O que é o Farmácia Popular. E por que virou tema de campanha
Marcelo Roubicek
15 de setembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)Bolsonaro propõe corte de quase 60% do dinheiro do programa, mas diz que verba será recomposta após eleições. O ‘Nexo’ explica como funciona a política e como ela entrou na agenda eleitoral em 2022
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Faixa da Farmácia Popular pendurada na fachada de uma drogaria no Rio de Janeiro
O projeto do Orçamento de 2023 enviado pelo governo de Jair Bolsonaro ao Congresso corta em quase 60% a verba do programa Farmácia Popular. O próprio Ministério da Economia diz que a medida foi tomada para garantir a alocação de recursos para as emendas do relator, protagonistas do chamado “orçamento secreto”. Na quarta-feira, o governo disse que irá voltar atrás na decisão, mas que os ajustes só deverão ser feitos após a eleição .
O Farmácia Popular beneficia milhões de pessoas ao dar acesso a medicamentos gratuitos ou subsidiados. Trata-se de um importante programa do Ministério da Saúde, que opera desde 2004. O corte proposto pelo governo pode comprometer a execução da política.
Neste texto, o Nexo explica o que é e como funciona o Farmácia Popular e o como a redução de verba fez o programa entrar na agenda das eleições presidenciais de 2022.
O QUE É
O Farmácia Popular – cujo nome oficial é Programa Farmácia Popular do Brasil – é uma política do governo federal para facilitar acesso a remédios , normalmente para doenças crônicas não transmissíveis.
QUAIS MEDICAMENTOS COBRE
No caso de asma, diabetes e hipertensão, os medicamentos são fornecidos gratuitamente . Mas o governo também subsidia remédios para outras condições, cobrindo até 90% dos custos – o restante é pago pelo consumidor. Esses subsídios cobrem doenças como rinite, osteoporose, glaucoma, doença de Parkinson e dislipidemia, além de chegarem também a fraldas geriátricas e a alguns métodos contraceptivos.
COMO FUNCIONA
Farmácias privadas ao redor do Brasil se cadastram no sistema operado pelo Ministério da Saúde e se credenciam para operar junto ao Farmácia Popular. Elas vendem os medicamentos para a população – com descontos ou preço zero – e são reembolsadas pelo governo federal. Para o consumidor, basta apresentar um documento com foto e receita médica.
QUAL O ALCANCE
De acordo com o Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos), o programa tinha 31 mil farmácias credenciadas em 4.394 municípios em 2021. O número estimado de beneficiários é de 21 milhões de pessoas . Em 2022, o governo separou R$ 2,04 bilhões em verba para as gratuidades do programa, além de R$ 445 milhões para os descontos .
QUANDO SURGIU
O Farmácia Popular foi criado em 2004 , durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – líder nas pesquisas e principal adversário de Bolsonaro na tentativa de reeleição em 2022. O programa passou por mudanças desde então, como alterações nos medicamentos fornecidos. Nos primeiros anos de programa, o governo mantinha estabelecimentos públicos para operar o Farmácia Popular – mas havia também participação de parcerias com farmácias privadas, que foram crescendo com os anos. Os estabelecimentos públicos foram fechados em 2017 , concluindo o processo de deslocamento do Farmácia Popular para as parcerias com farmácias privadas.
O governo Bolsonaro enviou em 31 de agosto ao Congresso Nacional a proposta de Orçamento para 2023. Na peça, a verba dedicada ao Farmácia Popular cai 59% em relação a 2022, conforme divulgado pelo jornal O Estado de S. Paulo em 7 de setembro.
Ao todo, o valor destinado ao Farmácia Popular diminuiu de R$ 2,48 bilhões em 2022 para R$ 1,02 bilhão em 2023 na proposta do governo. Outros programas na área de saúde, como o Mais Médicos (rebatizado de Médicos pelo Brasil ), também sofreram cortes.
Ao jornal Folha de S.Paulo, técnicos do Ministério da Saúde afirmaram que a verba separada pelo governo deve ser suficiente para bancar apenas quatro meses de Farmácia Popular em 2023. Ou seja, é possível que o acesso da população a medicamentos essenciais contra doenças crônicas – como diabetes e asma – fique bastante restrito se a verba não for ampliada.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, o professor Adriano Massuda, da FGV-Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), disse que o corte no Farmácia Popular pode ter efeitos que anulam qualquer economia de dinheiro. Isso porque a medida pode se reverter, no futuro, em um aumento de gastos públicos com tratamento de sequelas das doenças alvo do programa. Ou seja, se hoje o governo gasta menos com remédios contra diabetes, poderá ter que gastar muito mais no futuro com tratamento de pessoas diabéticas que não tiveram acesso aos devidos medicamentos.
Ao Estadão, o Sindusfarma criticou a proposta de corte de verba da política e disse que “ao limitar o agravamento dessas doenças, o programa tem contribuído para diminuir de forma consistente o número de internações hospitalares no SUS e na rede privada, com ganhos sanitários e financeiros para a população e o governo”.
A repercussão da proposta de corte no Farmácia Popular foi negativa e gerou reações no governo Bolsonaro e na campanha do presidente para reeleição.
O Ministério da Economia afirmou ao Estadão que a redução da verba acontece por causa da “enorme rigidez alocativa a que a União está subordinada, agravada pela necessidade de alocação de recursos para reserva de emendas de relator”.
Emendas do relator são uma modalidade de emenda parlamentar. Elas têm sido protagonistas do chamado “orçamento secreto” – um esquema pelo qual o Congresso, sobretudo o chamado centrão , se aproveita da falta de regulamentação dessas emendas para operar fatia orçamentária superior a de ministérios, sem a transparência devida.
Isso acontece com o aval do governo federal, que é o responsável pela liberação dos recursos e costuma fazer isso às vésperas de votações importantes no Congresso, privilegiando parlamentares fiéis ao Executivo. Além do uso para a sustentação parlamentar do governo, sobram indícios de corrupção na alocação dessas verbas .
Para 2023, o governo alocou R$ 19,4 bilhões para pagamento das emendas de relator. O Ministério da Economia atribuiu a falta de verba do Farmácia Popular à “necessidade” de colocar dinheiro nessas emendas.
Paulo Guedes (de pé) e Jair Bolsonaro (sentado) durante anúncio de medidas sobre combustíveis
Além disso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse na quarta-feira (14) que “ministro da Economia não corta nada. Quem corta é a Casa Civil. […] Numa dessas, corta-se a Farmácia Popular”. Ou seja, ele jogou a responsabilidade para o ministro Ciro Nogueira, representante do bloco conhecido como centrão no governo. No início de 2022, o governo Bolsonaro editou um decreto que deu a palavra final de ajustes no Orçamento à Casa Civil – em anos anteriores, a função cabia à equipe econômica.
Para além dos atritos de governo, o corte no Farmácia Popular gerou preocupação na campanha de Bolsonaro , conforme revelaram o jornal Folha de S.Paulo e o portal G1. Há temor de desgaste político a menos de três semanas do primeiro turno da eleição presidencial – Bolsonaro está em segundo lugar nas pesquisas de intenções de voto, atrás de Lula.
O presidente ordenou que a verba do Farmácia Popular fosse recomposta . Mas isso não será feito imediatamente. Na quarta-feira (14), Guedes disse que o ajuste será feito “um dia depois da eleição”, via mensagem presidencial . Mas o ministro não explicou de onde virá o dinheiro para permitir essa realocação.
Bolsonaro durante primeiro debate entre candidatos à Presidência de 2022
Não é a primeira vez que cortes no Farmácia Popular são tema de discussão no governo Bolsonaro. Em agosto de 2020, o governo avaliou extinguir o programa , usando a verba para bancar o “Renda Brasil” – benefício que seria o sucessor do auxílio emergencial na pandemia e substituto do Bolsa Família. Mas Bolsonaro rejeitou a possibilidade. O novo benefício precisou de mais um ano para sair do papel com o nome “Auxílio Brasil”.
BOLSONARO (PL)
Bolsonaro disse na quarta-feira (14) à CNN Brasil que irá manter os recursos do programa. “Será refeito agora pelo parlamento brasileiro e, se não for possível, nós acertaremos essa questão no ano que vem”, disse. Em seu programa de governo , o presidente diz que não irá “deixar de abordar” políticas em saúde, incluindo o Farmácia Popular.
LULA (PT)
Usando as redes sociais, Lula criticou Bolsonaro pelo corte no programa e lembrou que a política foi criada no governo do petista. No programa de governo, o ex-presidente diz que “reafirma o compromisso com a retomada de políticas como o Mais Médicos e o Farmácia Popular”.
CIRO GOMES (PDT)
No programa de governo de Ciro, ele diz que é “urgente a retomada do programa Farmácia Popular”. O documento diz que o programa foi extinto, o que não aconteceu.
SIMONE TEBET (MDB)
Nas redes sociais, Tebet criticou o corte do orçamento do Farmácia Popular e disse que a medida foi desumana . No plano de governo entregue ao Tribunal Superior Eleitoral, a candidata não trata da política.
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