Expresso

Por que a Europa voltou a ser o epicentro da pandemia de covid-19

Estêvão Bertoni

05 de novembro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h30)

Países do centro e do leste do continente têm batido recordes de casos e região responde, ao lado da Ásia Central, por quase metade de todas as mortes pela doença no mundo em novembro de 2021

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FOTO: OCTAV GANEA/REUTERS – 2.OUT.2021

Imagem mostra centenas de pessoas com bandeiras da Romênia, à noite, numa praça, durante protesto. Um dos manifestantes segura uma seringa enorme, que dá um nó em si mesma

Manifestantes protestam contra as medidas de restrição para conter a covid-19 em Bucareste, na Romênia


Um ano e oito meses depois de ser apontada pela primeira vez como o epicentro da pandemia de covid-19 no mundo, a Europa voltou a receber na quinta-feira (4) a mesma classificação da OMS (Organização Mundial da Saúde). Ao lado da Ásia Central, o continente responde por quase dois terços de todos os casos de infecção e por metade de todas as mortes pela doença registradas no planeta no começo de novembro.

Nos últimos dias, países como Alemanha, Eslováquia, Croácia, Eslovênia, Grécia e Ucrânia bateram recordes de casos de covid-19 desde o início da pandemia, no começo de 2020. O continente teve uma alta de 55% nas infecções pelo novo coronavírus em um período de apenas quatro semanas. Já a Rússia registrou recorde de mortes. Segundo a OMS, se a evolução da doença mantiver o mesmo ritmo atual, há o risco de 500 mil óbitos ocorrerem até fevereiro de 2022.

Neste texto, o Nexo mostra qual o cenário da pandemia na Europa e quais as explicações dadas por especialistas para o surgimento de uma nova onda de covid-19 no continente.

O atual cenário

No final de setembro de 2021, o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças já havia emitido um alerta sobre o perigo de novos surtos de covid-19 na Europa devido às taxas insuficientes de vacinação, a flexibilização precoce das medidas de prevenção e a circulação da variante delta, mais transmissível do que o vírus original.

“Países devem se empenhar continuamente para aumentar a cobertura vacinal em todos os grupos elegíveis”, disse a diretora da agência, Andrea Ammon, à época. Ela defendeu que medidas de isolamento e distanciamento social e uso de máscaras fossem mantidas até o final de novembro.

Na quinta-feira (4), o diretor da OMS para a Europa, Hans Kluge, ressaltou que a região, que engloba 53 países, havia registrado nos sete dias anteriores 1,8 milhão de novos casos e cerca de 24 mil mortes.

“Estamos em um outro ponto crítico de insurgência pandêmica. A Europa está de volta ao epicentro da pandemia, onde estávamos há um ano. A diferença é que hoje nós sabemos mais e podemos fazer mais. Nós temos mais ferramentas e meios para mitigar e reduzir os danos a nossa comunidade e sociedade”

Hans Kluge

diretor da OMS para a Europa, em entrevista em 4 de novembro de 2021

Os idosos têm sido as maiores vítimas da doença. Em apenas uma semana, a taxa de internação desse grupo dobrou e 75% das mortes ocorreram em pessoas com 65 anos ou mais, segundo a entidade. De acordo com Kluge, 43 países correm o risco de enfrentar um colapso hospitalar nos próximos três meses devido à alta taxa de ocupação dos leitos de internação.

A situação é preocupante porque os aumentos nos casos e mortes ocorrem às vésperas do início do inverno europeu, com início no final de dezembro — ele se estende até março. Devido ao frio, as pessoas tendem a permanecer mais em locais fechados e sem circulação de ar, onde ocorre a maioria das transmissões.

Problemas com a vacinação

Atualmente, 59,9% da população europeia já recebeu ao menos uma dose da vacina contra a covid-19, e 55,37% estavam totalmente imunizados — para termos de comparação, 72,7% receberam ao menos uma dose e 55,23% completaram o ciclo vacinal no Brasil. O avanço da vacinação tem sido lento no continente, apesar das doses estarem disponíveis, e é desigual entre os países. A situação é pior nas regiões mais pobres do centro e do leste europeu.

Na Romênia, por exemplo, os casos estão 15% acima do pico em 2020 e o país registrou na quinta-feira (4) a pior taxa de mortes por habitantes nos últimos sete dias no mundo. Apenas um terço da população foi totalmente imunizada.

Nos vizinhos Estônia, Letônia e Lituânia, os casos cresceram 70% em apenas um mês. Nos três países, a taxa de totalmente imunizados varia de 56% a 64%. Na Eslováquia, onde apenas 46% da população recebeu as duas doses, houve recorde de novos casos na última semana.

A situação é preocupante também na Alemanha, onde o número de internações em UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) é o maior desde maio de 2021. O ministro da Saúde alemão, Jens Spahn, afirmou em entrevista à imprensa na quarta-feira (3) que o país passa por uma “ quarta onda da pandemia”, que está atingindo a Alemanha “com força”. “É uma pandemia essencialmente dos não vacinados, e é grande”, disse.

Até o início de novembro, 66% da população alemã havia se vacinado com as duas doses. Uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Saúde mostrou que 65% dos não vacinados disseram não querer “de jeito nenhum” se imunizar. Devido à resistência de parte da população, o governo estuda aplicar restrições ao grupo.

A recusa também tem ocorrido em países como a Itália, onde a cidade de Trieste ficou marcada em outubro por protestos de milhares de pessoas contra a exigência de comprovação de vacinação para trabalhadores. Duas semanas depois, a cidade virou o epicentro de novos casos, relacionados justamente aos atos e aos não vacinados.

Na sexta-feira (5), devido a um novo recorde de casos, o governo alemão decidiu que todas as pessoas que tomaram as duas doses da vacina há mais de seis meses devem receber uma dose extra, na tentativa de aumentar a proteção da população.

Estudos têm mostrado que o risco de uma infecção mesmo em totalmente vacinados pode dobrar após cinco meses da segunda dose. A proteção também tem caído seis meses após a vacinação completa, especialmente entre os mais velhos. O risco também existe devido à circulação da variante delta, que pode ser até duas vezes mais transmissível que a cepa original encontrada na China.

O relaxamento das medidas preventivas

A OMS também aponta que, entre as causas dos surtos de covid-19 na Europa, está a flexibilização das medidas de distanciamento social e do uso de máscaras. Segundo o diretor da entidade, Hans Kluge, das 500 mil mortes previstas até fevereiro de 2022, ao menos 188 mil vidas poderiam ser poupadas se 95% da população usasse máscaras.

Segundo ele, as medidas preventivas “não privam as pessoas da liberdade, elas garantem-na”. Na Europa, grupos que se opõem aos lockdowns, à vacinação e à obrigatoriedade do uso de máscaras questionam as medidas por interferirem nas escolhas pessoais. Na maior parte do mundo, porém, o entendimento tem sido o de que os direitos individuais não se sobrepõem ao direito coletivo à saúde.

O caso do Reino Unido tem sido estudado por pesquisadores como um exemplo de que apostar apenas nas vacinas não é suficiente para controlar a pandemia.

O país foi o primeiro a aprovar o uso emergencial da vacina da Pfizer e começou a vacinar sua população ainda em dezembro de 2020. Até o início de novembro, 67% da população britânica estava totalmente imunizada. Com o avanço da campanha, com queda nos casos e óbitos, o Reino Unido começou a flexibilizar o distanciamento social e o uso das máscaras ainda em julho de 2021.

A taxa de infecção no país, atualmente, é maior do que em outros locais que mantiveram as restrições ou as relaxaram mais tarde. No final de outubro, o Reino Unido tinha uma taxa de 4.868 infectados por 1 milhão de habitantes, contra 1.203 na Alemanha e 286 na Espanha. Apesar dos aumento de casos, as vacinas têm evitado hospitalizações e mortes — entre julho e outubro de 2021, ocorreram 75 mil internações no Reino Unido por covid, contra 185 mil de outubro de 2020 a janeiro, quando ainda não havia vacinas.

Apesar da sensação de volta à normalidade, pesquisas mostram que os britânicos continuam cautelosos, e mantêm atualmente contato com três ou quatro outras pessoas por dia, contra uma média de dez antes da pandemia. O problema é que nem medidas de controle, como o amplo uso de testes rápidos que tem sido feito no Reino Unido, são capazes de conter novos surtos, se eventos com aglomerações em locais fechados são permitidos, segundo pesquisadores.

Em entrevista à revista Nature , o coordenador do comitê científico que orienta as políticas de combate à pandemia no Uruguai, Rafael Radi, afirmou que aumentar as interações humanas, mesmo numa população com grande proporção de pessoas totalmente imunizadas, pode levar a novos surtos, hospitalizações e mortes. O caso do Reino Unido é observado pelo Uruguai para orientar as medidas locais — o país sul-americano mantém máscaras e distanciamento obrigatórios em ambientes fechados.

No Reino Unido, apesar de o número de mortes por covid-19 estar há oito meses em alta, o governo reluta em adotar o que chama de “plano B”, que consiste em novas políticas de uso obrigatório de máscara e trabalho remoto. A justificativa é que os hospitais ainda suportam o número de doentes.

Já países como Bélgica e Holanda decidiram endurecer medidas como a volta das máscaras mesmo ao ar livre e a exigência de comprovação de vacinação para entrar em espaços coletivos.

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