Por que o PT mantém vivo o tema da Lava Jato
Isabela Cruz
24 de maio de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)Petistas abrem ação contra Moro alegando que o ex-juiz causou danos à Petrobras e à economia. Cientistas políticos analisam ao ‘Nexo’ por que trazer à tona em ano eleitoral a operação que denunciou esquemas de corrupção do partido
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Montagem com a imagem de Sergio Moro em muro na região central da cidade de São Paulo
Algoz do PT a partir de 2014, a Operação Lava Jato foi encerrada durante o governo Jair Bolsonaro pela mudança de comando do Ministério Público Federal, mas continua sendo posta no centro do debate público, em parte pelos próprios petistas . Em 2022, ano eleitoral, parlamentares do partido foram à Justiça para pedir que o ex-juiz da operação em Curitiba, Sergio Moro, responda pelos prejuízos que, segundo a sigla, causou à Petrobras e à economia do país.
Na segunda-feira (23), a Justiça autorizou a abertura de um processo judicial contra Moro , atualmente filiado ao União Brasil. A decisão foi celebrada no PT, mas também rendeu ataques ao partido por parte do ex-juiz. “Tem horas que você não sabe se o PT é um partido político ou um grupo de comediantes”, disse Moro num vídeo publicado nas redes sociais. O ex-ministro do governo Bolsonaro chegou a lançar uma pré-candidatura ao Palácio do Planalto, mas desistiu e deve disputar outro cargo em outubro.
Neste texto, o Nexo mostra o debate sobre os impactos da Operação Lava Jato na economia nacional, expõe o que dizem petistas e lavajatistas a esse respeito, e traz análises de cientistas políticos sobre a estratégia do PT ao trazer o assunto à tona no ano eleitoral.
A presidente Dilma Rousseff foi afastada do governo, pelo Congresso, por manobras fiscais, em maio de 2016, dois anos após o início da Lava Jato. Naquele momento, depois de um período de crescimento no governo Luiz Inácio Lula da Silva,o Brasil estava mergulhado numa das crises econômicas mais severas de sua história.
Em meio a uma recessão iniciada em 2014, o país acumulava 11 milhões de desempregados , intensa deterioração das contas públicas e, com o fim do represamento de preços que o governo vinha praticando — como energia elétrica e combustíveis —, inflação ultrapassando os dois dígitos.
Nos anos seguintes, diferentes estudos buscaram as causas da crise. Entre uma série de explicações, incluindo decisões malsucedidas de política econômica tomadas pelo governo Dilma e o fim do ciclo internacional das commodities, a própria Lava Jato também passou a ser apontada entre os culpados pela recessão.
Considerada a maior operação contra esquemas de corrupção da história brasileira, a Lava Jato revelou como políticos de diversos partidos, incluindo o PT, que governava o país desde 2003, usavam indicações para cargos em estatais para implantarem esquemas duradouros de corrupção, envolvendo doleiros e as principais empreiteiras do país.
As investigações começaram na Petrobras, mas se espalharam por diferentes setores, em vários estados do país e no exterior. A operação, que durou de 2014 a 2021, acarretou mais de 360 condenações , em múltiplos casos de corrupção e lavagem de dinheiro. Também teve seus métodos e focos criticados .
A ideia de que a Lava Jato golpeou a economia do país de uma forma que poderia ter sido evitada é defendida por políticos da esquerda à direita e chegou inclusive ao Supremo Tribunal Federal .
No final de 2019, o ministro Dias Toffoli, então presidente do tribunal, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que a Lava Jato “destruiu empresas”, e criticou a falta de regras claras na definição de acordos de leniência celebrados no âmbito da operação.
No caso da Petrobras, a estatal não apenas celebrou acordos do tipo, como também foi responsabilizada em acordos firmados por outras empresas, das quais a petroleira era acionista. Diversos acadêmicos criticaram essa abrangência dos acordos lavajatistas.
Segundo um estudo do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) coordenado por William Nozaki, apenas entre 2015 e 2016, a Lava Jato foi responsável pela perda, direta e indireta, de cerca de 3,5 milhões de postos de trabalho , em áreas como construção civil, indústria mineral e setor naval.
Os procuradores de Curitiba, por sua vez, afirmam que os problemas econômicos decorrentes da operação são culpa dos próprios envolvidos nos esquemas de corrupção. O então procurador Deltan Dallagnol, que coordenava a força-tarefa da operação em Curitiba, chamou a fala de Toffoli, por exemplo, de “irresponsabilidade”.
“[Atribuir à Lava Jato a culpa pela crise econômica] É fechar os olhos para a crise econômica relacionada a fatores que incluem incompetência, má gestão e corrupção”, escreveu Dallagnol no Twitter à época.
Organizações especializadas em combate à corrupção destacam méritos da operação . Afirmam que, além dos valores recuperados nos acordos de leniência, de delação premiada e de repatriação, a revelação dos desvios também provocou mudanças institucionais importantes no país. Em 2016, por exemplo, foi aprovada a Lei das Estatais , que cria barreiras para a corrupção nessas empresas.
R$ 25 bilhões
deverão ser recuperados pelos acordos de leniência, de delação premiada e de repatriação da Lava Jato, segundo o Ministério Público Federal (os pagamentos estão em curso)
Favorito nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem falado da Petrobras em seus discursos a partir da política de preços e do foco empresarial adotados atualmente pela estatal. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a campanha do petista ainda não decidiu como inserir na campanha as críticas à atuação da Lava Jato sobre a empresa.
A ação judicial contra Moro, no entanto, já cumpre em parte essa função. Ela foi apresentada pelos parlamentares Rui Falcão (SP), Erika Kokay (DF), Natália Bonavides (RN), José Guimarães (CE) e Paulo Pimenta (RS). No documento, eles afirmam que o ex-juiz “manipulou a maior empresa brasileira, a Petrobras, como mero instrumento útil ao acobertamento dos seus interesses pessoais”.
Eles dizem também que as atuações da Lava Jato, autorizadas por Moro, “atrofiaram as cadeias produtivas dos setores de óleo e gás e construção civil”, provocando “um cenário de desarranjo econômico de altíssimo custo social em nosso país”.
Nesta terça (24), Lula aproveitou a notícia da ação para dizer que “os prejuízos que esse país teve com o carnaval que Moro protocolou foram muito grandes”, em entrevista à Rádio Mais Brasil News.
Lula e o PT também acusam o ex-juiz de “lawfare”, isto é, de se valer de mecanismos judiciais para perseguir politicamente o réu. Foi Moro o responsável pela condenação do ex-presidente no caso tríplex do Guarujá, que o levou à cadeia e o impediu de concorrer nas eleições de 2018, vencidas por Jair Bolsonaro. Moro depois virou ministro da Justiça do novo presidente.
Acionados pela defesa do petista, o Supremo Tribunal Federal , em 2021, e o Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), em 2022, concordaram que Lula foi perseguido politicamente por Moro.
Diante do processo judicial aberto contra si na segunda (23), Moro falou em “inversão de valores”. “Todo mundo sabe que o que prejudica a economia é a corrupção e não o combate a ela”, afirmou em nota.
O Nexo conversou com dois cientistas políticos sobre as motivações dos petistas ao manter o tema da Lava Jato vivo e culpar a operação pelos problemas econômicos vividos pelo país no governo Dilma. Foram eles:
Carlos Pereira Isso de certa forma ajuda a reunificar a base petista. Do mesmo jeito que a base bolsonarista precisa do argumento de confronto institucional para se unificar em torno de Bolsonaro, a base petista também precisa dos argumentos de que o PT e a própria sociedade foram vítimas de um suposto esquema que pretendia persegui-los. Isso gera identidade, a partir de um sentimento persecutório.
É um argumento muito ancorado em cima da autoproteção, contra as críticas por corrupção e pela gestão econômica. E as duas coisas se complementam, as narrativas se casam. “Dado que nós fomos perseguidos, nós não conseguimos executar de forma plena o nosso programa”, é o que dizem, nesse discurso de autovitimização.
Oswaldo Amaral A Lava Jato vai surgir de qualquer maneira durante a campanha. A questão da corrupção vai ser um tema que a campanha de Bolsonaro vai tentar trazer novamente para reativar o sentimento de antipetismo de uma parcela da população.
Então o partido está agindo preventivamente. Do tipo “Lula foi um injustiçado, isso está demonstrado pelas decisões do STF [Supremo Tribunal Federal], e nós agora estamos demandando uma reparação por parte do ex-juiz Sergio Moro, dizendo que ele sempre foi parcial, sempre perseguiu Lula e o partido, e além disso causou uma série de danos à economia”.
Eu não acredito que o objetivo dessa ação seja colocar nas costas da Lava Jato os problemas econômicos do governo Dilma. Até mesmo porque acho que isso não funcionaria. A memória que as pessoas têm do governo Dilma de uma maneira geral não é positiva. A tentativa é a de oferecer uma resposta: “Lula foi injustamente condenado e preso, o STF reconheceu que o juiz, além de não ter a competência, também agiu parcialmente, e agora nós estamos demandando essa reparação”.
Talvez não fazer isso significaria em alguma medida admitir algum tipo de culpa [no campo da corrupção]. Não acredito que o discurso da economia seja o objetivo. Até porque acho que a campanha vai focar nos anos do governo Lula, e não necessariamente nos anos do governo Dilma.
Carlos Pereira Tem 45% do eleitorado que ainda não estão definidos. A grande maioria desse eleitorado é “nem Lula nem Bolsonaro”. Então é bom que eles prestem atenção nesse eleitor. Porque, em última instância, quem vai definir a eleição é esse eleitor da meiuca. Quem vai eleger Lula ou Bolsonaro, não é o eleitor lulista ou bolsonarista. É o eleitor não Lula, não Bolsonaro. Esse eleitor vai terminar votando pelo que considerar menos pior.
Se eles [Lula e Bolsonaro] só ficarem dialogando com suas respectivas claques, com suas respectivas bases, não vão conseguir convencer esse eleitor mediano de que são o menos ruim comparado ao adversário. A autocrítica não visa ganhar o eleitor bolsonarista. Visa ganhar o eleitor que ainda não tem candidato.
Oswaldo Amaral Esse discurso da autocrítica é muito restrito a um segmento específico da população. Em relação a quem não votaria no PT de jeito nenhum, não adiantaria fazer autocrítica. A autocrítica seria um suicídio do ponto de vista discursivo. Seria como admitir tudo o que as ações, as delações disseram sobre o partido e dar munição para os inimigos. Então o PT pensa do ponto de vista eleitoral. “Se eu fizer autocrítica, vou ganhar o quê, 1%, 1,5% de voto? E vou dar uma munição muito grande para os meus adversários”.
Então acho que não faz muito sentido porque o PT tem um grupo de simpatizantes que é relativamente sólido e também tem um grupo de antipetistas que é relativamente sólido. Fazer autocrítica não vai mudar a opinião dessas pessoas. E as pessoas que são radicalmente anti-Bolsonaro não vão ter opção a não ser votar no PT.
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