Por que analistas falam em ‘fim’ das redes sociais
Cesar Gaglioni
19 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h40)Movimentos do Instagram e sucesso do TikTok apontam para substituição de modelo voltado à conexão entre amigos por outro baseado em criadores de conteúdo
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Logo do aplicativo da rede social TikTok em tela de smartphone.
As redes sociais como conhecemos podem estar chegando ao fim. Essa é a leitura de analistas de mercado, como Scott Rosenberg , colunista do site Axios.
A análise se dá a partir das mudanças recentes do Instagram, que tem cada vez mais tentado se aproximar de seu principal concorrente, o aplicativo chinês TikTok. A ideia é que essas plataformas, que um dia já foram espaço de compartilhamento de pequenos momentos da vida de seus usuários e de poucas fontes de conteúdo, vão se aproximar cada vez mais de uma espécie de TV aberta, onde todos serão vistos como criadores de conteúdo em vez de pessoas que publicam vídeos e fotos para um pequeno grupo de amigos.
Neste texto, o Nexo explica porque se fala sobre o “fim” das redes sociais e o que isso significa.
As mudanças no Instagram são parte da estratégia de negócios da empresa. A Meta, dona do aplicativo, percebeu que o feed infinito de vídeos curtos do TikTok estava conseguindo captar mais a atenção dos usuários do que um feed de fotos com imagens feitas por amigos.
No modelo de negócio das redes sociais, tempo de tela significa maior exposição à publicidade de anunciantes, principal forma de financiamento das plataformas.
Oficialmente, o Instagram diz que as mudanças que o aproximaram mais do TikTok foram tomadas com base no comportamento natural do usuário, que atualmente tem se interessado mais por vídeos de criadores de conteúdo do que por fotos de pessoas conhecidas.
“Nós vamos continuar dando suporte a publicação de fotografias. Mas, sendo honesto, o Instagram vai ter cada vez mais publicações em vídeo, mesmo que não haja mudança nenhuma”, disse Adam Mosseri, CEO do Instagram, em vídeo publicado no fim de julho. “As pessoas estão cada vez mais publicando vídeos.”
A mudança não foi bem recebida por influenciadores e usuários.Dias depois do vídeo de Mosseri, o Instagram reverteu as mudanças temporariamente para estudar melhor o que fazer. “Estou feliz que nos arriscamos”, disse o executivo à newsletter Platformer em 28 de julho. “Precisamos dar um grande passo para trás, entender melhor e achar uma ideia nova. Vamos trabalhar nisso.”
A ideia das mudanças do Instagram era de transformar a plataforma menos em uma rede social – um lugar onde as pessoas encontram conhecidos e alguns poucos criadores de conteúdo – para se tornar uma plataforma de conteúdo infinito, com recomendações constantes por parte de um algoritmo com base nos gostos pessoais do usuário e uma programação infinita.
O TikTok não se apresenta como uma rede social, e sim uma plataforma de vídeos. Redes sociais são espaços onde as pessoas encontram conexões, trocam ideias e interagem entre si.
Com as mudanças, o Instagram seria uma espécie de “TV aberta”, uma forma de mídia que tem conteúdo 24 horas, sete dias por semana, que atende todos os gostos, todos os públicos e que chega ao usuário de forma automática.
Diferentemente de um YouTube, onde é necessário uma busca ativa do conteúdo por parte do usuário, o modelo do TikTok, do Kwai e semelhantes oferece tudo em um rolar de dedos infinito, em que o indivíduo nunca sabe o que vem depois.
A combinação de um algoritmo de recomendação poderoso e a infinidade de conteúdos é valiosa para anunciantes. A nível cerebral, um aplicativo como o TikTok gera uma descarga de dopamina – neurotransmissor responsável pelo bem-estar de curto prazo – significativa. Isso acontece a partir de uma dualidade: por um lado, o algoritmo sabe os interesses do usuário e consegue recomendar conteúdos que sejam do interesse daquela pessoa. Por outro lado, o indivíduo não sabe qual vídeo vem depois.
Isso faz com que cada rolagem de dedos seja, provavelmente, uma grata surpresa, o que retroalimenta todo o ciclo, gerando mais tempo de tela, e mais valor para os anunciantes.
Um estudo publicado na revista NeuroImage em agosto de 2021 mostrou que o cérebro de usuários do TikTok recebe uma descarga de dopamina quando o app está aberto. O sistema de recompensa neurológico é ativado e o bem-estar se espalha pelo corpo.
Os pesquisadores responsáveis pela pesquisa – cientistas da Universidade de Zhejiang, na China – disseram que 5,9% dos usuários desse tipo de aplicativo podem vir a desenvolver um vício, dado o prazer proporcionado pelos apps.
Para Scott Rosenberg, do site Axios, as redes sociais estão passando por um crepúsculo . “A era em que as redes sociais [de conexões com amigos e algumas poucas fontes de conteúdo] era a experiência primária dos usuários com a internet está ficando para trás”, escreveu no dia 25 de julho.
“O que vem por aí: o contato dos usuários com pessoas conhecidas vai ficar cada vez mais focado em mensagens privadas e pequenos grupos. Por outro lado, os feeds vão continuar captando a atenção de milhões de globos oculares ao redor do mundo, vendendo esse tempo para anunciantes.”
Mudanças em plataformas já tinham acontecido anteriormente. O Facebook, que surgiu como espaço de encontro entre amigos, passou a dar destaques para conteúdos informativos e textos, depois voltou atrás e começou a destacar fotos, mudou para vídeos e atualmente mescla entre recomendar conteúdos em vídeo e conteúdos de grupos para os usuários. Ir para o caminho “TV aberta” seria apenas mais uma delas.
O Twitter também mudou ao longo dos anos. A plataforma começou como uma rede de microblogs, passou a ser uma espécie de “diário”, virou um ponto de transmissões ao vivo e atualmente é uma espécie de praça de discussão constante dos mais diversos temas. Os algoritmos de recomendação ao modelo TikTok também aparecem no Twitter. Desde 2021, os usuários têm visto mais sugestões de contas para seguir e de tópicos debatidos a partir de seus interesses pregressos.
Rosenberg não avalia o impacto das mudanças, mas acredita que será um momento de mais faturamento para anunciantes, já que o público está se habituando com modelos como o do TikTok.
De acordo com Michal Mignano, um dos principais investidores do Vale do Silício e fundador da plataforma de podcasts Anchor, a ideia do crepúsculo das redes é verdadeira. “É o fim das redes sociais e o início das redes de recomendação. É o novo padrão de distribuição de mídia. Conexões com amigos não conseguem competir com isso”, afirmou em seu blog no dia 27 de julho. “Estamos vivendo uma nova era, e ainda é difícil determinar o que vem por aí.”
O mesmo é dito por Cal Newport , professor de ciências da computação na Universidade de Georgetown e colaborador da revista The New Yorker. “Tudo indica um futuro em que os gigantes das redes sociais vão perder sua dominância.”, escreveu em 28 de julho.
Diferentemente de Mignano e Rosenberg, que não tentam oferecer nenhum tipo de prognóstico para o movimento, Newport diz que vê a mudança com bons olhos. “Vendo isso, encontro otimismo. A internet sempre foi melhor quando pôde ser estranha, hiperativa e divertida – trazendo tanto idiossincrasias próprias e modas repentinas que brilham e logo explodem, ficando para trás, mas deixando como legado elementos que geram novas ideias e conexões.”
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