A intervenção de Bolsonaro na Petrobras para segurar preços
Marcelo Roubicek
22 de outubro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h47)Estatal acumula defasagem com mercado internacional, contrariando a política oficial da empresa. Especialistas ouvidos pelo ‘Nexo’ apontam relação com tentativa de reeleição do presidente
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Tanques da Petrobras em Brasília
O preço médio da gasolina na bomba subiu no Brasil na segunda semana de outubro pela primeira vez desde o final de junho. Esse movimento se deve aos aumentos nos preços promovidos por refinarias privadas . A Petrobras, por sua vez, não aumentou o preço, mesmo com a aceleração do petróleo no mercado internacional entre o fim de setembro e o início de outubro.
Diferentes veículos de imprensa relataram que o governo de Jair Bolsonaro (PL) – que disputa o segundo turno da eleição presidencial em 30 de outubro, contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – exerce pressão sobre a petroleira , a fim de que ela ignore a política de preços adotada em 2016 – que tem o preço internacional como referência – e evite novos aumentos antes de os brasileiros irem às urnas.
Neste texto, o Nexo mostra quais foram os movimentos nos mercados de petróleo e combustíveis que antecederam essa situação. E conversa com especialistas que avaliam que a Petrobras está segurando os preços – e que essa decisão provavelmente está ligada às eleições.
RECUPERAÇÃO
O petróleo vinha subindo desde meados de 2020, por causa da reabertura da atividade econômica após o tombo da pandemia de covid-19. A recuperação também contou com cortes de oferta pela Opep e seus aliados.
GUERRA
Em fevereiro de 2022, a invasão da Ucrânia pela Rússia fez o barril disparar no mercado internacional após o início da guerra na Ucrânia. A Rússia é uma das principais produtoras e exportadoras de petróleo do mundo.
ARREFECIMENTO
A partir de junho, o preço começou a arrefecer . Em setembro, o barril chegou ao menor nível desde o início de janeiro. O principal motivo para isso foi o temor de uma recessão global , em um cenário de inflação alta e juros elevados em diferentes partes do mundo. A perspectiva de uma atividade econômica mais lenta levou à queda do petróleo.
NOVA ALTA
Na virada de setembro para outubro de 2022, o petróleo voltou a subir. Isso aconteceu por causa da perspectiva de que a Opep+ – Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados, grupo que contém, ao todo, 23 países – diminuísse sua produção. Esse corte foi confirmado em 5 de outubro, e vale a partir de novembro. Em meados de outubro, o movimento de alta perdeu um pouco de força.
O petróleo é um dos elementos mais importantes que ajudam a compor o preço dos combustíveis no Brasil. Isso porque a Petrobras adota desde 2016 a política de acompanhar o movimento do barril no mercado internacional para definir os valores praticados nas refinarias.
Entre meados de 2020 e o início de 2022, foi a alta internacional do barril que levou o preço nas bombas a ficar bastante elevado. Mas a trajetória dos combustíveis no Brasil mudou a partir de meados de 2022. Houve uma queda do preço , causada por dois fatores principais.
O primeiro e mais importante foi a medida que obrigou os estados a reduzirem o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis, conta de luz e serviços de comunicação e transporte público. A lei foi articulada pelo governo de Jair Bolsonaro e aprovada pelo Congresso. Os estados aplicaram a determinação entre o final de junho e o início de julho, levando à queda expressiva do preço .
Além disso, o recuo do petróleo no exterior fez com que a Petrobras reduzisse os preços praticados nas refinarias. Foram quatro cortes na gasolina entre meados de julho e o início de setembro.
O gráfico acima mostra como os preços caíram a partir do final de junho, mas revela também um movimento de alta a partir de outubro. A semana que terminou no dia 15 de outubro registrou o primeiro aumento da gasolina desde o final de junho.
Essa alta aconteceu não por causa da Petrobras, mas sim por causa da Refinaria de Mataripe , na Bahia, a maior instalação privada do tipo no país. A estrutura – antiga Refinaria Landulpho Alves (ou RLam) – foi vendida pela Petrobras ao setor privado no final de 2021. Desde 2019, sob Bolsonaro, a estatal tem o plano de vender parte de suas refinarias de petróleo.
As refinarias privadas geralmente praticam preços de acordo com o mercado internacional. A Refinaria de Mataripe promoveu dois aumentos na gasolina e no diesel entre 10 e 17 de outubro.
A Petrobras, por sua vez, não fez mudanças. Segundo a Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis), a defasagem do preço da Petrobras com o mercado internacional em 19 de outubro de 2022 estava em 5% no caso da gasolina , e 12% no caso do diesel. Há disparidade entre os valores desde 29 de setembro, de acordo com a associação.
O gráfico abaixo, elaborado com dados compilados pelo Observatório Social do Petróleo , compara os preços da Refinaria de Mataripe com a média praticada pelas refinarias da Petrobras ao longo de 2022.
Diversos veículos de imprensa publicaram em outubro relatos de que o governo Bolsonaro tem pressionado a Petrobras a não subir os preços dos combustíveis antes do segundo turno das eleições. De acordo com o portal G1, o presidente até considera fazer trocas em diretorias da Petrobras para impedir novos aumentos .
Segundo relatório elaborado por economistas do Itaú BBA na terça-feira (18), a Petrobras usa uma metodologia diferente de outras instituições (incluindo a Abicom) para calcular a disparidade entre o preço interno e o preço externo. Isso ajudaria a explicar, em parte, o não ajuste.
Maurício Canêdo, professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e da FGV-EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas), disse que uma das formas de identificar se a Petrobras está cumprindo ou não sua política de paridade internacional é justamente olhando para a Refinaria de Mataripe.
“Toda vez que o preço da Petrobras estiver durante muito tempo muito descolado do preço dessa refinaria, é porque de alguma maneira a Petrobras não está seguindo essa paridade. É o que está acontecendo”, afirmou Canêdo.
O professor também disse que, por mais que a Petrobras precise seguir a política de preços que acompanha o mercado internacional, há uma brecha que permite segurar os preços: não há nenhuma regra escrita que diga qual é a periodicidade pela qual a empresa precisaria se adequar a esse parâmetro. Tampouco há um limite máximo numérico de defasagem que os preços podem atingir. “Sempre é possível alegar esse tipo de coisa. Mas é fato que o preço da Petrobras está descolado da paridade internacional há algum tempo”, disse Canêdo.
Logo da Petrobras, em rua na capital de São Paulo
Juliana Inhasz, professora de economia do Insper, disse que a frequência das decisões pela Petrobras é um sinal de que a empresa está segurando preços. Isso porque ao longo de 2022 – principalmente no primeiro semestre, quando o preço do petróleo explodiu no exterior – os ajustes eram feitos em intervalos pequenos de tempo. “Agora, a Petrobras aparentemente está dando mais fôlego [mais tempo] para o mercado antes de fazer eventuais reajustes. Então existe uma mudança de comportamento”, afirmou Inhasz.
Segundo a professora do Insper, a empresa também tem uma margem para atrasar aumentos de preços quando ela identifica que os movimentos do mercado internacional serão temporários. Mas Inhasz entende que, no segundo semestre de 2022, o aumento do petróleo deve ser duradouro por causa das condições de mercado. O que significa que a Petrobras não teria essa justificativa.
“A gente sabe que tem uma eleição daqui a duas semanas. Então muito provavelmente a diferença [com a paridade internacional] – durante muito tempo e numa magnitude muito grande – é uma escolha política”, disse Canêdo ao Nexo . Ou seja, o professor da Uerj e da FGV associou o movimento da Petrobras com o segundo turno do pleito presidencial. O não-aumento favorece Bolsonaro.
Inhasz, do Insper, seguiu essa mesma linha de raciocínio e disse que é possível que o aumento represado de preços aconteça logo depois das eleições de 30 de outubro.
“O aumento do preço do petróleo mexe muito nas cadeias produtivas. Reduz muito o poder de compra da população, piora as condições de bem-estar e piora as condições de produção. E acaba fazendo com que a economia cresça muito menos do que o esperado”, afirmou. Nesse sentido, a Petrobras seria mais uma frente de atuação de Bolsonaro para tentar criar, visando as eleições, a ideia de que a economia vai bem em 2022 – as projeções são de uma piora econômica em 2023 . De acordo com especialistas ouvidos pelo Nexo em 5 de outubro, a questão econômica ganha ainda mais relevância no segundo turno da corrida presidencial.
Bolsonaro em evento no Palácio da Alvorada, em Brasília
Esse tipo de intervenção, de acordo com Inhasz, não seria uma novidade do governo Bolsonaro. No governo de Dilma Rousseff (2011-2016), por exemplo, os preços de combustíveis também eram muitas vezes segurados artificialmente como forma de conter a inflação e incentivar a economia – mas isso gerou prejuízos bilionários para o caixa da estatal. Em especial, essa política marcou o ano de 2014 , no qual os preços foram represados para impedir um avanço inflacionário significativo no ano da tentativa de reeleição. A petista, que venceu o pleito, foi alvo de críticas de diferentes agentes políticos e econômicos.
Canêdo afirmou que medidas tomadas em anos recentes criaram uma barreira para tentar impedir que a Petrobras fosse apropriada por interesses políticos. Por exemplo, desde 2016 – ano do impeachment de Rousseff – a Petrobras passou a adotar regras de governança mais rígidas. O Congresso também aprovou a Lei das Estatais em 2016.
Mas, segundo o professor da Uerj e da FGV, o ano de 2022 foi marcado por iniciativas do governo Bolsonaro para burlar essa preoteção. Entre as ações, estão:
Canêdo usou uma metáfora pela qual essas ações representam furos em uma represa. E disse que a tendência é que a barreira quebre de forma definitiva num futuro próximo. Ou seja, na visão do professor, independentemente de quem vencer as eleições presidenciais, a Petrobras deverá ser alvo ainda mais intenso de interesses políticos a partir de 2023, colocando em xeque a política de preços de paridade internacional.
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