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Áurea Carolina


13 de janeiro de 2019

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Foto: Lucas Ávila

A deputada federal eleita Áurea Carolina estreia em fevereiro como colunista do ‘Nexo’, no novo espaço de opinião ‘Tribuna’. Ela indica 5 obras para refletir sobre a atualidade brasileira

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Em tempos de perdas de direitos e deterioração da convivência social, é preciso buscar referências intelectuais e simbólicas que nos ajudem a construir uma capacidade emancipada de reflexão. Fiz uma seleção de livros recentes que oferecem boas entradas para se pensar a atualidade brasileira e o declínio histórico das instituições democráticas.

UPP – a redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro

Marielle Franco, n-1 edições, 2018

Longe de transformar o modelo de segurança pública no Rio de Janeiro, a implementação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) reforçou o Estado penal nas favelas atingidas, mediante controle armado dos territórios, criminalização da pobreza, negação de direitos dos moradores, cerceamento e mercantilização da vida, militarização, violência policial, homicídios, encarceramento em massa e outras formas de violência. Durante os cinco primeiros anos de funcionamento das UPPs, no período de 2008 a 2013, sobressaíram a fragilidade institucional do programa e a sua incapacidade de efetivar as soluções prometidas pela propaganda oficial, especialmente em relação aos investimentos sociais. O argumento, desenvolvido por Marielle Franco em sua dissertação de mestrado, defendida em 2014 pela Universidade Federal Fluminense, traz a urgência de mudanças no campo da segurança pública, a fim de superar a lógica de repressão e punição dos pobres, desmilitarizar a polícia e assegurar os direitos de quem vive nas favelas e periferias. Marielle explicita seu profundo compromisso com a autonomia e as lutas dos sujeitos favelados e a defesa dos direitos humanos, fazendo questão de nomear policiais e civis mortos em UPPs devido ao colapso da política de segurança pública, do qual ela também seria vítima poucos anos depois. O lucro com a venda do livro, publicado pela n-1 edições, será revertido para a família de Marielle.

Ridículo político: uma investigação sobre o risível, a manipulação da imagem e o esteticamente correto

Marcia Tiburi, Record, 2017

A política desnaturada pela publicidade, negada intencionalmente para se fazer uma política despolitizada e sofrível, produz a farsa contagiante da “nova política”. É a era da política dos sem política: triunfam manipuladores que sabem que falar a verdade já não importa e que as aparências ornamentam uma estética imbecilizada do poder. Máscaras e dissimulação servem ao gosto disfarçado do ridículo, quando o retorno populista se faz compatível com figuras orgulhosamente não populares, em uma curiosa inversão do próprio estilo. Marcia Tiburi analisa o ridículo na política contemporânea com rigor ético e sagacidade do espírito, mobilizando a força do pensamento crítico para a resistência democrática.

Dororidade

Vilma Piedade, Editora Nós, 2017

Um novo conceito feminista é cunhado por Vilma Piedade para significar a experiência de ausência, silenciamento e dor que marca as mulheres negras por causa do racismo e, ao mesmo tempo, contém a dor provocada em todas as mulheres pelo machismo. Dororidade transcende a conhecida noção de sororidade – insuficiente para dar conta da pretitude – e traz à tona violências simbólicas e estruturais, explícitas ou sutis, que atualizam a escravidão no cotidiano brasileiro. Com uma autêntica escrita em pretoguês – conceito originalmente criado por Lélia Gonzalez –, Vilma afirma o poder feminino na tradição iorubá e a resistência contra o racismo religioso como manifestações da potência negra feminista mediadas pela dororidade. E sentencia: a democracia feminista e o feminismo interseccional inclusivo só são possíveis com todos os tons de pretas.

O homem azul do deserto

Cidinha da Silva, Malê, 2018

Saber chegar e saber sair de um acontecimento e depois refazê-lo com a precisão de uma crônica. É assim que, na escrita de Cidinha da Silva, o extraordinário do comum é trabalhado pelo critério de uma observadora cabreira, a um só tempo solene, afetuosa e implacável no trato das emoções. Surgem cenas envolventes. Uma canção se eterniza no encanto de saudosas tardes de domingo num bairro periférico. Um papo bobo sobre futebol faz todo sentido para um coração apaixonado. Futebol, aliás, é muita paixão. Entre delicadezas e massacres pelo caminho, haja ginga para driblar a branquitude e outras patifarias. Mas a beleza continua ao alcance de todos. A memória presente também é feita de pessoas admiráveis, grandiosas: de Sueli Carneiro a Luiz Melodia, passando por Elza Soares e Angela Davis, ícones são venerados sem afetação. Cidinha desliza aguda, capaz de cravar um inesperado Tuareg, que dá título ao livro, no meio das nossas mentes colonizadas.

Como a democracia chega ao fim

David Runciman, Todavia, 2018

A degeneração dos regimes democráticos consagrados nos Estados Unidos e na Europa é evidenciada no século XXI por farsas eleitorais e outras formas de manipulação que minam as instituições com a proliferação de populismos e teorias da conspiração, em contextos de aumento das desigualdades e insatisfação popular com o sistema político. Cada vez mais, a democracia aparente pode escamotear golpes que levam à sua extinção. O modelo poderá sucumbir diante de catástrofes ambientais, nucleares e genocidas, e convive com o risco desumanizador e despolitizador das rápidas mudanças tecnológicas. Embora o autor discuta possíveis sistemas alternativos, mesmo sem propor saídas, o ponto forte do texto é a sua constatação de fundo: “A democracia representativa contemporânea está cansada. Tornou-se vingativa, paranoica, iludida, desajeitada e muitas vezes ineficaz.” Chama a atenção, contudo, a ausência de uma reflexão sobre os fundamentos de justiça democrática e a ênfase excessiva na lógica da representação eleitoral, com um viés instrumental que desconsidera perspectivas críticas sobre a qualidade substantiva da democracia.

Áurea Carolinafoi eleita deputada federal pelo PSOL de Minas Gerais em 2018. Antes disso, foi a vereadora mais votada de Belo Horizonte em 2016. Atua em movimentos sociais desde a adolescência e é formada em ciências sociais pela UFMG, onde concluiu também mestrado em ciência política. Além disso, fez especialização em gênero e igualdade pela Universidade Autônoma de Barcelona.

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