Expresso

Como a xenofobia contra nordestinos se fortalece em eleições

Marcelo Montanini

06 de outubro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h45)

O preconceito contra quem vive ou vem do Nordeste brasileiro não é novidade na história do país, mas ganha intensidade durante as campanhas eleitorais

O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

FOTO: RICARDO STUCKERT/DIVULGAÇÃO

Lula em ato em Maceió (AL), em junho

Lula em ato em Maceió (AL), em junho

Após o resultado do primeiro turno das eleições de 2022, os nordestinos, que votaram massivamente no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), voltaram a ser alvos de xenofobia de eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais.

No Brasil todo, o petista recebeu no primeiro turno 48,4% dos votos e o atual chefe do Executivo, 43,2% – eles se enfrentam em um segundo turno no dia 30 de outubro. Lula venceu em todos os nove estados do Nordeste. A região foi também a que apresentou a maior diferença entre os candidatos: o ex-presidente teve 67% dos votos válidos e o atual, 26,8%. Depois da divulgação do resultado no domingo (2), diversas mensagens preconceituosas circularam nas redes sociais .

Fora das redes, Bolsonaro endossou na quarta-feira (5) o discurso preconceituoso associando analfabetismo na região ao desempenho de Lula, que rebateu dizendo que quem tivesse sangue nordestino não deveria votar no presidente.

O preconceito contra quem vive ou vem do Nordeste brasileiro não é novidade na história do Brasil, mas tem mudado a cada eleição desde 2010. Neste texto, o Nexo explica o que é xenofobia e conversa com dois especialistas para mostrar como o preconceito contra os nordestinos se repetiu ao longo de cada pleito no país.

Xenofobia à brasileira

Xenofobia é a aversão, preconceito ou ódio ao que vem de fora, ao diferente – normalmente, associado ao imigrante estrangeiro, mas também reproduzido no âmbito interno de um país. No caso brasileiro, aos nordestinos.

Esse preconceito contra o nordestino remonta aos anos 1920 e 1930, quando muitos cidadãos de diversos estados do Nordeste migraram para o Sudeste do país, sobretudo para São Paulo e Rio de Janeiro, em busca de oportunidades.

“Este preconceito tem fundo racial e se apoia no fato de parte das populações do Sul e do Sudeste se achar branca, descendente de europeu e ver o nordestino como um ser inferior, ‘cabeça chata’. Além disso, é contra o pobre, que seria aquele que não tem raciocínio ou vontade própria, que vive da exploração do restante do Brasil”, afirmou ao Nexo Durval Muniz de Albuquerque, professor de história da UFPB (Universidade Federal da Paraíba).

Essa aversão existe há anos e é propagada em diversas situações cotidianas, mas se exacerba em momentos de tensão, como no período eleitoral. “Esse preconceito é bem antigo e se reforça em momentos de tensão e conflito, como as eleições em que as diferenças ficam mais visíveis”, disse Albuquerque. A xenofobia é crime pela legislação brasileira.

Histórico da xenofobia nas eleições

Após a redemocratização, entre os anos 1980 e 1990, o Nordeste foi governado majoritariamente por partidos de direita, como o PFL (Partido da Frente Liberal), que deu sustentação à ditadura, e depois se tornou o Democratas, partido que fundiu com o PSL (Partido Social Liberal) para formar o União Brasil.

À época, a esquerda era associada à classe média e às áreas mais desenvolvidas e intelectualizadas, enquanto a direita tinha relação com a ideia do coronelismo e do autoritarismo, ao qual era associado o Nordeste.Albuquerque explicou que, naquela época, havia o discurso da esquerda nos centros urbanos do Sudeste associando o voto na direita à pouca educação – o mesmo discurso adotado hoje por apoiadores de Bolsonaro para criticar a esquerda – e a grande virada ocorreu com a ascensão de Lula à Presidência.

FOTO: FELIPE IRUATA/REUTERS

Eleitora de Lula beija imagem do ex-presidente em Salvador

Eleitora de Lula beija imagem do ex-presidente em Salvador

Lula se elegeu em 2002 com votação pulverizada pelo país e se reelegeu em 2006 com vitória em 20 dos 27 estados em todas as regiões, com exceção dos do Sul. A xenofobia contra os nordestinos passou a ser mais exacerbada a partir da eleição de 2010, quando a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) venceu com votação expressiva na região.

Naquela eleição, um caso ficou marcado, o da estudante de direito Mayara Petruso, que escreveu no Twitter: “Nordestisto [sic] não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado ”. Diante da repercussão, ela pediu desculpas , mas foi investigada e condenada por publicar mensagem preconceituosa contra nordestinos. A Justiça estabeleceu pena de um ano, cinco meses e 15 dias de prisão, que acabou convertida em prestação de serviços comunitários e pagamento de multa.

“A situação ficou muito mais acirrada com a primeira eleição de Dilma. Momento em que o PSDB, que representava o centro-democrático, com José Serra, radicalizou o discurso à direita, explorando pautas moralistas e a polarização regional. Pautas morais que hoje sustentam Bolsonaro”, afirmou Albuquerque.

O professor da UFPB avalia que o mensalão e as medidas do PT em prol das classes mais baixas da população e do Nordeste desagradaram as classes mais ricas e os representantes de outras regiões do país.

Em 2014, a reeleição de Dilma Rousseff também foi marcada por mensagens preconceituosas, associando o Nordeste à seca e à pobreza e os nordestinos à ignorância . Em 2018, quando Jair Bolsonaro (à época, do PSL) derrotou o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), houve mensagens depreciativas , chamando nordestinos de “pau de arara” ou associando à ignorância, e com apologia à violência.

Mensagens preconceituosas

Postagens preconceituosas pipocaram nas redes sociais após o primeiro turno de 2022.A advogada e vice-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Mulher de Uberlândia (MG), Flávia Moraes, postou um vídeo em tom ofensivo . “Nós geramos empregos, nós pagamos imposto e gastamos nosso dinheiro lá no Nordeste. Não vamos fazer isso mais, vamos gastar nosso dinheiro com quem realmente precisa e quem realmente merece. A gente não vai mais alimentar quem vive de migalhas”, declarou ela, ao lado de duas amigas com taças de vinho nas mãos.

A OAB Uberlândia alegou que a fala não reflete o posicionamento da instituição e informou que a advogada pediu licença do cargo.

Em Ouro Preto do Oeste (RO), uma dentista postou um vídeo no qual critica o voto dos eleitores nordestinos em Lula e afirmou que os demais estados sustentam a região. “Sobre o Nordeste votar ainda no Lula, eu acho que o Nordeste deveria parar para pensar que quem vai lá e sustenta o turismo somos nós brasileiros que trabalha [sic] de verdade ”, afirmou. “Quem já foi ‘turistar’ lá no Nordeste, vocês já viram como eles vivem, já viram a prostituição infantil?”

Já o influenciador bolsonarista Rodrigo Constantino publicou nas redes sociais uma imagem do mapa do Brasil, com a delimitação do Nordeste em vermelho e o nome “Cuba do Sul”. “Temos uma conclusão clara nessas eleições: a parte do país que mais recebe assistencialismo decide sobre a parte do país que mais produz para o PIB”, escreveu.

Governo Bolsonaro e eleição 2022

Os últimos quatro anos foram marcados por variados discursos de ódio do presidente e de seus aliados. Durante o mandato, Jair Bolsonaro deu declarações preconceituosas e reverberou algumas expressões depreciativas contra nordestinos, como “ cabeçudo ”, “paraíba” ou “ pau-de-arara ”. Ele também reforçou o estereótipo de população ignorante, que é manipulada, sobretudo por causa do programa social petista Bolsa Família. O presidente, por sua vez, substituiu o benefício pelo Auxílio Brasil e tenta usar o novo programa para se reeleger.

Na quarta-feira (5), ao comentar o resultado do primeiro turno em que perdeu em todos os estados do Nordeste, Bolsonaro associou o analfabetismo na região a um voto desinformado em Lula. “Lula venceu em nove dos dez estados com maior taxa de analfabetismo. Vocês sabem quais são os estados? No nosso Nordeste”, disse ele.

FOTO: ALAN SANTOS/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA/DIVULGAÇÃO

O presidente Jair Bolsonaro em agenda no Piauí em 2020

O presidente Jair Bolsonaro em agenda no Piauí em 2020

Lula rebateu a afirmação nesta quinta-feira (6): “Quem tem uma gota de sangue nordestino não pode votar nesse sujeito. Os nordestinos estão em todo o Brasil, trabalham e constroem esse país.”

Segundo Luís Felipe de Alencastro, professor de história econômica da FGV (Fundação Getulio Vargas), o bolsonarismo é o único movimento de extrema direita do mundo que não aplica a xenofobia contra o imigrante estrangeiro. Isso ocorre porque o movimento migratório no Brasil é insignificante, e o de venezuelanos é mais restrito a Roraima.

Alencastro destacou que o chefe do Executivo propaga esses discursos porque já observa a eleição perdida no Nordeste. “Bolsonaro está criando uma clivagem entre brasileiros, o que pode ser um tiro no pé”, afirmou ao Nexo .

As redes sociais também cumprem um papel relevante na radicalização do discurso. “Essa eleição está muito mais radicalizada em todos os sentidos. Não temos só discurso de ódio, mas pessoas sendo mortas”, disse o professor da UFPB. “As redes sociais cumprem o papel de confronto, injúria e ameaça.”

Em 2022, a radicalização dos discursos culminou em um maior volume de mensagens xenofóbicas na internet. Segundo a Safernet Brasil, houve um aumento de 67,5% na quantidade de denúncias de crimes de ódio na internet no primeiro semestre de 2022 em relação ao mesmo período de 2021.

Os crimes são de racismo, LGBTfobia, xenofobia, neonazismo, misoginia, apologia a crimes contra a vida e intolerância religiosa. Não há dados específicos sobre o Nordeste.

O professor da UFPB destacou que a mudança mais significativa no discurso xenofóbico contra nordestinos nessa eleição em relação às outras é a associação dessa população ao comunismo – antes, a associação mais comum era à ignorância ou a de que votava por comida. Para Albuquerque, esse é um “discurso anticomunista absolutamente anacrônico”.

NEWSLETTER GRATUITA

Nexo | Hoje

Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Gráficos

nos eixos

O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Navegue por temas