiava bolsas e compra de equipamentos e materiais. Chegamos a ter 20 bolsistas. Com o tempo, houve perda de recursos, o ProExt MEC não existe mais. Outro programa que nos financiava lá no início, o Novos Talentos, da Capes, para ações junto a professores e estudantes da educação básica, também foi descontinuado.
Basicamente o Popneuro nos últimos anos conseguiu se manter com poucas bolsas de extensão financiadas pela própria universidade. Alunos estão trabalhando agora como voluntários, e isso é ruim, obviamente. A gente tem hoje apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que é um recurso específico para comprar materiais para as atividades.
Sem dúvida o principal desafio é pensar em como se sustentar enquanto o programa de extensão está sem um financiamento condizente com a grandiosidade das atividades que a gente pensa em fazer. É uma limitação porque às vezes a gente tem ideias muito boas e não consegue executar, como divulgar mais o programa em eventos nacionais para que essa iniciativa possa ser reproduzível em outros espaços, e às vezes a gente não tem como sair de Uruguaiana.
Pâmela Billig Mello-Carpes Não sei se eu faria alguma coisa diferente. Acho que as coisas foram acontecendo no seu devido tempo e crescendo, e um projeto foi gerando o outro, e quando a gente tinha como fazer, a gente foi fazendo mais. Hoje podemos ter ainda mais iniciativas. Se tivéssemos mais recursos, tanto humano quanto financeiro, conseguiríamos crescer ainda mais. No Brasil, temos outras iniciativas nesse sentido, e é importante ter financiamento para que essas iniciativas possam crescer e possam ser reprodutíveis.
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