A radicalização do discurso de Ciro contra Lula e a esquerda
Cesar Gaglioni e Antonio Mammi
22 de setembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)Pressionado pela campanha de voto útil às vésperas do primeiro turno, candidato do PDT aumenta ataques a ex-presidente e associa adversário e PT ao fascismo
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Ciro Gomes, candidato à Presidência pelo PDT
O candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) aumentou os ataques a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e à esquerda no geral às vésperas das eleições presidenciais. As falas ocorrem como reação à pressão pelo “voto útil” no petista a fim de derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL) já no primeiro turno , em 2 de outubro, e da formação de uma frente ampla em torno de Lula.
Ciro oscila entre 6% e 9% nas pesquisas de intenção de voto e enfrenta dissidências dentro de seu próprio partido. Pressionado, tem classificado os apelos pela migração do seu eleitorado como uma estratégia antidemocrática , algo que também vem sendo dito por Simone Tebet (MDB), outra candidata que não decolou. O tom de Ciro, porém, é mais elevado. Ele vem falando em “fascismo de esquerda” e chamando Lula de “fascistóide”.
Neste texto, o Nexo relata como tem sido a quarta campanha presidencial de Ciro, reproduz parte de suas declarações e pergunta a dois analistas políticos o que sua atitude diz sobre o presente e o futuro do candidato do PDT.
Defensor de uma política econômica desenvolvimentista, Ciro Gomes (PDT) atraiu parte dos votos da esquerda na eleição presidencial de 2018 e ficou em terceiro lugar naquele pleito, com 12% dos votos válidos. No segundo turno, viajou para Paris, e não fez campanha para o petista Fernando Haddad, apesar de ter dito ser contra Bolsonaro. Voltou ao Brasil às vésperas da votação de segundo turno.
Ex-ministro dos governos de Itamar Franco (1992-1994) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e ex-governador do Ceará, Ciro voltou à disputa em 2022, sua quarta tentativa de se eleger presidente. Assim, se coloca como uma alternativa aos dois principais candidatos da disputa: Lula, líder das pesquisas de intenção de voto e com chances de vencer no primeiro turno, e Bolsonaro, que está em segundo.
Para sua nova empreitada, contratou o marqueteiro João Santana a fim de coordenar a comunicação do PDT. Santana atuou nas campanhas vitoriosas de Lula em 2006 e de Dilma Rousseff em 2010 e 2014 –, o marqueteiro tem conduzido uma campanha com foco no discurso anticorrupção .
Às vésperas do primeiro turno das eleições, Ciro não deslanchou nas pesquisas. Mais que isso, viu a rejeição a seu nome aumentar: em levantamento da Quaest publicado na quarta-feira (21), 54% do eleitorado dizem que não votaria nele , mesmo patamar de Bolsonaro.
Os números aparecem em um momento em que Ciro enfrenta resistências dentro do próprio PDT . Uma ala do partido avalia que é preciso apoiar Lula para derrotar Bolsonaro no primeiro turno e está insatisfeita com declarações do candidato que colocam o petista e o presidente como equivalentes.
Ciro já disse que seus dois principais concorrentes são diferentes . Mas tem aumentado os ataques ao petista com a proximidade da votação. Caso haja segundo turno entre Lula e Bolsonaro, ele já disse que repetirá 2018 e não pedirá voto para o PT.
Aliados de Lula tem aumentado a campanha pelo chamado “voto útil”, numa lógica segundo a qual uma vitória em 2 de outubro diminui os riscos de Bolsonaro contestar o resultado das eleições e tentar uma ruptura institucional.
Pressionado, Ciro tem se esforçado em manter seu eleitorado. Em um episódio no fim de agosto, após um debate na TV Bandeirantes no qual antagonizou com o petista, Ciro fez uma postagem sugerindo que Lula, de 76 anos, estava velho demais para enfrentar Bolsonaro. Ele apagou a mensagem pouco depois.
Desde então, Ciro tem feito críticas mais incisivas ao PT. Algumas delas chegaram a ser reproduzidas por apoiadores de Bolsonaro.
“Fascismo puro isso que o PT e o Lula estão administrando contra o Bolsonaro [de insistir em uma vitória no 1º turno]. É o fascismo na veia que sempre foi. O Lula sempre foi fascistoide”, afirmou nesta quarta-feira (21) no podcast Monark Talks, do youtuber Bruno Aiub. Na conversa, Ciro estava dizendo que o partido de Lula e seus apoiadores estavam tentando calá-lo.
Mais cedo, no mesmo dia, ele disse que o petista tinha pedido que militantes o agredissem em São Paulo em 2021 – o que não se sustenta . “Eu fui às ruas pelo impeachment [de Bolsonaro]. Eu assinei três pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Eu fui à corte de Haia representar contra o caráter genocida do Bolsonaro. Sabe quem deu o voto decisivo para manter o orçamento secreto? O PT. O Lula salvou o Bolsonaro e só se explica a sobrevida do Bolsonaro porque o Lula o salvou. O Lula mandou a tropa de choque dele me agredir fisicamente aqui na Avenida Paulista (em um ato pelo impeachment)”, afirmou em uma sabatina promovida pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Ciro respondia às críticas de que tem atuado como “linha auxiliar de Bolsonaro” ao centrar fogo em Lula e no PT. Em setembro, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, compartilhou uma fala de Ciro na qual ele associava o partido do ex-presidente à facção criminosa PCC.
“Aqui em São Paulo, meu irmão, a conexão dessa turma de vereadores do PT com empresa de ônibus e com o PCC já é muito mal cheirosa. Viraram uma organização criminosa em vários lugares do Brasil e eu tô dizendo isso com toda a clareza e com muita dor, não tenho prazer nenhum, mas nós não podemos entregar a Presidência da República e o governo de São Paulo pra essa gente. A não ser que agora a gente queira ensinar aos nossos jovens, aos nossos filhos, que roubar vale à pena”, disse o candidato do PDT em evento de campanha . Não há evidências de que haja uma relação entre Lula e o PCC.
Os ataques de Ciro também têm excedido o PT e atingido a esquerda em geral. Em entrevista ao Programa do Ratinho no SBT na terça-feira (20), ele associou que “ uma esquerda caviar ” da zona sul do Rio de Janeiro que fica “cheirando cocaína desbragadamente no Leblon” enquanto “fala de combater o fascismo” ao comentar temas de segurança pública. “Esquerda caviar” é uma expressão muito usada pela direita bolsonarista, em especial pelo polemista Rodrigo Constantino, que usou o termo como título de um livro de sua autoria.
Na sabatina do Estado de S. Paulo, ele disse que o PSOL é financiado pela Open Society, fundação do investidor húngaro-americano George Soros, alvo preferencial da extrema direita global. Os detratores de Soros nesse campo do espectro político afirmam que a reivindicação de direitos da população LGBTI+ e das mulheres e a promoção de pautas de diversidade racial fazem parte de uma conspiração patrocinada pelo capital financeiro .
A afirmação foi feita num momento em que, indagado sobre a sua posição a respeito do aborto, Ciro disse que a pauta era fruto de “ guerra híbrida ” e de “esquerdismo infantil”. O PSOL nega ser financiado por organizações ligadas a George Soros e afirma que vai processar o candidato do PDT.
Para entender melhor o que as falas de Ciro representam no atual momento político do candidato, o Nexo conversou com dois analistas políticos. São eles:
Guilherme Casarões Acredito que o Ciro se deixou levar pelo ressentimento. Em 2018, ainda houve uma possibilidade – no começo do processo eleitoral – de uma aliança entre Ciro, Lula e Haddad. Embora haja versões conflitantes dessa história, havia uma possibilidade de diálogo.
Nesses últimos quatro anos, PT e Ciro entraram em vários confrontos. Tenho a sensação de que o Ciro esperava ter um desempenho melhor, como uma terceira via de centro, ou centro-direita.
Mas o espaço da terceira via sempre foi muito estreito, isso fez com que o Ciro aumentasse o tom dos ataques contra o PT, porque nesse quadro de 2022 caberia a ele conseguir tirar votos do Lula. Isso fez ele perder a perspectiva do que está em jogo nessas eleições, porque qualquer ataque do Ciro ao Lula fortalece o Bolsonaro. De maneira meio desavisada, o pedetista acabou virando cabo eleitoral de Bolsonaro.
Me parece que esse momento diz muito da dificuldade do Ciro de achar um espaço político somado a um ressentimento enorme contra o PT, mesmo quando o Bolsonaro representa o polo oposto a todas as outras candidaturas.
Monalisa Soares É um momento muito dúbio para o Ciro. A medida que ele radicaliza as críticas ao Lula e ao PT, tentando conter a debandada do eleitorado progressista para o “voto útil”, ele também contribui para essa debandada, na medida em que esses discursos são muito desconexos ou conspiratórios.
Temos visto eleitores que votariam em Ciro dizendo que ele se perdeu em si mesmo, e que portanto, em nome do antibolsonarismo, elas vão votar no Lula em 2 de outubro. É uma estratégia de fio de navalha. Ao mesmo tempo em que Ciro tenta conter essa debandada, ele estimula essa fuga por parte do eleitor.
Guilherme Casarões Há dois grandes impactos políticos. O primeiro é que ele inviabiliza qualquer possibilidade de interlocução com a frente ampla que se mobilizou ao redor do Lula, da qual o Ciro não faz parte e não deve fazer parte.
Isso significa que mesmo que o PDT se junte ao governo Lula, o Ciro vai ter dificuldade de participar do arranjo, algo que deve colocar ele em rota de colisão com o próprio partido e até levar ele a sair dele.
O segundo impacto é que Ciro dificulta a própria chegada em 2026. Eu não vislumbro uma mudança drástica no cenário político nos próximos quatro anos em termos do tipo de polarização que se constituiu, provavelmente representada pelo próprio Bolsonaro ou por um dos filhos; e de outro lado uma campanha de sucessão natural do Lula.
O único lado em que o Ciro se coloca como alternativa real é se o Lula fizer um governo tenebroso, com um embate entre o Bolsonaro e uma outra via, mais próxima ao Lula, mas não aliada a ele. Agora, se o governo Lula fizer o feijão com arroz, colocando o Brasil nos trilhos, viabilizando um quadro de sucessão, o Ciro acaba tendo muito pouco espaço. Se ele não tivesse desgastado a relação com o PT da forma que insistentemente desgastou, pode ser que em 2026 ele fosse uma possibilidade para suceder o Lula.
Monalisa Soares O futuro político do Ciro tem muitas vias e possibilidades. Ele diz que essa seria sua última candidatura, mas ele já disse isso antes.
Considerando uma mudança de posicionamento em relação a ser a última candidatura, há analistas que têm visto essa atuação do Ciro na reta final como um cálculo estratégico dele de se posicionar como uma opção consistente para 2026, uma oposição ao ex-presidente Lula.
O que fica em aberto é se Ciro tem força política ou condições para ocupar esse lugar ou se outros grupos vão se articular para fazer isso.
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