Expresso

Como educar sobre a crise climática nas salas de aula

Beatriz Gatti

04 de novembro de 2022(atualizado 06/02/2024 às 10h59)

Especialistas falam ao ‘Nexo’ sobre a importância de crianças estudarem a crise do clima para além do atual currículo básico e defendem interdisciplinaridade no ensino do tema

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FOTO: RUSSELL CHEYNE/REUTERS – 19.OUT.2021

Criança segura cartaz em escola em Glasgow, na Escócia, com desenhos infantis de duas mãos segurando uma muda de árvore. Ao fundo, um mar e cinco montanhas em um cenário de fogo

Criança segura cartaz em escola em Glasgow, na Escócia, durante a COP26

As mudanças climáticas deixaram de ser apenas uma previsão científica e já se traduzem em eventos extremos cada vez mais frequentes. O aumento da temperatura do planeta e as emissões de gases do efeito estufa estão no centro de debates internacionais como a COP27, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) que acontece entre 6 e 18 de novembro em Sharm El Sheikh, no Egito, e conta com o engajamento de uma significativa parcela da juventude mundial.

Uma pesquisa online conduzida em 2021 pela organização não-governamental Plan International, dedicada ao desenvolvimento de crianças, questionou mais de 1.800 jovens de 15 a 24 anos sobre seu envolvimento com as mudanças do clima. Quase a totalidade deles, 98%, afirmaram estar preocupados com a emergência climática, mas 81% não sabiam onde encontrar informações sobre o tema e 44% não tinham conhecimento sobre o Acordo de Paris – tratado internacional que estabelece metas de controle do aquecimento global.

Neste texto, o Nexo traz a análise de especialistas sobre a importância da educação climática para crianças e adolescentes, mostra como o tema aparece no ensino brasileiro e dá exemplos de como escolas e professores podem incorporar o assunto nas salas de aulas.

Por que ensinar desde cedo

Crianças e adolescentes têm um papel importante nas ações imediatas e de longo prazo relacionadas aos efeitos das mudanças climáticas, na opinião de especialistas. “É fundamental incluir essa discussão dentro das escolas desde os níveis básicos, porque a criança vai ser o futuro cidadão e ela precisa saber que, para termos continuidade enquanto espécie, precisamos agir agora, e não daqui a 30 anos”, afirmou ao Nexo Daniela Resende de Faria, doutoranda em Ensino e História de Ciências da Terra na Unicamp e professora do ensino básico.

Uma forma de fazer isso é ensinar aos pequenos desde cedo que meio ambiente e clima só funcionam bem quando seus variados componentes estão interligados de maneira harmônica. “[Um bom caminho é] criar propostas educacionais que mostrem para as crianças a importância da natureza e da diversidade ao nosso redor e como nós dependemos delas e as influenciamos todos os dias”, disse ao Nexo Edson Grandisoli, diretor educacional do Movimento Escolas pelo Clima, voltado a conectar professores em prol da educação climática .

Outra ação que os especialistas defendem desde os primeiros anos escolares é a fusão de disciplinas em diferentes projetos. Segundo Grandisoli, que é professor do ensino básico há mais de 20 anos, existe nas escolas a impressão de que matérias como ciências, história e geografia não estão conectadas, mas todas se interligam de alguma forma.

O trabalho com diferentes frentes de conhecimento é elemento fundamental para o desenvolvimento de soluções contra as mudanças climáticas, de acordo com Daniela de Faria. “É preciso sempre buscar abordagens interdisciplinares para que logo cedo a criança perceba que a mudança do clima não é uma situação cuja resposta vai ser encontrada a partir de uma única área”, afirmou ela.

O tema no currículo brasileiro

A Política Nacional de Educação Ambiental, estabelecida em 1999 , posiciona o Brasil como um pioneiro na área. A lei que a regulamenta aborda em seus artigos justamente a valorização da multidisciplinaridade e o pluralismo de concepções pedagógicas, além de ressaltar as relações dependentes entre seres humanos e natureza.

Mas a única menção às mudanças climáticas no decreto foi incluída só no ano de 2022, como parte da Campanha Junho Verde. Dentre as ações previstas está o “debate sobre as mudanças climáticas e seus impactos nas cidades e no meio rural, com a participação dos Poderes Legislativos estaduais, distrital e municipais”.

Na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), homologada em 2018, a questão da crise climática também aparece de forma vaga: ao longo de suas 600 páginas , o documento cita o termo ‘mudanças climáticas’ apenas três vezes, sem grandes aprofundamentos.

Na avaliação de Daniela Resende de Faria, a BNCC contribui com a ideia de que o tema das mudanças climáticas se resume em poucas questões. “Dá ao aluno a impressão de completude, ou seja, é como se tudo que se tivesse para aprender acerca da mudança do clima estivesse no sexto ano do fundamental e na primeira série do ensino médio, e depois nunca mais se vê na vida”, disse. Daí a importância de estender a abordagem da questão ao longo dos anos escolares e expandi-la para além das ciências e geografia.

Como trazer para a realidade infantil

As crianças precisam saber que as mudanças climáticas já estão em curso. Mas também cabe aos adultos ensiná-las sobre os principais responsáveis pelas consequências climáticas e o que ainda é possível fazer para atenuá-los a partir de iniciativas individuais e principalmente coletivas, embora não seja mais possível evitar que aconteçam.

Ambos os especialistas acreditam que os desafios não estão exatamente na falta de conhecimento dos professores, mas na formação para o ensino específico da crise climática. Isto é, o que está em jogo não é exatamente o que ensinar, mas o “como”.

Foi nesse sentido de capacitação e troca de informação e conteúdo que surgiu o Movimento Escolas pelo Clima, em 2020, ainda durante a pandemia de covid-19. A iniciativa promove formações relacionadas à educação climática e já tem a participação de mais de 30 mil professores de 537 instituições públicas e privadas, que vão de creches a institutos de pesquisa.

“É uma possibilidade de estar em uma comunidade que quer aprender mais sobre mudança climática, e mais do que simplesmente aprender, criar caminhos para agir no enfrentamento da mudança climática”, disse Grandisoli. O projeto foi idealizado pela empresa Reconectta, que se dedica a programas de educação e sustentabilidade, e conta com o apoio de organizações do terceiro setor e governamentais como o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e o The Climate Reality Project Brasil.

Para Grandisoli, as escolas já desenvolvem projetos importantes para o meio ambiente, mas falta estabelecer a conexão com as mudanças climáticas. Sistemas de coleta de água da chuva, por exemplo, têm tudo a ver com o clima no que diz respeito aos ciclos hídricos e à importância do aproveitamento da água.

Ao falar com crianças sobre a crise clima e sua evolução ao longo do tempo, a dimensão do problema pode parecer muito abstrata e distante. Por isso, Daniela de Faria recomenda atividades que tragam o tema para uma escala local. “Envolver essa problemática com elementos do cotidiano das crianças torna o processo de aprendizagem muito mais significativo e motivadamente, e a criança tende a apresentar um maior índice de engajamento”, disse.

Um exemplo, para crianças que vivem em grandes cidades, é abordar as ilhas de calor. O conceito descreve que o centro da cidade é bem mais quente do que as áreas mais afastadas, o que pode ser percebido muitas vezes no deslocamento bairro-centro e vice-versa. “Com os efeitos antrópicos da mudança do clima, isso vai ser potencializado”, explicou a professora. “Se há cada vez mais asfaltamento e prédios e menos áreas verdes, então a tendência é que o centro se torne cada vez mais quente.”

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