Entrevista

‘Globo de Ouro alavanca Fernanda Torres para o Oscar’

Giovanna Castro

06 de janeiro de 2025(atualizado 07/01/2025 às 17h38)

Segundo crítica Barbara Demerov, desafio de filmes como ‘Ainda estou aqui’ é ser visto nos EUA. Nesta entrevista, ela fala das chances da atriz e do longa de Walter Salles na principal premiação de Hollywood

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FOTO: Reprodução/IMDbCena de "Ainda estou aqui" (2024), com a atriz Fernanda Torres em um carro

Cena de “Ainda estou aqui” (2024)

No domingo (5), Fernanda Torres foi a primeira brasileira a conquistar o prêmio de Melhor Atriz em um filme de drama no Globo de Ouro. A vitória se deu por sua atuação em “Ainda estou aqui”, de Walter Salles.

O longa terminou 2024 na quinta posição entre as maiores bilheterias nacionais. Desde sua estreia, em 7 de novembro, o filme havia arrecadado R$ 62,7 milhões, de acordo com a ComScore, empresa que oferece análises de audiência. 

O Globo de Ouro é considerado um “termômetro” para o Oscar, principal premiação de Hollywood, que em 2025 ocorre em 2 de março. A lista oficial de indicados será divulgada em 17 de janeiro.

O Nexo conversou com Barbara Demerov, jornalista, crítica e integrante do corpo de jurados do Globo de Ouro sobre o que significa a vitória de Torres e as chances do Brasil no Oscar. 

O que o Globo de Ouro de Fernanda Torres significa, na prática, para o cinema brasileiro?

Barbara Demerov Para o cinema brasileiro, isso é um grande feito. Há 25 anos, a gente teve a primeira brasileira indicada na mesma categoria, a mãe dela, Fernanda Montenegro, e ela não ganhou. Desde então, nessa categoria de atriz de drama, que é uma das mais cotadas e chamativas da premiação, não tivemos nenhum ator ou atriz brasileiro que chegou ao Globo de Ouro.

Passar da chamada shortlist [a lista de pré-indicados] é muito difícil. É muito simbólico para o Brasil ter a filha da Fernanda Montenegro vencendo na mesma categoria que a mãe foi indicada 25 anos atrás. 

“Ainda estou aqui” já foi visto por mais de 3 milhões de pessoas, e esse número ainda vai aumentar, porque muito provavelmente mais pessoas vão ver que a Vani [personagem interpretada por Torres na série de TV “Os normais”] ganhou o Globo de Ouro e vão ver por causa dela, mesmo não sabendo quem é Walter Salles e sobre o que é o filme, baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva. 

Eu acho que aumenta o alcance do filme, sai das bolhas de quem trabalha ou estuda cinema ou está ali na indústria cinematográfica. 

Para o Brasil, também é muito bom para a temporada de premiações. Apesar da Fernanda Torres não estar pré-indicada ao Bafta [British Academy Film Awards, ou Prêmios da Academia Britânica de Cinema], e talvez não seja indicada ao SAG [Screen Actors Guild, ou Sindicato dos atores], podemos talvez vê-la indicada ao Oscar, porque isso alavanca o filme e a pessoa, apesar de Oscar e Globo de Ouro não terem o mesmo corpo votante. 

Para o Brasil é muito positivo, e muito emocionante também. Vemos o Brasil sempre tentando emplacar com o filme internacional e agora vemos que tem uma chance real de indicação ao Oscar.

O Globo de Ouro praticamente coloca Fernanda Torres no Oscar?

Barbara Demerov É muito difícil ter certeza. São muitas atrizes que podem ser indicadas, como Demi Moore, Angelina Jolie, Nicole Kidman, Karla Sofía Gascón, Mikey Madison, Tilda Swinton, Julianne Moore, Kate Winslet e Cynthia Erivo, de “Wicked”. São só cinco mulheres escolhidas. É muito nichado, e são muitos votantes.

O Oscar é um prêmio que pulveriza demais, porque são várias categorias ali. A Academia [do Oscar] tem cerca de 10 mil votantes. Desses, os atores só votam em outros atores. 

[ESTAVA ERRADO: Na versão original deste texto, a entrevistada dizia que a Academia tinha de 12 mil a 13 mil votantes e que metade deles eram atores. Na verdade, são cerca de 10 mil votantes, dos quais não necessariamente a metade é composta por atores. A informação foi corrigida às 11h30 de 7 de janeiro de 2025.] 

Mas nada mais é impossível. Sinceramente, acho que a chance é de 50% para a Fernanda ser indicada ao Oscar.

O que a conquista diz sobre a capacidade de articulação da produção do filme junto à organização? O que faz um filme ser bem-sucedido em premiações internacionais?

Barbara Demerov Quando estamos falando de uma campanha cinematográfica, especialmente de uma premiação grande de Hollywood, o dinheiro é importante. 

Nos últimos meses, Walter Salles e a Sony Pictures ajudaram a alavancar a campanha de “Ainda estou aqui”. Está tendo muito movimento de fazer o filme ser visto. Isso já foi bem sucedido, porque Fernanda Torres ganhou, sendo votada por jornalistas internacionais no Globo de Ouro. 

O lobby é muito importante, não é o que as pessoas imaginam de dar presentes, mas é simplesmente fazer o filme ser visto, com os atores dando entrevistas, falando com os veículos internacionais. 

É muito importante você ter uma campanha bem sucedida, com o apoio da produtora e dos produtores. O próprio Walter Salles já é uma figura conhecida em Hollywood. Ele já fez vários filmes aclamados, como “Central do Brasil” e “Diários de motocicleta”. 

Acho que tudo está caminhando para continuar tendo uma campanha linda e respeitosa. Mantendo como está hoje, a gente tem boas chances, porque a mídia, nacional e internacional, também está ao nosso favor.

O que levou ‘Ainda estou aqui’ a ser preterido por ‘Emília Pérez’ na categoria de Melhor Filme Estrangeiro do Globo de Ouro?

Barbara Demerov “Emília Pérez” é um musical, um filme que agrada a boa parte do público. O filme tem duas atrizes americanas famosas, que são Selena Gomez e Zoe Saldaña. É um filme sobre transformação pessoal, sobre a história de um país. A história do filme é de superação, apesar de ser uma história ficcional, e tem números musicais ótimos. 

Acho que precisamos estar preparados para uma possível vitória de “Emilia Pérez” em Melhor Filme Internacional no Oscar. No Globo de Ouro, ganhou não só como filme internacional, mas como filme de comédia. Desbancou “Anora”, que era um dos favoritos, e “A substância”. Mostrou que o favoritismo está forte.

Tenho quase certeza de que os votantes do Oscar já viram “Emilia Pérez” e estão gostando do filme. Ele também tem uma gigante do streaming por trás da produção, que é a Netflix, que está bancando a campanha. 

São filmes diferentes, de públicos diferentes. “Ainda estou aqui” é um filme mais minimalista, sobre um fato real, a ditadura militar no Brasil, enquanto “Emilia Pérez” é um filme mais lúdico, digamos assim, porque ele trabalha de forma um pouco imaginativa questões sérias, como o cartel mexicano e a mudança de sexo. 

Tem tudo para caminhar e continuar sendo comentado. E, fora isso, tem a Karla Sofía Gascón, que é uma mulher trans que talvez também figure na categoria de melhor atriz.

Acho bem provável que “Emilia Pérez” leve o prêmio de Melhor Filme Internacional no Oscar. Querendo ou não, os votantes do Globo de Ouro gostaram do filme. Vários mexicanos falaram que não gostaram do filme, mas, com certeza, alguns gostaram.

Como o cinema brasileiro é visto pela indústria americana?

Barbara Demerov É um cinema que tem menos apoio, digamos assim, do que o cinema europeu. Não sei dizer exatamente como eles veem o cinema brasileiro, porque acho que nós não somos muito vistos lá fora. O circuito é um pouco limitado. Poucos filmes atravessam o Brasil. 

Mas, nomes como Walter Salles, Fernando Meirelles e Petra Costa, que chegaram ao Oscar, são conhecidos. As pessoas sabem que o Brasil é um país plural, com várias obras e cinematografias. 

Mas eu acho que [o reconhecimento ao cinema brasileiro] ainda é um pouco raro. Um exemplo é o fato da Fernanda Torres ter repetido o feito da mãe 25 anos depois. Não teve nenhuma atriz nesse meio tempo, ou ator, que conseguiu alcançar uma atenção desse tamanho. 

Acho que não é todo mundo que se interessa e assiste aos nossos filmes, porque ainda é muito nichado. Assistimos tudo de fora, a gente consome demais o cinema americano, mas o contrário não acontece ainda. E eu acho que é muito difícil começar a acontecer. 

Talvez esse ano melhore, por conta de “Ainda estou aqui”. Porque temos um cinema muito maravilhoso e muito plural aqui no Brasil, mas é difícil levar para fora, para uma grande massa. 

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