















20 características de nosso tempo que o ano de 2020 escancarou
Da Redação 30 de dez de 2020
Crise de escala sem precedentes, a pandemia do novo coronavírus fez de 2020 um período atípico e marcado por ineditismos. Mas o ano que termina também exacerbou aspectos e problemas que já se desenhavam no Brasil e no mundo. Abaixo, o Nexo lista 20 questões que se impuseram, desafios que se acentuaram e soluções que se consolidaram
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Foto: Diego Vara/Reuters/Tim Wimborne/Getty Images

O despreparo para uma ameaça sanitária que a ciência previu
A pandemia do novo coronavírus foi declarada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em 11 de março de 2020, cerca de três meses depois do primeiro registro de infecção na China por um vírus desconhecido, que depois recebeu o nome de Sars-CoV-2, causador da covid-19. Mas ela foi antecedida por anos de alertas de cientistas.
Um ano depois da descoberta do vírus, mais de 1,7 milhão de pessoas morreram pelo mundo, que acumula mais de 80 milhões de infecções e forte pressão sobre os sistemas de saúde, muitos dos quais encerram 2020 enfrentando uma segunda onda de contágio. Uma crise sanitária, econômica e social sem precedentes nesta geração.
Por anos antes de 2020, especialistas diziam que um evento como a gripe espanhola de 1918 não demoraria a acontecer no século 21. A questão não era se haveria uma próxima pandemia, mas quando ela viria.
Apesar dos avisos, a maior parte dos países não estava preparada para a sua chegada. Estudos anteriores a 2020 alertavam que a segurança sanitária global era fraca e que governos estavam deixando de investir em seus sistemas de saúde para resistir a eventos do tipo. Nos EUA, maior potência mundial, o presidente Donald Trump desfez o aparato de preparação para epidemias em 2018.
A pandemia expôs também os riscos da degradação ambiental. Estudos apontam que a covid-19 é uma zoonose, doença transmitida por animais, provavelmente com origem em morcegos. São infecções que surgem de atividades predatórias, como o desmatamento e a caça, que forçam o contato de humanos com espécies que podem carregar novos vírus.
Quem alertava para o risco de uma pandemia usava como exemplo zoonoses conhecidas, como a dengue, a aids e o ebola. Em 2020, cientistas afirmam que, se a relação com a natureza não mudar, é provável que a crise da covid-19 não seja a única deste século.
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Foto: Sariana Fernández/Nexo Jornal - 08.DEZ.2020

A precariedade do mercado de trabalho cada vez mais exposta
O aumento da informalidade do trabalho é um fenômeno antigo no Brasil e crescente em vários países, ilustrado pelo avanço do mercado de aplicativos de transporte e entrega. Em 2020, a pandemia do novo coronavírus agravou a situação.
Com menos pessoas e dinheiro circulando pelas ruas, muitas empresas fecharam as portas ou demitiram funcionários, formais e informais. Considerados essenciais na pandemia, trabalhadores de apps chegaram a fazer greve no Brasil por melhores condições de trabalho.
De empregados sem registro na carteira a pessoas que trabalham por conta própria sem CNPJ, o trabalho informal já estava em alta no Brasil antes da pandemia. Após a recessão de 2014 a 2016 – da qual o país ainda não havia se recuperado antes da crise sanitária –, a criação de empregos se deu majoritariamente pela via da informalidade. Ao final de 2019, 40% dos empregos do país – mais de 38 milhões de pessoas – eram informais. Desses, quase metade trabalhava por conta própria.
A pandemia escancarou a vulnerabilidade do trabalho informal e a fragilidade do mercado de trabalho. Nos primeiros seis meses de crise sanitária, 12 milhões de brasileiros perderam o emprego. Entre eles, seis a cada dez eram trabalhadores informais. A desigualdade de renda do trabalho no Brasil cresceu a níveis historicamente altos em 2020.
O auxílio emergencial do governo amparou muitas dessas pessoas na pandemia e ajudou a conter, em parte, uma taxa de desocupação que terminou o ano batendo recorde. Com o fim do pagamento do benefício em 2021, a tendência é que o desemprego dê um salto.
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Foto: Nacho Doce/Reuters/Tânia Rêgo/Agência Brasil

A desigualdade na educação mostrada por escolas fechadas
O risco de contágio do novo coronavírus fez governos fecharem escolas em todo o mundo. Cerca de 1,5 bilhão de estudantes de mais de 160 países foram afetados pela interrupção das aulas presenciais. Mas fatores sociais e econômicos tornaram o impacto desse cenário desigual.
A covid-19 chegou ao Brasil em fevereiro, e levou ao fechamento de escolas no mês seguinte. Cerca de 48 milhões de estudantes, 81% deles matriculados na rede pública, tiveram que ficar em casa. Enquanto alunos de escolas particulares continuaram a assistir a aulas de forma remota, a desigualdade de acesso à internet deixou grande parte dos estudantes do país sem conseguir acompanhar o conteúdo oferecido a distância.
A suspensão das aulas tem impacto no aprendizado e, no caso de alunos mais pobres, até na alimentação a que têm acesso. Entre jovens, há o risco de a evasão escolar aumentar. A tendência é que a indefinição da retomada — que acontece de forma desigual entre as redes pública e privada, e em diferentes estados brasileiros — se estenda por 2021.
Grupos de pais e médicos passaram a cobrar os governos pela volta das atividades presenciais, usando como exemplo a Europa, que manteve escolas abertas mesmo durante a segunda onda de covid-19. Muitos pesquisadores criticam a ideia. O Censo Escolar de 2018 mostrou que, de 182 mil escolas da educação básica no Brasil, 16% não têm banheiro dentro do prédio, 26% não contam com acesso à água encanada e 49% não estão ligadas à rede de esgoto, o que dificulta a adoção de medidas de prevenção ao vírus.
Para tentar reduzir as desigualdades, o Congresso tornou permanente em agosto o Fundeb, principal mecanismo de financiamento da educação básica, elevando de 10% para 23% a contribuição da União. A medida foi considerada um passo inicial importante na melhora do ensino no país.
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Foto: Sariana Fernández/Nexo Jornal - 11.DEZ.2020

A fragilidade da economia diante de uma nova recessão
Em 2019, a economia mundial dava sinais de desaceleração. Mas os temores de uma recessão global se concretizaram em 2020 por um fator que não era previsto: a pandemia do novo coronavírus. Com a necessidade de restringir a circulação de pessoas para reduzir o contágio, vários países registraram grandes quedas na atividade.
No Brasil, o cenário tinha um agravante: a economia ainda não havia se recuperado totalmente da recessão de 2014 a 2016. Entre 2017 e 2019, foram três anos de crescimento baixo, incapazes de compensar o recuo registrado em meados da década de 2010.
A pandemia forçou o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, a abandonarem a agenda de redução de gastos defendida desde a campanha eleitoral de 2018. No início da crise, houve relutância em elevar as despesas – o foco das primeiras medidas foi aumentar a liquidez da economia. Mas o governo acabou cedendo diante dos impactos da nova crise, em especial com a exposição da vulnerabilidade do mercado de trabalho.
No final de março, o Congresso Nacional articulou o auxílio emergencial de R$ 600, principal política pública de amparo à população atingida pela crise. Por conta do auxílio, milhões de brasileiros saíram temporariamente da pobreza. Ao garantir um certo nível de consumo, o benefício impediu que o impacto da pandemia sobre a economia fosse ainda maior. A popularidade de Bolsonaro também cresceu consideravelmente. O benefício teve seu valor mensal reduzido para R$ 300 em setembro – o governo considerou que manter o valor original seria muito pesado para os cofres públicos – e está marcado para se encerrar em 31 de dezembro de 2020.
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Foto: Diego Vara/Andrew Kelly/Reuters

A violência e o racismo estrutural, nítidos e contestados
No mesmo ano em que a pandemia expôs ainda mais as desigualdades sociais e raciais, a violência continuou a fazer vítimas entre a população negra. Esse quadro, porém, passou a ser contraposto por reações cada vez mais assertivas, coordenadas e reverberadas pelo mundo.
No Brasil, a população negra foi o único grupo em que o número de óbitos pela covid-19 superou o de hospitalizações. O desemprego recorde em meio à crise atinge pretos e pardos de forma mais intensa do que brancos.
Nomes como os de Emily Victória Silva dos Santos, 7 anos, Rebeca Beatriz Rodrigues dos Santos, 4 anos, e João Pedro Matos, 14 anos, serão lembrados como vítimas de uma política de segurança pública falha e excludente no Rio de Janeiro. Enquanto em Recife a herança escravista que ainda dita relações sociais apareceu na tragédia que tirou a vida de Miguel Otávio Santana da Silva, 5 anos.
João Alberto Silveira Freitas foi espancado até a morte por dois seguranças em um supermercado em Porto Alegre, na véspera do Dia da Consciência Negra. A reação apareceu nas ruas, e na clareza com que o racismo estrutural foi denunciado.
As manifestações de luta e resistência ocorreram dentro e fora do Brasil. Protestos contra o racismo tomaram as ruas das principais cidades do mundo após o americano George Floyd ser morto pela polícia em Minneapolis, nos EUA, meses antes da eleição presidencial que derrotou Donald Trump. O episódio reforçou o movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam) iniciado ainda em 2013.
As reações são resultado de décadas de trabalho de movimentos organizados, num esforço que envolve também a busca por maior visibilidade do pensamento negro no debate público, assim como a inclusão via iniciativas empresariais e políticas.
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Foto: Sariana Fernández/Pixabay-Nappy

A vida pelas telas: de constantes a imprescindíveis
Se a década de 2010 consolidou a presença das telas no nosso cotidiano, o ano de 2020 e as imposições da pandemia tornaram esses dispositivos indispensáveis.
Trabalhadores de escritórios do mundo todo tiveram de se adaptar ao home office, saída encontrada pelas empresas para manter suas atividades e preservar a saúde dos funcionários. Estudantes de várias idades passaram a assistir a aulas a distância, um modelo de ensino que, de acordo com especialistas, pode trazer impactos futuros para os alunos, além de acentuar as desigualdades no Brasil.
Até mesmo a vida social teve que migrar para o ambiente digital. Encontros com amigos acharam seus espaços no mundo online, com plataformas que prometiam levar para as telas experiências próximas da vida pré-pandêmica. Foi online que muita gente achou informação, contato e diversão num período em que atividades de lazer como cinemas e shows deixaram de ser opção.
Houve aumento significativo no tráfego que passa pela infraestrutura da internet no Brasil. E também a consolidação ainda maior das redes sociais como um espaço de debates de toda natureza – da difusão de memes sobre o isolamento social aos “fiscais de quarentena”, que se manifestavam contra quem retomava à normalidade. Muitas vezes propagada por governantes, mas catapultada pelas redes, a desinformação sobre o novo coronavírus atrapalhou o combate à pandemia e colocou em risco a população.
A internet também teve destaque na política mundial. Grandes empresas de tecnologia foram contestadas na Justiça americana de forma inédita. O presidente americano Donald Trump abriu uma disputa contra a rede social chinesa TikTok, que se consolidou em 2020 como um fenômeno entre jovens. E a expansão global da rede 5G fez países se posicionarem num embate geopolítico entre EUA e China.
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Foto: Sariana Fernández/Nexo Jornal

A incerteza como regra quando o futuro é mais nebuloso
A viagem adiada, o emprego sob risco, o negócio próprio sem receita, a escola sob dúvida, a possibilidade de trazer um vírus para casa cada vez que se vai ao supermercado. São situações da pandemia que criaram uma rotina formada por incertezas.
A incerteza já era um fator definidor da década de 2010 – uma sensação alimentada por dificuldades econômicas, divisões políticas, aceleração tecnológica e problemas ambientais. Intensificou-se a ausência de fixidez nos diversos aspectos da vida, algo que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman definiu como sendo a marca de um “mundo líquido”. Até a tradicional âncora dos fatos e da verdade se soltou, à medida que a desinformação ganhou terreno.
Na crise sanitária, o futuro ficou em aberto. Tradicionais pilares de certeza, como governos, médicos e cientistas, tentam entender o que acontece quase ao mesmo tempo em que a população.
Setores econômicos e sociais ficaram à mercê da sorte. Cinco milhões de postos de trabalho foram embora entre o fim de janeiro e o fim de abril no Brasil. Quase metade dos trabalhadores da cultura perdeu 100% da sua receita entre maio e julho no país. Cerca de 38 milhões de brasileiros, os chamados “invisíveis”, terão que enfrentar um futuro incerto quando o auxílio emergencial for interrompido.
O tempo nos pregou peças, parecendo ora arrastado, ora rápido demais. A antropóloga americana Jane Guyer caracterizou nossa vivência de tempo durante a crise sanitária de “presentismo forçado”: a sensação de estar preso no presente, combinada com a incapacidade de planejar o futuro.
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Foto: Nacho Doce/Ueslei Marcelino/Reuters / Sariana Fernández/Nexo

A devastação do meio ambiente e a pressão por mudanças
Antes do surgimento do novo coronavírus, cientistas passaram anos alertando para os riscos de uma pandemia viral com profundos efeitos sanitários, sociais e econômicos. O mesmo acontece com a crise climática e ambiental, que se agravou em 2020, e cujas práticas predatórias têm relação direta com a emergência desse e de futuros novos vírus.
Os incêndios florestais registrados em lugares como a costa oeste americana e o Pantanal brasileiro foram os maiores em quase duas décadas. O bioma nacional quebrou recordes de focos de fogo, que consumiram 29% da sua cobertura e afetou a vida silvestre. No sul do país, os Pampas também atingiram números inéditos de área queimada.
A Amazônia registrou, entre agosto de 2019 e julho de 2020, a taxa de desmatamento mais alta dos últimos 12 anos. A derrubada da cobertura vegetal seguida por fogo cresceu em terras indígenas, num contexto de avanço de garimpeiros, grileiros e madeireiros. Os invasores se beneficiaram da precarização de órgãos ambientais e indigenistas durante a pandemia de novo coronavírus, e levaram a doença para dentro desses territórios.
Em 2020, as pressões sobre o governo de Jair Bolsonaro por ações contra a devastação ambiental se acentuaram, e vieram de blocos de países, investidores e ex-ministros da área econômica. Em 2021, com a vitória de Joe Biden para a presidência dos EUA, poderão vir também do governo americano.
Enquanto o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendia flexibilizar regras ambientais, o governo federal criou o Conselho Nacional da Amazônia, chefiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Mas a “boiada” de um governo que nega a emergência climática continuou a passar, com a flexibilização da fiscalização, a militarização de órgão ambientais, a paralisação da cobrança de multas ambientais e a diminuição de operações de campo.
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Foto: Adriano Machado e Dado Ruvic/Sariana Fernández/Reuters/Nexo

O anticientificismo explícito como estratégia de governo
De grupos que ignoram evidências para se opor a vacinas à crença infundada de que a Terra seria plana, movimentos que negam a ciência ganharam espaço no debate público ao longo da década de 2010. A chegada da pandemia explicitou como esse discurso pode ser instrumentalizado por políticos.
Com uma crise sanitária sem precedentes pressionando a economia, alguns líderes mundiais — no geral eleitos na ascensão de uma extrema direita conhecida por atacar o conhecimento científico e universidades — adotaram como estratégia negar a gravidade do novo coronavírus.
Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump chegou a dizer que a crise “simplesmente desapareceria” em algum momento. No Brasil, a gestão do presidente Jair Bolsonaro, admirador de Trump, foi ditada pelo negacionismo e pelo anticientificismo: ele se referiu à covid como “gripezinha” e chamou a preocupação com o vírus de “histeria”. Os dois países terminam 2020 com os dois maiores números de mortes pela doença no mundo.
O governo federal brasileiro atuou para sabotar medidas de distanciamento e isolamento social adotadas por estados e municípios, consideradas a melhor maneira de barrar a doença na ausência de remédios e vacinas. Dois médicos que comandavam o Ministério da Saúde foram substituídos, e a pasta passou a ter a sua frente um general que admitiu em entrevista não saber o que era o SUS (Sistema Único de Saúde).
Atenção tardia para um serviço público que se mostrou essencial na pandemia e é cada vez mais valorizado pela população – a confiança dos brasileiros no SUS teve crescimento recorde em 2020, enquanto caiu a depositada no presidente da República.
Até dezembro, Bolsonaro ainda tinha como principal bandeira a aposta na hidroxicloroquina, um remédio para malária que estudos mostraram não ter efeitos contra o coronavírus. Também dava declarações desincentivando a vacinação, num contexto em que grupos antivacina aumentam sua atuação e mais brasileiros declaram não ter intenção de se imunizar contra a covid-19.
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Foto: Leon Kuegeler/Reprodução/Reuters/Nexo

A área cultural paralisada e sob reinvenção
Mudanças no comando da área de cultura no governo, a paralisação da agência federal que fomenta a produção de filmes, uma atitude movida pela “guerra cultural” incensada pela extrema direita. Já presente em anos anteriores, a instabilidade da produção cultural brasileira foi agravada pela situação imposta por 2020.
Em todo o mundo, salas de espetáculos, teatros, museus, cinemas e outros estabelecimentos foram fechados para evitar o contágio do novo coronavírus. O setor cultural foi o primeiro a parar de trabalhar por causa da pandemia, e a expectativa é de que seja o último a voltar.
Três nomes passaram pela Secretaria Especial de Cultura do governo de Jair Bolsonaro, num troca-troca que teve início com a exoneração de Roberto Alvim após um discurso com referências nazistas. O cargo recebeu os atores Regina Duarte, que ficou dois meses e meio na função, e Mário Frias. Apesar do vaivém, foi a inação que marcou a gestão do governo federal na cultura, num ano em que o setor foi um dos mais atingidos pela crise. Metade dos agentes culturais no Brasil perderam a totalidade de suas receitas.
Artistas e instituições buscaram financiamentos alternativos e tiveram que reinventar os espaços culturais. Lives de música e de teatro se transformaram em grandes eventos patrocinados, com milhares de espectadores e arrecadação beneficente. A cantora Marília Mendonça quebrou o recorde mundial em abril, quando 3,2 milhões de pessoas assistiram simultaneamente ao seu show.
Foi também o ano dos festivais de cinema e de literatura em formato online, dos acervos digitalizados de museus e da ressurreição dos cinemas drive-in.
A inércia da Secretaria Especial da Cultura fez com que deputados da oposição apresentassem projeto de socorro à classe. Em junho, três meses após a paralisação completa, o Senado aprovou a Lei Aldir Blanc, que destinou R$ 3 bilhões para acudir o setor cultural. Os recursos ainda estão sendo liberados.
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Foto: Sariana Fernández/Reuters/Nexo

O conhecimento científico e as evidências como solução
No ano em que uma ameaça biológica transformou o mundo, a ciência ganhou protagonismo como saída necessária para a crise global. Apesar da intensificação dos discursos anticientíficos por parte de quem já desacreditava pesquisadores, a produção científica recebeu um reconhecimento renovado e mais amplo na sociedade.
Na pandemia, pessoas que não tinham muita noção de como a ciência funciona viram a importância do método científico e acompanharam de perto as etapas do desenvolvimento de uma vacina, dos testes à regulamentação. Os resultados obtidos em tempo recorde só vieram onde já havia uma base consolidada de conhecimento, nem sempre valorizada da forma devida.
Epidemiologistas, infectologistas e outros profissionais da medicina viraram presença constante na mídia, popularizando medidas de prevenção ao vírus, como o isolamento social. Alguns cientistas se tornaram quase celebridades. Com a exposição, vieram ataques, teorias conspiratórias e negacionismo chancelado pelo alto escalão de governos.
Frequentemente antagonizado por governos como os de Donald Trump, nos EUA, e de Jair Bolsonaro, no Brasil, o jornalismo reforçou sua importância ao levar à população informações e dados da pandemia, tanto no lugar dos canais oficiais quanto a despeito da desinformação espalhada por eles.
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Foto: Mahe Elipe/Reuters/Bruna Prato/Getty Images

Vulnerabilidade e sobrecarga: o impacto sobre as mulheres
A pandemia teve impactos desiguais sobre diferentes grupos da população e reforçou discrepâncias já existentes. A imposição do trabalho remoto e o fechamento das escolas deixou mulheres ainda mais sobrecarregadas para dar conta de atividades domésticas e do cuidado não remunerado.
Aderir à jornada dupla ou tripla, contando com pouca ou nenhuma ajuda, aprofundou os efeitos da crise sanitária. A participação feminina no mercado de trabalho no Brasil ficou em 46,3% no segundo trimestre de 2020, a menor em 30 anos, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A pandemia também expôs mais pessoas à violência doméstica. Organizações de defesa de direitos das mulheres consideram a casa o ambiente de maior risco para a população feminina. Com o isolamento social, cresceram no Brasil e no mundo os índices de agressão, estupros e feminicídios.
Na política, houve um pequeno aumento no número de candidatas e eleitas nas eleições municipais, mas apenas 12,2% das prefeituras devem ser assumidas por mulheres em 2021. De 26 capitais em disputa, somente Palmas elegeu uma prefeita.
Mesmo que primeiras-ministras e chefes de governo tenham ganhado destaque em alguns países por suas ações na pandemia, 2020 mostrou que o avanço na igualdade de gênero é lento e, em tempos de crise, pode recuar.
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Foto: Guilherme Falcão/Nexo Jornal

A saúde mental minada pela exaustão, ansiedade e solidão
Ansiedade, depressão, estresse, solidão, cansaço, burnout. A prevalência de problemas como esses na população mundial é às vezes descrita como epidemias dos tempos atuais. Em 2020, diante dos enormes efeitos sanitários, sociais e econômicos da pandemia, essas ameaças à saúde mental se mostraram ainda mais urgentes.
À preocupação com a própria saúde física e de pessoas próximas se somou a insegurança financeira e a falta de convívio social. Sintomas como dificuldade para dormir e se concentrar e o esgotamento físico e psíquico foram alguns dos mais recorrentes em meio às muitas crises causadas pela covid-19. Médicos e enfermeiros lidaram com a sobrecarga em meio ao colapso de sistemas de saúde, enquanto outros trabalhadores essenciais se arriscaram nas ruas em situação precária.
Mais pessoas passaram a trabalhar de casa, o que para muitos significou um obscurecimento das fronteiras entre o emprego e os períodos de lazer e descanso. Famílias precisaram adaptar suas rotinas para prestar maiores cuidados e dar aulas aos filhos. Com o fechamento das escolas, as restrições do isolamento social também afetaram a saúde mental de crianças e adolescentes em idade escolar.
A pandemia escancarou a necessidade de um olhar mais atento às questões de ordem psicológica, em especial no Brasil, onde as desigualdades socioeconômicas produzem uma assimetria no acesso aos serviços de cuidado com a saúde mental.
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Foto: Reprodução/União Amazônia Viva/Redes da Maré/Sariana Fernández/Nexo

Entre dificuldades acentuadas, a força da solidariedade
Durante a pandemia, problemas históricos como a desigualdade social, o baixo financiamento a instituições científicas e os vácuos na implementação de políticas públicas foram evidenciados pela emergência sanitária e seus efeitos. Uma das respostas a esse cenário foi a mobilização da sociedade civil, algo que atingiu uma dimensão inédita no Brasil.
No início da crise sanitária, entre março e maio, o país viveu um boom da filantropia, capitaneado por campanhas de arrecadação, lives beneficentes de artistas e, sobretudo, doações de grupos empresariais. Em dois meses, foram mais de R$ 5 bilhões arrecadados para fundos e instituições.
ONGs atuantes nas mais diversas áreas e regiões do país, assim como organizações de base, foram fundamentais no diagnóstico das prioridades e na realização das ações para garantir que a ajuda chegasse até quem precisava dela. O apoio se materializou de formas mais conhecidas, como a entrega de cestas básicas a famílias carentes, e outras menos difundidas, como a criação de fundos para pesquisas científicas.
Entre maio e agosto, o volume doado mensalmente diminuiu, mas houve um salto no número de pessoas doadoras. Empresas também criaram ou expandiram seus programas internos de apoio ao voluntariado.
Até 2019, o Brasil sempre aparecia na metade mais baixa dos rankings que analisam a força da filantropia em cada país. Agora, marcas e famosos prometem que o engajamento não foi pontual.
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FOTO: AMANDA PEROBELLI E JOSHUA ROBERTS/SARIANA FERNÁNDEZ/REUTERS/NEXO

Representatividade nas eleições: entre tentativas e avanços
A baixa presença de mulheres e pessoas não-brancas em cargos políticos é uma realidade em diversos países do mundo. O crescimento de movimentos feministas, antirracistas e LGBTI, no entanto, tem reforçado a pauta no debate político e produzido avanços, mesmo que tímidos, em termos de representatividade.
No Brasil, mudanças recentes na legislação tentam reverter esse cenário, com a criação de cotas para candidaturas e regras de financiamento para equiparar as chances de disputa. Em 2020, o Judiciário obrigou partidos a distribuírem verbas e tempo de TV e rádio de forma proporcional a negros e não-negros.
As urnas registraram um pequeno avanço em relação a 2016. O número de mulheres e de pessoas autodeclaradas negras ou pardas em prefeituras aumentou, mas ainda não representa o retrato populacional do país. Nas capitais, o predomínio entre os eleitos ainda é de homens brancos.
Nas Câmaras Municipais, vitórias simbólicas evidenciaram a baixa representatividade histórica. O número de mulheres não-brancas eleitas para Legislativos locais subiu 23%. Curitiba elegeu a primeira mulher negra como vereadora, Carol Dartora (PT). Belo Horizonte, a primeira mulher trans, com Duda Salabert (PDT), que teve a maior votação da cidade. Em todo o Brasil, 30 candidaturas trans obtiveram vitória, um número quatro vezes maior que em 2016.
A discussão sobre representatividade também foi central nos EUA, onde Kamala Harris foi candidata à vice-presidente na chapa vitoriosa de Joe Biden. Mulher negra e filha de imigrantes, Harris foi peça fundamental na campanha do Partido Democrata que derrotou o republicano Donald Trump. O aumento da diversidade também foi registrado na eleição para o Congresso americano, com acréscimo na representação feminina e a vitória de candidatos LGBTI.
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Foto: Mike Segar e Adriano Machado/Sariana Fernández/Reuters/Nexo

A onda de extrema direita testada pela política tradicional
O avanço da extrema direita, que marcou a década de 2010, foi testado em 2020. Com recuos registrados em eleições regionais na Itália, na França e na Áustria, esse movimento sofreu seu maior tombo com a derrota do presidente Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA.
A experiência americana trouxe para o centro do debate as estratégias usadas para superar nas urnas líderes populistas de viés autoritário. O vencedor foi Joe Biden, um moderado que costurou uma ampla aliança interna no Partido Democrata, incluindo setores mais alinhados à esquerda e às bandeiras identitárias.
No Brasil, as eleições municipais mostraram um refluxo do discurso antissistema que havia feito sucesso dois anos antes, na disputa nacional de 2018. Candidatos apoiados diretamente pelo presidente Jair Bolsonaro amargaram derrotas nas urnas.
A preferência do eleitorado recaiu sobre políticos que já estavam em seus cargos e partidos tradicionais, especialmente alinhados à centro-direita e à direita. Legendas como DEM, Progressistas e PSD tiveram avanços significativos nas prefeituras.
Houve esboços de alianças locais entre opositores de Bolsonaro, tanto à esquerda e à direita, mas o caminho para uma união mais ampla, com a eventual criação de uma frente ampla com vistas à sucessão presidencial de 2022, ainda depende de diálogos que, por ora, estão apenas no começo.
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Foto: Leah Mills/Stephanie Keith/Reuters Guilherme Falcão/NEXO

A sobrevida do trumpismo após a derrota nas urnas
O presidente dos EUA, Donald Trump, foi derrotado pelo rival democrata Joe Biden na eleição de 3 de novembro de 2020. A onda representada pelo bilionário, que ganhou corpo ao longo da década, porém, não se encerra com o revés nas urnas. O trumpismo deve se estender para muito além dos quatro anos já transcorridos de mandato.
Mesmo depois da eleição, o republicano ainda se recusou a aceitar o resultado. Acompanhado por simpatizantes e por uma grande equipe de advogados, Trump moveu processos e incentivou protestos para contestar a apuração em estados nos quais a margem de diferença em relação a Biden foi mais apertada. Em todos eles, teve a derrota confirmada.
A atitude desafiadora em relação ao processo eleitoral, aos rivais políticos e às autoridades judiciais de seu país é um exemplo de comportamento que inspira seguidores como Jair Bolsonaro. O presidente brasileiro, que também contesta o sistema eleitoral de seu próprio país sem apresentar evidências de fraude, foi o último entre os líderes do G20 a reconhecer a vitória de Biden.
Dentro dos EUA, o trumpismo passará para a oposição e deverá mostrar se é um movimento que cabe dentro do Partido Republicano ou se é maior que a legenda que o hospedou nos últimos anos. Internacionalmente, os ecos serão sentidos nos mandatos de outros líderes populistas de extrema direita, que se inspiraram em Trump. Além do Brasil, países como Polônia e Hungria mantêm governos de perfil semelhante.
Além do aspecto político-eleitoral, o trumpismo alimenta-se e alimenta movimentos mais amplos de difusão de teorias da conspiração e negacionismo. O mais conhecido deles é o Qanon, que turbina as guerras culturais ao misturar pautas morais e políticas e associar, por exemplo, a esquerda à pedofilia. Desde que tomou posse, em janeiro de 2017, Trump faz referência aos “fatos alternativos” para interpretar a realidade à sua maneira, atribuindo à imprensa o selo de difusora de “fake news” (notícias falsas), aumentando a coesão entre seus seguidores e colocando mais combustível no antagonismo ideológico.
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Foto: Marcos Correa/Ueslei Marcelino/Reuters Sariana Fernández/Nexo

As instituições sob ataque e acordos temporários
A crise sanitária conviveu com uma crise política no Brasil, esta escancarada pelo apoio aberto do presidente da República a atos que pediam intervenção militar e fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 sob alertas de que era uma ameaça à democracia, a exemplo de outros líderes mundiais alinhados à extrema direita. Em 2020, essa ameaça apareceu em declarações públicas que sugeriam ruptura institucional, especialmente em relação ao Supremo.
Isso ocorreu no primeiro semestre, quando o tribunal avançava em investigações que têm como alvo o entorno de Bolsonaro. O presidente perdeu o apoio do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro, demitido do Ministério da Justiça, e virou ele mesmo suspeito em um inquérito criminal.
As ameaças pararam no segundo semestre com a prisão de seu amigo Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente. Queiroz foi para prisão domiciliar, mas o caso das rachadinhas avançou, com denúncia à Justiça e revelações de mais depósitos nas contas da primeira-dama Michelle Bolsonaro.
A tentativa de pacificação presidencial com o Supremo veio com a indicação de um nome chancelado por outros membros do tribunal. No Congresso, um acordo com a antes criticada “velha política” do centrão garantiu certa estabilidade para o Palácio do Planalto. Ao longo do ano, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebeu dezenas de pedidos de impeachment, mas disse não ter visto crime de responsabilidade nas ações de Bolsonaro.
Se as ameaças abertas às instituições cessaram, os discursos de desinformação continuaram, assim como a desarticulação na gestão, com impactos em políticas públicas nas áreas de saúde, meio ambiente e diplomacia. O presidente também atacou sem provas a confiabilidade do sistema eleitoral — assim como fez o aliado americano Donald Trump, derrotado na tentativa de se reeleger nos EUA.
Em 2021, as suspeitas de ingerência em órgãos de controle e instituições continuarão pairando sobre o governo brasileiro, do inquérito sobre interferência política sobre a Polícia Federal, aos mais recentes indícios de que a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) pode ter sido usada para ajudar o filho Flávio no caso das rachadinhas.
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Foto: SERGEI KARPUKHIN/CARLOS GARCIA RAWLINS/REUTERS Guilherme Falcão/NEXO

Um mundo entre nacionalismos e cooperação internacional
A pandemia é uma crise sanitária na qual líderes nacionalistas conseguiram transformar o vírus em um argumento a mais para mobilizar suas bases político-ideológicas.
Pelo menos desde março, quando a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou oficialmente a existência de uma pandemia, países divergiram sobre fechamento de fronteiras, disputaram compras de insumos vitais e, no fim, entraram numa corrida por acesso aos imunizantes.
A cooperação internacional oscilou. A União Europeia, por exemplo, viveu primeiro um momento de fechamento de suas fronteiras internas, para só depois pôr em funcionamento mecanismos robustos de cooperação econômica.
Fora da Europa, países ricos e influentes, como China e EUA, inseriram a distribuição de insumos em suas estratégias mais amplas de busca de influência política e econômica por meio da diplomacia sanitária, ao distribuir, por exemplo, máscaras e respiradores mecânicos a países mais pobres.
No caso dos EUA, esse protagonismo positivo foi ofuscado pelo envolvimento em episódios de desvios de mercadorias e “pirataria moderna”. Os americanos engajaram-se num verdadeiro leilão de insumos, no qual encomendas vitais que passaram por seu território chegaram a ser canceladas ou desviadas de seus destinos originais, permanecendo nos EUA.
Em pleno ano eleitoral, o presidente Donald Trump fez dos ataques à China uma arma de campanha e de mobilização de sua base nacionalista. O republicano passou a referir-se ao “vírus chinês” como forma de antagonizar com seu maior adversário comercial.
A postura de Trump ecoou no Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro também criticou a vacina produzida por laboratórios chineses em parceria com o Instituto Butantã, de São Paulo.
Na Rússia, o presidente Vladimir Putin anunciou a Sputnik-V como o primeiro imunizante eficaz do mundo contra a covid-19, mesmo antes de concluídos os testes. O nome da substância, copiado do primeiro satélite artificial a ser posto em órbita pelos soviéticos, em 1957, foi uma clara referência ao clima de corrida científica e Guerra Fria com os EUA e as demais potências ocidentais.
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Foto: Daniele Mascolo/Eva Plevier/Reuters Guilherme Falcão/NEXO

A constante adaptação a um ano de improvisos e provações
A palavra resiliência se tornou um conceito frequente na psicologia nos últimos anos. Em 2020, as pessoas puderam exercitá-lo como nunca antes.
A incerteza e a falta de planejamento durante a pandemia geraram ansiedade. A convivência mais intensa, assim como a distância forçada, impuseram um cotidiano de improvisos. Foram testes diários de resiliência.
“Resiliência não é resistir, se adaptar à adversidade de forma passiva, mas aprender a operar no obstáculo e sair maior dele. Por isso não adianta ficar preso na própria dor, só resistindo”, explicou a psicanalista Sandra Baron, professora da Universidade Federal Fluminense e membro do Observatório Internacional de Pesquisas em Resiliência, à revista Gama.
Entre as cenas que marcaram o mês em que a pandemia foi declarada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), março, estavam as imagens de italianos cantando e dançando em suas janelas e varandas. Era uma estratégia para manter o moral alto em um país que enfrentava o lockdown e centenas de mortes diárias, em ritmo crescente.
Tentar não sucumbir à angústia da pandemia foi também a motivação por trás das lives da cantora Teresa Cristina no Brasil, que começaram de maneira despretensiosa, mas se tornaram eventos com milhares de espectadores e participações célebres. A cantora passou a ser chamada de “rainha das lives”.
Em dez meses de novos hábitos forçados, desenvolveu-se um aprendizado de comportamentos e práticas que vão das festas de aniversário no Zoom aos cumprimentos sem contato físico, passando pela adoção da máscara como item do vestuário e pelo surgimento de um novo vocabulário comum. O home office provou ser uma opção viável para empresas de diversas áreas. Algumas pretendem manter a prática mesmo depois que os escritórios voltarem a ser opções seguras.
Por outro lado, a convivência intensificada gerou estresse, com o número de divórcios aumentando em vários países. Repensar decisões durante um ano de provações também fez parte do processo de adaptação.
Produzido por Aline Pellegrini, Bruno Fiaschetti, Camilo Rocha, Cesar Gaglioni, Estevão Bertoni, Guilherme Henrique, João Paulo Charleaux, Isabela Cruz, Marcelo Roubicek, Mariana Vick e Natan Novelli Tu
Arte por Guilherme Falcão, Thiago Quadros e Sariana Fernández
Desenvolvimento por Thiago Quadros e Sariana Fernández
Edição por Letícia Arcoverde e Conrado Corsalette
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