Expresso

Como a atenção às suspeitas de corrupção na CPI se dilui

Mariana Vick

10 de agosto de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h18)

Levantamentos nas redes sociais mostram que debate público deixou o tema ‘corrupção’ de lado para se voltar a outros assuntos, como os ataques presidenciais ao sistema eleitoral e à democracia

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FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 25.JUN.2021

Sessão da CPI vista das bancadas dos senadores. Ao fundo, bancada com os depoentes

Os irmãos Miranda, durante depoimento à CPI da Covid. Na bancada, da esq. para a dir., Luis Ricardo Miranda, deputado Luis Miranda (DEM-DF), senador Omar Aziz (PSD-AM) e senador Renan Calheiros (MDB-AL)

O interesse pela CPI da Covid , que retomou as sessões em 3 de agosto após duas semanas de recesso, vem diminuindo nas redes sociais num momento em que as suspeitas de corrupção pairam sobre integrantes e ex-integrantes do governo Bolsonaro, segundo levantamentos feitos por consultorias a pedido do Nexo .

Os motivos para a queda de atenção ao trabalho dos senadores são variados. Eles incluem os ataques do presidente Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral e a ministros do Supremo, as ameaças presidenciais contra a democracia, mas não apenas isso, segundo as análises.

Neste texto, o Nexo apresenta os dados do comportamento das redes e explica os fatores de queda de interesse pela CPI, segundo entrevistas com integrantes de consultorias digitais e com uma cientista política. Mostra também as investigações da CPI e seu atual contexto.

O que os dados da CPI mostram

A CPI da Covid foi instalada no Senado em 27 de abril, quando o país passava pela pior fase da pandemia até então. Com o objetivo de apurar as ações e omissões do governo na crise sanitária, incluindo repasses federais a estados, a investigação passou a ser acompanhada de perto por usuários das redes, influenciadores e jornalistas.

O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), chegou a criar uma caixa de perguntas para os “internautas” em sua conta no Instagram quando as sessões começaram. O senador também molda seu discurso na comissão segundo o humor das redes, monitoradas por assessores.

FOTO: LEOPOLDO SILVA/AGÊNCIA SENADO – 20.MAI.2021

O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, presta depoimento na CPI da Covid

O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, presta depoimento na CPI da Covid

Entre abril e agosto, houve 35,3 milhões de menções no Twitter à CPI, segundo dados da consultoria Bites colhidos nesta terça-feira (10). Os picos de atenção ocorreram em dias de depoimentos de figuras como o general Eduardo Pazuello e a médica Nise Yamaguchi.

O interesse das redes pela comissão, porém, vem recuando, segundo o diretor-adjunto da Bites, André Eler. Novos picos ocorrem em datas de depoimentos importantes, como os de junho, que denunciaram suspeitas de corrupção do governo, mas “isso não é suficiente para retomar a atenção da população” como foi no início da comissão.

Oscilação do interesse

Gráfico mostra menções à CPI no Twitter entre abril e agosto. Em meio a picos de interações, a tendência é de queda.

A quantidade de menções à CPI caiu significativamente durante o recesso do Senado, nas duas últimas semanas de julho. Nesse período, as menções mais compartilhadas foram de Bolsonaro e de seus aliados, em crítica à CPI, segundo Eler. Os dados também mostram menções sem relação com o Senado — há comentários irônicos, por exemplo, pedindo por uma CPI na Olimpíada de Tóquio .

“[O quadro] mostra como a população mais crítica ao governo deixou os temas da CPI de lado”

André Eler

diretor-adjunto da consultoria Bites, em entrevista ao Nexo

O interesse pela CPI da Covid caiu mais no começo de agosto, ao mesmo tempo que surgiram pedidos de políticos e influenciadores bolsonaristas por uma CPI das urnas eletrônicas. De 852 mil menções ao termo “CPI” no Twitter, 38 mil usaram a hashtag #CPIdoTSE.

Bolsonaro diz que há “fraude” nas urnas eletrônicas sem apresentar prova. Por causa disso, passou a ser alvo de mais uma investigação criminal no Supremo, desta vez no inquérito das fake news. Também passou a ser investigado por um inquérito administrativo no Tribunal Superior Eleitoral.

FOTO: UESLEI MARCELINO /REUTERS

Bolsonaro olha para a frente com expressão preocupada. Ao fundo, uma bandeira do Brasil

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia em Brasília

A escala de ataques foi crescente. Bolsonaro falou em agir fora das “ quatro linhas da Constituição ”, disse que a hora de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo que relata o inquérito das fake news, “vai chegar”, e xingou Luís Roberto Barroso, o presidente do TSE, de “filho de puta”.

Na terça-feira (10), presenciou um desfile militar na praça dos Três Poderes. Era para tentar demonstrar força – e redobrar as apostas nas ameaças institucionais -, mas a precariedade dos veículos e tanques da Marinha que desfilaram pelas ruas virou motivo de piada .

Oposição também dedicada a ameaças

Levantamento da consultoria Arquimedes mostra como a oposição também entrou na pauta bolsonarista, com reações aos ataques ao sistema eleitoral. Em postagem no Twitter, Pedro Buzzi, sócio da consultoria, afirmou que o governo “conseguiu retomar o controle da agenda”.

Ao Nexo , Leonardo Barchini, também da Arquimedes, disse que à medida que caem as menções à CPI nas redes, crescem as que falam em voto impresso, bandeira bolsonarista que foi a votação na terça (10) na Câmara e acabou rejeitada . A análise levou em consideração postagens do Twitter, Facebook e Instagram.

O ‘cansaço’ em relação à CPI

Para a cientista política Marta Mendes da Rocha, que é professora na UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), uma série de fatores pode explicar a queda do interesse do público em geral pela CPI da Covid nas redes sociais, como outros eventos e o cansaço do momento.

“Cria-se um cansaço conforme se passa a CPI — não só essa, mas várias outras que aconteceram no país. Começa a ficar tão complicado, que não dá para acompanhar”, disse ao Nexo . O recesso e a Olimpíada também levaram ao desinteresse, como mostram os dados.

FOTO: WALDEMIR BARRETO/AGÊNCIA SENADO – 07.JUL.2021

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) à esquerda, o senador Omar Aziz (PSD-AM) ao centro e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) à direita, durante sessão da CPI da Covid. Também é possível ver ao fundo a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA)

O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz, ouve senadores em sala da comissão

Em abril, o início da CPI foi marcado pela expectativa de que os depoimentos trouxessem fatos novos sobre a gestão da pandemia e eventual responsabilização do governo federal pelo desincentivo a medidas de proteção ou atraso na compra de vacinas, por exemplo.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirma que a comissão já provou crimes do governo contra a vida e a saúde pública por políticas adotadas na pandemia. O foco agora está nas suspeitas de corrupção na compra de vacinas.

Mendes da Rocha afirma que esse cansaço da opinião pública pode atenuar os efeitos da CPI sobre Bolsonaro. “Hoje há menos expectativa de que a CPI resulte em punição do governo. Ela pode, talvez, trazer impactos eleitorais em 2022”, disse ao Nexo .

O interesse pela CPI pode voltar a se renovar com a convocação de figuras conhecidas, como o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara e nome central do caso Covaxin. Ele depõe nesta quinta-feira (12).

Para Mendes da Rocha, os gestos recentes de Bolsonaro são efetivos ao afastar as suspeitas de corrupção levantadas pelos senadores. Essa, porém, não pode ser entendida como a única causa para as ações de Bolsonaro.

“O comportamento de confronto e antissistema é regra de Bolsonaro desde que ele se elegeu. É uma estratégia importante para cultivar sua base mais fiel [que é radical], depois da saída de outros setores do governo. Mas, por outro lado, os gestos de agora são mais graves”

Marta Mendes da Rocha

cientista política e professora da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), em entrevista ao Nexo

Com esses gestos, Bolsonaro busca antecipar eventual derrota na eleição de 2022, “ como nos Estados Unidos , depois da derrota de Trump”, segundo a professora. “Mas aqui isso pode ter consequências graves, porque aqui os militares estão envolvidos com o governo.”

O deslocamento da atenção da CPI para Bolsonaro, porém, não significa que a corrupção “deixou de assombrá-lo”, disse Mendes da Rocha. Bolsonaro perdeu parte relevante de seu apoio, e os eleitores podem querer punir eventuais irregularidades em 2022.

51%

é a reprovação de Bolsonaro entre a população, segundo pesquisa Datafolha de julho de 2021; valor é recorde do presidente

A CPI e os ataques à democracia

Na terça-feira (10), dia do desfile militar na praça dos Três Poderes, em Brasília, senadores que participam da comissão também se posicionaram contra os ataques do presidente ao sistema eleitoral.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que democracia é inegociável e que Bolsonaro não pode usar a máquina pública para ameaçá-la, em resposta ao desfile de veículos das Forças Armadas.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS 03.04.2020

Braga Netto diante de painel com o Brasão da República, estilizado, em cerimônia no Planalto

Ministro da Defesa, Walter Braga Netto, em cerimônia no Palácio do Planalto

Outros senadores, como o relator da CPI, Renan Calheiros(MDB-AL), e Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), também criticaram o gesto do presidente no dia em que a Câmara votou a PEC do voto impresso.

Essa não é a primeira vez que a CPI entra em colisão com as Forças Armadas. Em julho, Omar Aziz criticou o “ lado podre ” dos militares por envolvimento em “falcatrua”. O senador fazia referência a suspeitas de corrupção de membros de oficiais que integravam o governo na pandemia.

O Ministério da Defesa e a cúpula militar responderam à crítica do senador, acusando-o de desrespeitar as Forças Armadas e generalizar esquemas de corrupção na CPI. A nota de resposta foi articulada por Walter Braga Netto, general da reserva à frente da Defesa.

“As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às Instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”

Ministério da Defesa e cúpula das Forças Armadas

em nota publicada em 7 de julho em resposta a declaração do senador Omar Aziz (PSD-AM) na CPI da Covid

Aziz afirmou no plenário do Senado que a resposta das Forças Armadas foi desproporcional e uma tentativa de intimidação. “Façam mil notas contra mim, mas não me intimidem . Se me intimidam, intimidam esta Casa aqui”, disse, em referência ao Senado.

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