Expresso

ICMS: os embates entre governo federal, estados e municípios

Marcelo Roubicek

06 de julho de 2022(atualizado 18/04/2024 às 22h27)

Prefeitos protestam contra perdas de receitas e governadores adotam mudanças no imposto, mesmo com contestações. Tributo está no centro do debate da crise dos combustíveis

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FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS- 07.MAR.2022

Homem vestindo camisa e calça social segura bomba na entrada de um carro em um posto de gasolina.

Funcionário abastece carro em posto de gasolina em Brasília

Mais de mil prefeitos foram a Brasília na terça-feira (5) protestar contra medidas que afetam negativamente os cofres municipais. As mudanças aprovadas pelo Congresso no ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, principal tributo estadual – estão entre as políticas citadas.

O ICMS está no centro do debate da crise dos combustíveis em 2022. O presidente Jair Bolsonaro insistiu em associar os aumentos de preços ao imposto. Economistas rejeitam essa tese , embora isso não signifique que reduções nas alíquotas não possam levar a preços mais baixos nas bombas.

Após medidas aprovadas pelo Congresso, a maior parte dos governos estaduais reduziram a cobrança do imposto a partir do final de junho – mesmo mantendo, em paralelo, contestações às políticas na Justiça –, o que já aparece em preços mais baixos . Abaixo, o Nexo relembra quais foram essas medidas aprovadas pelos parlamentares e quais os embates que se formam em torno delas em meados de 2022.

O ICMS e a crise dos combustíveis

Os preços dos combustíveis estão em alta desde meados de 2020, refletindo o aumento do petróleo – primeiro por causa da recuperação da economia global após o tombo inicial na pandemia e, em 2022, por causa da guerra na Ucrânia . A Petrobras mantém a política de repassar os movimentos do barril aos preços praticados no país.

A alta de combustíveis como gasolina, diesel e gás de cozinha foi o principal motor da inflação brasileira em 2021 e 2022. O avanço de preços superou 10% pela primeira vez desde o início de 2016.

Nesse contexto, Bolsonaro culpou governadores e o ICMS pela alta dos combustíveis. A tese não é endossada por economistas, mas isso não significa que diminuições do imposto não levem a reduções no preço na bomba. O presidente iniciou junto ao Congresso uma investida para reduzir a cobrança do imposto.

As medidas sobre o ICMS

MUDANÇA DE CÁLCULO

Em 10 de março de 2022, o Congresso aprovou uma mudança no cálculo do recolhimento do ICMS. A nova lei diz que o recolhimento do imposto deve ocorrer em uma etapa só da cadeia, em vez de várias. O texto também determina recolhimento como um valor fixo por litro, e não uma alíquota pelo total da compra – e que o valor cobrado deve ser o mesmo em todos os estados. Por fim, o projeto zera tributos federais sobre diesel, querosene de aviação e gás de cozinha.

TETO PARA COBRANÇA

O Congresso também aprovou uma lei complementar que coloca um teto no ICMS cobrado pelos estados sobre combustíveis, conta de luz e serviços de comunicação e transporte público. Na prática, o texto força os estados a reduzirem o imposto para a faixa de 17% a 18%, sem receber compensação. Antes, alguns estados cobravam ICMS de mais de 30% sobre a gasolina, por exemplo. A lei foi sancionada por Bolsonaro em 23 de junho – ele vetou um mecanismo de compensação aos estados pela perda de receitas.

Os efeitos das mudanças

Economistas afirmaram ao Nexo em 2021 que o ICMS não era o responsável pelo aumento dos preços dos combustíveis, uma vez que os estados não haviam reajustado as alíquotas do imposto.

Por exemplo, um estado que cobrava 25% sobre a gasolina continuou cobrando a mesma taxa durante o desenrolar da crise. A diferença é que, por causa dos seguidos aumentos promovidos pela Petrobras – refletindo o aumento internacional do petróleo e o dólar mais alto – a base de cálculo ficou maior.

O ICMS é um dos componentes do preço dos combustíveis. No caso da gasolina, outros fatores são:

  • A parcela da Petrobras ;
  • A margem de revenda e distribuição , que cabe aos postos de abastecimento e às empresas envolvidas no transporte do combustível;
  • Os tributos federais , como PIS/Cofins e Cide, que foram zerados até o final de 2022 pela lei que colocou um teto no ICMS;
  • O preço do etanol anidro , um dos materiais adicionados, por lei, à mistura.

O ICMS, antes das mudanças, respondia por cerca de 25% do preço médio da gasolina no país. Por isso, ao forçar uma redução para a faixa de 17% a 18%, há queda no preço da bomba.

Dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) mostram que, já na última semana de junho de 2022 – a primeira em que estados começaram a aplicar a regra do teto do ICMS – os preços médios de gasolina, diesel e etanol começaram a recuar .

Os preços, no entanto, não estão imunes a eventuais novos aumentos pela Petrobras. Não se sabe se a empresa irá tentar segurar preços sob comando de Caio Paes de Andrade , novo presidente da estatal. Além disso, os preços internacionais do petróleo registram queda nos primeiros dias de julho de 2022, refletindo temores de uma recessão global .

O protesto dos prefeitos

Na terça-feira (5), mais de mil prefeitos das diferentes regiões do Brasil foram a Brasília protestar contra medidas que reduzem os Orçamentos dos municípios brasileiros.

Eles afirmam que, em conjunto, as políticas já aprovadas ou publicadas até o início de julho por Executivo, Legislativo e Judiciário federal têm impacto negativo de R$ 73 bilhões sobre os cofres municipais a cada ano. E que outras medidas discutidas em Brasília podem agravar ainda mais essa cifra, elevando-a para até R$ 250 bilhões anuais.

As mudanças no ICMS são parte importante desse montante perdido. Isso porque os municípios também recebem uma parte da arrecadação estadual do imposto, via repasses dos governos.

Segundo estudo publicado pela Confederação Nacional dos Municípios, do impacto de R$ 73 bilhões nas receitas, R$ 1,13 bilhão vem da mudança de cálculo do recolhimento do ICMS, e outros R$ 22,06 bilhões são referentes ao teto de cobrança do imposto.

R$ 23,2 bilhões

é o impacto conjunto das mudanças no ICMS sobre as receitas municipais, segundo a CNM

As contestações judiciais

As mudanças de leis abriram disputas judiciais entre estados e governo federal. Ainda em março, duas semanas após a sanção do novo cálculo do ICMS, o Conselho Nacional de Política Fazendária – órgão composto por representantes do Ministério da Economia e pelos secretários estaduais da Fazenda – publicou uma decisão que determinava um valor único para cobrança do ICMS, mas autorizava que os estados aplicassem descontos. Na prática, foi uma manobra para permitir que os estados continuassem cobrando o mesmo valor que antes da aprovação da lei.

Após ação do governo, a decisão dos estados foi derrubada em maio pelo ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal. Em 17 de junho, o ministro determinou que o Conselho deveria editar uma nova regra e que, até lá, os estados devem usar como base de cálculo a média dos preços praticados nos últimos 60 meses . Essa regra começou a valer em 1° de julho. Não há data marcada para análise pelo plenário do tribunal.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS/ 01 DE DEZEMBRO DE 2021

André Mendonça em uma sessão do Comissão de Constituição e Justiça no Senado

André Mendonça em uma sessão do Comissão de Constituição e Justiça no Senado

Em 22 de junho, onze governadores protocolaram no Supremo Tribunal Federal um pedido para derrubar a lei que determinou a cobrança uniforme do ICMS. Quatro dias depois, governadores de onze estados e do Distrito Federal abriram outra ação no Supremo para tentar derrubar o texto que colocou um teto no ICMS.

Os argumentos são de que as medidas levarão à redução da arrecadação, prejudicando o financiamento à educação e à saúde no país. Os cálculos indicam que as duas áreas poderão sofrer perdas conjuntas de até R$ 30 bilhões , com perda de financiamento dos estados e dos municípios.

O descompasso entre os estados

Em meio às disputas com a União e às contestações na Justiça, o governo do estado de São Paulo decidiu em 27 de junho começar a aplicar a regra do teto sobre o ICMS. A cobrança do imposto sobre a gasolina caiu de 25% para 18% , com impacto estimado de R$ 4,4 bilhões anuais sobre a arrecadação paulista.

FOTO: RODOLFO BUHRER/REUTERS – 10.MAR.2022

Homem uniformizado troca placas de preço em cima de uma escada e próximo a uma árvore.

Funcionário de posto de gasolina atualiza preços em Curitiba

A medida gerou mal-estar entre os outros governadores. No dia seguinte, os representantes dos estados teriam uma reunião no Supremo para discutir a tributação de combustíveis , e havia expectativa de que a ação dos governos seria definida em conjunto após a audiência.

Outro motivo de desagrado , segundo o jornal O Estado de S. Paulo, foi o entendimento de outros 22 estados de que seria necessário passar a redução do ICMS por cada uma das Assembleias Legislativas. O governo paulista fez a mudança via informativo da Secretaria da Fazenda e Planejamento, sem análise dos deputados estaduais.

De acordo com o jornal, outros governadores entenderam que o poder paulista se precipitou e prejudicou os demais estados, e que o governador Rodrigo Garcia (PSDB) agiu com intenções eleitoreiras. Depois da decisão de São Paulo, outros 23 estados e o Distrito Federal também acataram o teto do ICMS até quarta-feira (6). Acre e Mato Grosso do Sul são as exceções.

A disputa da narrativa eleitoral

Embora siga uma determinação articulada pelo governo federal, a redução do ICMS pelos estados desagradou Bolsonaro , de acordo com o site de notícias Jota. Isso porque, no entendimento do presidente, os governadores estão tentando se apropriar da medida para obter ganhos políticos.

Nas redes sociais, Bolsonaro tem tentado desassociar a medida dos governadores, reforçando a iniciativa do governo para articular essa medida.

Nesta quinta-feira (7), o presidente editou um decreto obrigando postos de gasolina a exibir os preços dos combustíveis em 22 de junho, um dia antes de ele sancionar a lei que impôs o teto sobre o ICMS. A ideia é que os clientes comparem os preços praticados antes da medida com os preço na bomba na hora de abastecer.

Pré-candidato pelo PL, Bolsonaro está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As medidas para tentar reduzir preços de combustíveis estão entre as estratégias do presidente para combater a inflação e tentar diminuir a distância nas pesquisas.

Além da investida sobre os combustíveis, o governo também articula junto ao Congresso a aprovação de um pacote de bondades . A proposta amplia benefícios sociais e cria auxílios a caminhoneiros. Também decreta um estado de emergência – cuja legalidade é questionada por especialistas – para driblar leis fiscais e eleitorais. No Senado, o texto foi aprovado com pouca resistência . A Câmara dos Deputados deve votar a medida nesta quinta-feira (7).

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