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Álvaro Machado Dias


03 de junho de 2023

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A convite do ‘Nexo’, o neurocientista Álvaro Machado Dias indica cinco livros futuristas

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Futurismo metodológico é a disciplina que busca modelar cenários futuros pela combinação de algumas ferramentas:

  • projeções sobre o curso do progresso tecnológico
  • identificação de tendências psicossociais expansivas
  • simulações econômicas
  • análise de tendências decisórias de governos e firmas
  • teoria da história
  • uma boa dose de imaginação

O objetivo de quem se dedica seriamente à construção desses cenários raramente é acertar na mosca, até porque essa aspiração estaria fadada a se chocar contra a estocasticidade que marca a passagem do tempo. A busca é pela identificação do ethos de uma época, com seus temores e aspirações para o futuro, o que pode dar origem a conceitos e práticas que possam ser úteis.

Por exemplo, o momento em que vivemos aponta para um futuro de substituição do trabalho intelectual por algoritmos generativos. A visão hegemônica é de que não há perspectiva para quem perder o emprego exceto passar fome. Minha tentativa de ir além desse quadro envolve uma combinação de modelagens alternativas e estratégias de mitigação de riscos.

Uma ideia (modelagem computacional) que desenvolvi é a de taxar IAs com base no número de trabalhadores substituídos, criar um fundo com esse valor e utilizá-lo para a recolocação de quem perder o emprego para esses softwares. Do ponto de vista econômico, o grande foco seria a preservação do poder de consumo da classe média, que tende a sumir com a automação intelectual, gerando efeitos catastróficos.

O fato de que o futurismo metodológico visa aprofundar entendimentos sobre este recorte do presente que chamamos de futuro leva a uma conclusão curiosa: livros sobre inovações, metaverso e afins têm pouco a acrescentar aqui, enquanto livros escritos por gente que não tem nem celular podem se revelar preciosos. Aqui vai a minha lista de sugestões, em ordem de importância.

O despertar de tudo

David Graeber e David Wengrow (Trad. Claudio Marcondes e Denise Bottman, Companhias das Letras, 2022)

Se você tiver tempo para ler só um livro desta lista, não titubeie, aqui está a verdadeira pérola. O livro conta a história de como fomos de caçadores-coletores a mantenedores de civilizações imensas. São 704 páginas cheias de detalhes que mais interessam a arqueólogos e antropólogos do que futuristas. Porém, a tese central – de que a civilização não progride de maneira linear, mas é afeita a paralelismos, aparições e reaparições de estruturas complexas e à estocasticidade – é absolutamente fundamental para se ir além do status quo sobre o vir a ser. Não acredite em narrativas muito esquemáticas. Boa parte dos best-sellers futuristas ignoram essa lição e, justamente por isso, parecem bem mais descartáveis.

O novo iluminismo

Steven Pinker (Trad. Laura Teixeira Motta e Pedro Maia Soares, Companhias das Letras, 2018)

Pinker é um dos autores sob a mira de Graeber e Wengrow, os quais elogiei anteriormente. Porém, é preciso reconhecer suas imensas contribuições para as ciências cognitivas, assim como os méritos deste livro. O autor capta um aspecto fundamental da nossa orientação ao futuro: ela está alinhada à melhoria da vida. A despeito de todas as armadilhas do progresso, vivemos melhor hoje do que em qualquer outro momento da nossa história. Fato que não deve ser minimizado e que sugere que o otimismo com o futuro pode se mostrar a postura filosófico-existencial acertada.

Agora, em termos mais profundos, o que está em jogo é a tese de que o reforço da racionalidade é o caminho para vivermos cada vez melhor. Ela não é consensual. Por exemplo, Adorno e colegas diriam que ela é ingênua, pois a história mostra que o ponto de chegada da racionalidade é a barbárie, enquanto muitos psicanalistas apontam que a atual epidemia de depressão e ansiedade é consequência direta da incorporação de princípios tecnocráticos, em dinâmicas tácitas que levam ao que chamo de algoritmização do pensamento. Será que conseguimos aliar o racionalismo com experiências de conexão profunda e baixos níveis de repressão? Eis a pergunta que fica.

Superinteligência

Nick Bostrom (Trad. Clemente Gentil Penna e Patrícia Jeremias, DarkSide Books, 2018)

Nick Bostrom é o futurista mais respeitado entre quem se dedica à construção e à discussão de hipóteses sobre o que virá a seguir. É também um representante da linha que acha que a inteligência artificial pode sair de controle e dominar o planeta, o que eu acho improvável. “Superinteligência” é o livro central para quem pensa esse futuro à moda da ficção científica, mas é também muito mais. Bostrom dedica-se com seriedade à modelagem dos cenários possíveis para o surgimento da inteligência artificial geral – aquela que será capaz de fazer absolutamente tudo o que nós fazemos, só que melhor. Além disso, traz contribuições importantes para a área da segurança da IA, campo essencial independentemente do que se projeta no campo da consciência e intencionalidade dos autômatas.

Vale dizer que “Superinteligência” também é o livro por trás da famosa carta de bilionários da indústria da tecnologia pedindo o congelamento dos desenvolvimentos em IA, e da proposta de Elon Musk de perfurar nossos crânios para conectar nossos cérebros à internet – algo que, além de bizarro, deve permanecer inviável pelos próximos trinta anos.

O futuro da humanidade

Michio Kaku (Trad. Jaime Biaggio, Crítica, 2019)

Michio Kaku é um físico e futurista que combina erudição científica com extrapolações, que por vezes parecem saídas de um filme da Marvel. Ele é um entusiasta da colonização espacial, tema que cria paragens sem limites para a imaginação. O livro descreve o caminho para nos tornarmos uma espécie multiplanetária, o que começaria com a colonização de Marte. Isso seria possível a a partir de terraformação, que é um conjunto de práticas concebidas para tornar o solo, a atmosfera e a própria temperatura de um planeta habitáveis para o ser humano. O assunto está em debate desde a década de 1960 e é preciso reconhecer o excelente trabalho de Kaku para apresentar os procedimentos ao leitor. Divertido é pouco.

Outro tema provocador que Kaku apresenta é o da alteração intencional de nossa própria constituição física para podermos visitar planetas – e mesmo galáxias – distantes. Na sua visão, seremos capazes de fazer o download dos padrões da nossa consciência e de outros processos cerebrais, os quais poderiam viajar em nosso lugar, ou melhor, no lugar dos nossos corpos. Essa hipótese é incompatível com as teorias da consciência que acredito terem mais chance de se tornar canônicas, mas é bastante aceita por aqueles que acham que as máquinas irão se tornar conscientes. Instigante, mas sintomático.

2041: Como a inteligência artificial vai mudar sua vida nas próximas décadas

Kai-Fu Lee e Chen Qiufan (Trad. Isadora Sinay, Globo Livros, 2022)

Este livro traz um exercício de imaginação futurista por si só inovador, que usa storytelling como forma de sensibilização. Lee é ex-executivo do Google na China e Qiufan é autor de ficção científica, e aqui fazem uma parceria na qual exploram cenários tecnológicos possíveis. Os capítulos são estruturados em torno de narrativas ficcionais de Qiufan e análises de Lee sobre as tecnologias envolvidas nas histórias. Sacadas criativas se enfileiram.

Para quem busca aumentar seu repertório sobre as possíveis consequências do progresso tecnológico e ter uma amostra das pontes entre futurismo e ficção científica, essa é a melhor pedida. Porém, é preciso considerar que a obra é um projeto intelectual muito pouco conectado à história e às questões psicossociais mais pujantes. A sensação que fica é de uma espécie nova de entretenimento, o que tem muito mais a ver com a fluidez da leitura do que com uma reflexão profunda sobre o ethos de uma era e suas transformações possíveis. Vale, sobretudo, como exemplo de narrativa produzida de maneira instigante e oportuna.

Álvaro Machado Dias é um neurocientista e futurista. É professor livre-docente da UNIFESP.

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