Expresso

Para onde vão as doses excedentes de vacina dos EUA

João Paulo Charleaux

24 de março de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h03)

País tem 30 milhões de doses do imunizante de Oxford que não serão usadas internamente. Governo americano negou pedido do Brasil, depois de promessa de envio ao México e ao Canadá

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FOTO: LINDSEY WASSON/REUTERS – 13.03.2021

Médico com roupa de proteção e máscara segura cartaz onde se lê "vacina" escrito em inglês

Médico americano segura cartaz onde se lê “vacinas” em centro de vacinação de Seatle

A embaixada americana em Brasília publicou na terça-feira (23) uma nota que frustra a expectativa do governo Jair Bolsonaro de receber diretamente de Washington doses excedentes de vacinas contra a covid-19 que não serão usadas nos EUA.

O governo americano tem um estoque de 30 milhões de doses da vacina de Oxford, produzida em parceria com o laboratório anglo-sueco AstraZeneca. Essa vacina não recebeu autorização do FDA, órgão de regulamentação de drogas e alimentos dos EUA, para ser administrada em território americano.

A aprovação não foi dada pela FDA porque a AstraZeneca não apresentou todos os dados solicitados pelas autoridades americanas. Esses dados complementares foram divulgados na segunda-feira (22), mas ainda assim, as autoridades sanitárias continuam pedindo informações complementares. O laboratório diz que submeterá o pedido de autorização, mas o mais provável é que os EUA concluam a vacinação sem precisar recorrer ao estoque de imunizantes de Oxford, que ficará, então, disponível.

O governo brasileiro esperava receber essas doses diretamente do governo americano, numa espécie de atalho. Mas, de acordo com uma nota da embaixada, publicada na terça-feira (23), isso não vai acontecer. A embaixada diz que os EUA direcionarão as vacinas excedentes para o consórcio Covax Facility , liderado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), do qual o Brasil também faz parte. Por meio dele, a OMS espera ampliar o acesso dos países em desenvolvimento a doses de vacinas produzidas.

O que o Brasil pedia

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil informou no dia 20 de março que desde o dia 13 do mesmo mês estava em “tratativas com o governo dos EUA para viabilizar a importação pelo Brasil de vacinas do excedente disponível nos Estados Unidos”.

Em suas redes sociais, o chanceler Ernesto Araújo disse: “Tão logo os EUA nos sinalizaram a possibilidade de exportação de vacinas excedentes, iniciamos o processo para obtê-las, na forma e pelos canais que o próprio governo americano nos recomendou. A diplomacia muitas vezes precisa trabalhar em silêncio.”

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 02.03.2021

Araújo acomoda máscara no rosto dentro do Palácio do Itamaraty

Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores do Brasil, no Palácio do Itamaraty, em Brasília

A informação foi encarada como um sinal de que o governo Bolsonaro fazia uso de canais bilaterais para obter diretamente do governo americano as vacinas excedentes nos EUA.

Em paralelo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), enviou uma carta com pedido semelhante à vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, que ocupa também a presidência do Senado americano.

O que os EUA responderam

Com a entrega das doses ao Covax Facility, caberá ao consórcio da OMS redistribuir essas doses pelo mundo.

“Os EUA estão cientes dos pedidos de outros países sobre as doses de vacinas do governo dos EUA, e quando determinarmos que podemos compartilhar mais vacinas, trabalharemos em estreita colaboração com a Covax e outros parceiros internacionais”

Embaixada dos EUA em Brasília

Em nota publicada no dia 23 de março de 2021

Além de negar o repasse direto das vacinas excedentes ao Brasil, a embaixada se queixou de receber pedidos do Brasil por meio de diferentes interlocutores: “solicitamos a todos os parceiros brasileiros e representantes do governo local e federal a coordenar os pedidos de assistência por meio do Ministério das Relações Exteriores para garantir sua integração à estratégia federal.”

Os EUA são o maior doador único do consórcio Covax, com um aporte total de US$ 2 bilhões (aproximadamente R$ 11 bilhões) e uma promessa de dobrar esse valor até 2022. Em sua nota, a embaixada americana reafirma que “o consórcio é uma solução global para um desafio global, baseado nos princípios da equidade, transparência e humanidade comum”, que deverá ser privilegiado como um canal de redistribuição de seus excedentes.

Paralelamente à negociação bilateral entre Washington e Brasília, correm negociações entre o governo brasileiro e laboratórios privados dos EUA, mas que nada têm a ver com o envio de doses excedentes.

Dentro dessa negociação com laboratórios privados dos EUA, o Brasil firmou contratos com a Pfizer e a Janssen, que venderão um total de 138 milhões de doses de suas vacinas ao Brasil. A entrega da maior parte desse montante está prevista para o segundo semestre.

O governo americano participa indiretamente desse processo, porque investiu mais de US$ 10 bilhões em pesquisas, e, por meio de sua rede de embaixadas, trabalha para que os países assinem contratos de compra dessas vacinas com as empresas americanas, em vez de assinar com empresas de outros países.

O Brasil no consórcio Covax

O Brasil é um dos financiadores do consórcio Covax Facility. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, o governo brasileiro repassou mais de US$ 148 milhões ao consórcio, o que equivalia no câmbio de 24 de março a aproximadamente R$ 815 milhões. Os recursos vão para um fundo comum, que financia o acesso de 190 países a imunizantes contra a covid-19.

No domingo (21), o Brasil recebeu o primeiro lote de 1 milhão de doses das 42 milhões de doses contratadas por meio deste consórcio internacional até o fim de 2021.

Tratamento diferenciado para vizinhos

No dia 18 de março, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, anunciou o envio de 2,5 milhões de doses da vacina de Oxford, dos EUA para o México, além de um 1,5 milhão de doses desse mesmo imunizante para o Canadá. Essa entrega não aconteceu. Apenas o anúncio foi feito.

O México e o Canadá são os únicos dois países com os quais os EUA fazem fronteira. Além de aumentar a segurança sanitária dos americanos com essa medida, a Casa Branca estende sua influência por meio de um gesto de diplomacia vacinal, disputando terreno com potências como a China e a Rússia, que também oferecem seus imunizantes pelo mundo.

O Brasil não faz fronteira com os EUA, mas a iniciativa tomada pelo Itamaraty, de pedir para receber o excedente das vacinas americanas, mostra que o governo Bolsonaro viu nos exemplos de Canadá e México, uma oportunidade de abertura; agora negada pela nota da embaixada.

O Nexo pediu ao Itamaraty um posicionamento a respeito da nota da Embaixada dos EUA em Brasília, mas não recebeu resposta. Em audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, realizada na manhã desta quarta-feira (24), Araújo comentou brevemente o fato de uma parte do excedente de vacinas americanas terem sido prometidas para o México, o Canadá e o consórcio Covax, mas não para o Brasil.

“O Brasil está negociando com os EUA para procurar receber também uma parte desse excedente, mas, por enquanto, é algo extremamente limitado, que está sujeito à regulação dos EUA”, disse o chanceler.

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