Expresso

A confusão criada em torno das inserções eleitorais de rádio

Isabela Cruz

26 de outubro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h47)

Bolsonaro diz que foi prejudicado nas transmissões. Relatório apresentado ao TSE tem problemas de metodologia, aponta dados errados e desconsidera atrasos da própria campanha, segundo empresas

O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS

Ministro do Supremo Alexandre de Moraes durante a cerimônia selagem de urnas que serão utilizadas nas eleições de 2022

Ministro do Supremo Alexandre de Moraes durante a cerimônia selagem de urnas que serão utilizadas nas eleições de 2022

O presidente Jair Bolsonaro convocou jornalistas na noite de quarta-feira (26) para dizer que está sendo prejudicado pelo Tribunal Superior Eleitoral. A fala ocorreu após o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, arquivar uma demanda da campanha à reeleição, que pedia uma investigação sobre uma possível falta de veiculação de propaganda eleitoral em inserções de rádio pelo Brasil.

Nas redes sociais, políticos e eleitores bolsonaristas usam a questão para pedir o adiamento do segundo turno, marcado para domingo (30). Candidato do PT ao Palácio do Planalto,Luiz Inácio Lula da Silva está à frente nas pesquisas de intenção de voto.

Neste texto, o Nexo explica como acontecem as inserções nas programações das rádios, as funções dos partidos e do TSE nesse processo, o que disse a campanha de Bolsonaro e como os argumentos apresentados foram contestados pelas rádios, pelo TSE e pelos fatos.

Como as inserções são feitas

A veiculação das peças de campanha no horário eleitoral gratuito e nas inserções ao longo da programação é regulada por uma resolução do TSE. Segundo o texto, o tribunal não tem qualquer função de fiscalização do que está sendo passado nas rádios e nos canais de televisão.

No âmbito da publicidade eleitoral, cabem ao TSE funções como realizar sorteio para definir a ordem de entrada de cada campanha nas programações, definir o tempo de propaganda a que tem direito cada uma delas, e convocar reunião para que se estabeleçam a metodologia de entrega dos materiais publicitários e os prazos para essas entregas.

A distribuição e a divulgação dos materiais, assim como o monitoramento desses fluxos, ficam a cargo da comunicação entre partidos, geradoras e emissoras (ou “pools” de emissoras). “Não é função do Tribunal Superior Eleitoral distribuir o material a ser veiculado no horário gratuito. São as emissoras de rádio e de televisão que devem se planejar para ter acesso às mídias e divulgá-las, e cabe aos candidatos o dever de fiscalização”, afirmou o TSE em nota. O Ministério Público Eleitoral também pode realizar essa fiscalização.

No caso da campanha presidencial, os partidos enviam as peças publicitárias para uma plataforma mantida pelo TSE e diretamente para as emissoras. As campanhas têm autonomia para traçar suas estratégias e orientar as empresas sobre os dias e a ordem de publicação dos materiais.

Os tribunais regionais também têm Coordenações de Fiscalização da Propaganda Eleitoral. Segundo Marcelo Weick, advogado eleitoral e professor de direito eleitoral da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), essas coordenações podem receber denúncias de qualquer cidadão, por exemplo contra atos de campanha irregulares. “Mas nunca tiveram como missão ficar escutando a programação de rádio e TV”, disse ao Nexo .

Como as inserções devem ser contestadas

Weick, da UFPB, afirmou ao Nexo ser “elementar” que as campanhas eleitorais majoritárias contratarem agências de publicidade, embutam nos contratos os serviços de “rádio escuta”, “TV fiscal” e de “degravação” das programações, para o controle das inserções nos veículos de comunicação.

“São as campanhas que gastam milhões em contratos com agências, inclusive para esse tipo de serviço. Seria absurdo atribuir isso ao TSE”, disse Weick. “Se uma campanha prefere investir em publicidade na internet em vez de investir em rádio escuta, é uma questão de estratégia, mas o que não dá para fazer é responsabilizar a Justiça Eleitoral por isso”, afirmou o advogado eleitoral.

Segundo ele, não é incomum que inserções deixem de ser transmitidas, e as campanhas tenham de apresentar uma representação contra a rádio ou a emissora de TV. Assim como também é frequente, segundo ele, que as campanhas optem por não mandar materiais para emissoras muito pequenas, que não tenham audiência significativa.

No caso de problemas na transmissão das inserções, precedentes do TSE afirmam que as representações dos partidos devem ser ajuizadas rapidamente, para que se evite o “armazenamento tático”, isto é, o acúmulo de inserções devidas na reta final da campanha – o que pode acabar favorecendo a campanha inicialmente prejudicada.

48 horas

é o prazo que o TSE costuma exigir dos partidos para apontarem erros nas inserções publicitárias a partir do momento em que deveriam ser veiculadas

O que a campanha de Bolsonaro alega

Na noite de segunda-feira (24), o ministro das Comunicações, Fábio Faria, afirmou, sem apresentar provas, que a campanha do presidente teria sido prejudicada por rádios de todo o país, especialmente no Nordeste, com 154 mil inserções a menos do que Lula, dos dias 7 a 14 de outubro.

No mesmo dia, a campanha de Bolsonaro acionou o TSE para tratar do assunto e pedir a suspensão completa das propagandas de Lula. A petição apresentada, porém, não chegava a mencionar o número de 154 mil inserções. Presidente do tribunal, o ministro Alexandre de Moraes determinou que a campanha apresentasse provas da alegação em até 24 horas.

Na tarde de terça (25), a campanha levou ao tribunal um relatório feito pela empresa Audiency Brasil Tecnologia, com análise de apenas oito das milhares de rádios que atuam no Brasil. As rádios citadas são de Pernambuco e da Bahia e, segundo o documento, favoreceram a campanha do PT com 730 inserções a mais do que a do PL.

As contestações ao material apresentado

Ao menos seis das oito rádios citadas no relatório apresentado pela campanha bolsonarista afirmam que atuaram regularmente e, entre outros pontos, atribuem a não veiculação de publicidades de Bolsonaro à própria campanha do PL, que não teria mandado os materiais no prazo combinado o que o comitê de campanha nega.

As rádios também apontam que os números e os horários das inserções apontados no relatório estão incorretos . Elas se disponibilizaram a oferecer os registros das transmissões feitas nos dias citados no documento.

Outro problema apontado por reportagens foi a própria metodologia do levantamento, que avaliou as rádios pelo que é transmitido em streaming (transmissão via internet), uma via que não se submete à regulamentação das frequências de rádio e tem programação diferenciada.

No caso da rádio Bispa FM, por exemplo, a agência Aos Fatos transcreveu áudios apresentados ao TSE e constatou que houve pelo menos 12 inserções de Bolsonaro a mais do que o documento do PL relata .

‘Possível cometimento de crime eleitoral’

Presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes considerou que o material apresentado pela campanha não traz nenhuma prova de fraude, mas somente dados aleatórios e parciais ”, e rejeitou a ação.

O ministro ainda tomou medidas para apurar se houve crime eleitoral, com a finalidade de tumultuar as eleições pouco antes da realização do segundo turno:

  • Acionou a Procuradoria-Geral Eleitoral , responsável pela formulação de denúncias
  • Determinou a instauração de procedimento administrativo dentro do TSE para investigar o uso de recursos do Fundo Partidário nessa ação
  • Incluiu o caso no inquérito que investiga a organizações de atos antidemocráticos (o chamado inquérito das milícias digitais), relatado por Moraes no Supremo Tribunal Federal

Como a demissão de um servidor entrou na história

A exoneração de um servidor do TSE publicada no Diário Oficial nesta quarta-feira (26) alimentou a narrativa bolsonarista de que há um complô contra a reeleição do presidente. Alexandre Gomes Machado, que afirma que trabalhava na coordenação do serviço de distribuição das propagandas eleitorais obrigatórias de rádio e TV, perdeu o cargo de confiança que tinha na Secretaria Judiciária.

O servidor, que procurou a Polícia Federal para falar sobre o caso, disse em depoimento que desde 2018 aponta que existiriam falhas de fiscalização e acompanhamento na veiculação de inserções da propaganda eleitoral, e atribuiu sua exoneração a isso. Disse que se sente vítima de abuso de autoridade.

Em nota, o TSE negou o que disse Machado, incluindo as supostas denúncias de “falhas de fiscalização”. Segundo o tribunal, a exoneração “foi motivada por indicações de reiteradas práticas de assédio moral, inclusive por motivação política, que serão devidamente apuradas”. Para o TSE, o depoimento de Machado foi uma “clara tentativa de evitar sua possível e futura responsabilização em processo administrativo que será imediatamente instaurado”.

“As alegações feitas pelo servidor em depoimento perante a Polícia Federal são falsas e criminosas e, igualmente, serão responsabilizadas”, consta na nota oficial. “Se o servidor, no exercício de suas funções, identificou alguma falha nos procedimentos, deveria, segundo a lei, ter comunicado imediata e formalmente ao superior hierárquico, sob pena de responsabilização”, diz o texto.

No depoimento à Polícia Federal, Machado afirmou que foi exonerado 30 minutos depois de comunicar à sua chefia que havia havia sido informado por e-mail pela rádio JM Online de que, de 7 a 10 de outubro, ela havia deixado de passar em sua programação 100 inserções da coligação de Bolsonaro.

A própria rádio afirmou em nota nesta quarta (26) que o problema se deveu à própria campanha do PL.No início do segundo turno das eleições presidenciais, os mapas e materiais de uma das campanhas [da de Bolsonaro] deixaram de ser enviados, afirmou a empresa, relatando também que procurou a Justiça Eleitoral mas não obteve resposta. A proprietária da rádio é Lídia Ciabotti, apoiadora engajada de Bolsonaro .

Não é a primeira vez que Alexandre Machado protagoniza as notícias de jornais. Em agosto de 2000, ele era jornalista do jornal Correio Braziliense e publicou uma reportagem, manchete do dia, que apontava um suposto esquema envolvendo o Banco do Brasil e o ex-secretário-geral da Presidência da República. A reportagem foi logo desmentida e, pela completa falta de apuração, foi considerada uma grande falha jornalística. No dia seguinte, o jornal reconheceu o tamanho do problema e publicou em sua capa: “O Correio errou”.

Bolsonaro convocou uma entrevista com jornalistas na noite de quarta (26). Ignorando o que disseram as rádios e o que mostraram reportagens sobre o caso, o presidente insistiu na tese de que o TSE está prejudicando sua campanha em favor da campanha de Lula.

“Está comprovado a diferenciação, o tratamento dispensado a outro candidato, que poderia até ter participação dele em algum momento [na questão das inserções]. Se o TSE não tinha nada a ver com isso, é incompreensível a demissão sumária desse servidor”

Jair Bolsonaro

presidente da República, em entrevista na quarta (26)

O cenário geral

O ataque às rádios começou na segunda-feira (24), um dia após o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), aliado de Bolsonaro, atirar com fuzil e jogar granadas contra policiais federais que tentavam cumprir um mandado de prisão contra ele, que já estava em prisão domiciliar. A ação de Jefferson foi considerada desastrosa pela própria campanha de Bolsonaro, que tentou se desvincular do petebista.

Pesquisas de intenção de voto apontam que o favoritismo de Lula aumentou recentemente, num cenário em que uma série de acontecimentos atingiram Bolsonaro. Entre eles, Bolsonaro disse que “pintou um clima” quando ele encontrou “meninas bonitinhas de 14, 15 anos”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também propôs desvincular os reajustes do salário mínimo da inflação, prejudicando a campanha bolsonarista.

Diante da possibilidade de derrota, que já se anuncia com a alta rejeição a Bolsonaro desde muito antes da campanha, o presidente tem feito várias investidas contra a credibilidade do processo eleitoral. Analistas políticos apontam que o presidente brasileiro segue o mesmo roteiro do que fez nos EUA seu aliado Donald Trump, que não aceitou a derrota nas urnas.

Nesse processo, Bolsonaro e aliados passaram 2021 e boa parte do ano eleitoral atacando, sem provas, o funcionamento das urnas eletrônicas e a integridade dos ministros do TSE. Ao terem resultado melhor do que o esperado no primeiro turno, passaram a atacar os institutos de pesquisa. As rádios foram mais um dos alvos.

ESTAVA ERRADO: A primeira versão deste texto informava que a campanha de Bolsonaro acionou na segunda-feira (25) o Supremo Tribunal Federal. Na verdade, uma ação foi apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral. A informação foi corrigida no dia 27 de outubro de 2022, às 19h46.

NEWSLETTER GRATUITA

Nexo | Hoje

Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Gráficos

nos eixos

O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Navegue por temas