Expresso

A agenda verde que o Brasil tenta aprovar durante a COP28

Marcelo Roubicek

29 de novembro de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h15)

Após Senado aprovar projeto de agrotóxicos criticado por ambientalistas, Executivo e Legislativo tentam acelerar matérias ligadas à mudança climática. O ‘Nexo’ explica quais temas são debatidos e o que pode mudar em cada um deles

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FOTO: TOM LITTLE/REUTERS – 04.SET.2023

Cerca de 20 turbinas eólicas posicionadas no mar.

Turbinas eólicas em alto-mar na Dinamarca.

Na reta final de 2023, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e o Congresso Nacional tentam avançar com pautas ambientais. A ideia é aprovar ao menos algumas das políticas a tempo da COP28 , a 28ª edição da conferência do clima das Nações Unidas, que acontece em Dubai (Emirados Árabes Unidos) entre 30 de novembro e 12 de dezembro.

O esforço pré-COP, no entanto, não impediu o Legislativo de seguir avançando com outras matérias criticadas por ambientalistas. É o caso do projeto de lei que flexibiliza a autorização para uso de agrotóxicos no Brasil, aprovado no Senado na terça-feira (28). O projeto segue para sanção presidencial.

Neste texto, o Nexo explica a tentativa de aprovar medidas no Congresso e mostra quais são os principais temas em discussão.

O Brasil na COP28

No mandato de Jair Bolsonaro (2019-2022), o governo brasileiro recebeu críticas de outros países por não combater o desmatamento na Amazônia. Segundo ambientalistas, o Brasil, na prática, se tornou um pária ambiental.

A participação brasileira na COP28 será marcada, portanto, como a primeira conferência climática após a troca de governo, além de a primeira do terceiro mandato de Lula. Em novembro de 2022, o petista — então presidente eleito — chegou a participar da edição realizada no Egito, não como representante oficial do governo federal brasileiro, mas sim como convidado de governadores .

FOTO: EMILIE MADI/REUTERS – 16.NOV..2022

Lula, de gravata com listras verdes e amarelas, fala ao microfone

Presidente eleito, Lula discursa na COP27, no Egito

Lula assumiu o poder em 2023 ostentando bandeiras de proteção ao meio ambiente, mas não sem contradições . Propostas como a de explorar petróleo na bacia da foz do Amazonas , defendida por alas do atual governo, têm recebido críticas de ambientalistas, que as comparam a projetos como a construção de Belo Monte , usina hidrelétrica erguida a partir do segundo mandato de Lula, em 2010, que deixou um rastro de destruição socioambiental e se tornou o pior legado do PT na área.

Além do chefe do Executivo, irão à conferência figuras importantes do Legislativo brasileiro, como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Lira, aliás, lidera a pressão para tentar aprovar rapidamente projetos ligados à pauta ambiental. O deputado e o governo querem chegar ao encontro com resultados para apresentar , segundo apuração do jornal O Estado de S. Paulo.

FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS – 18.ABR.2023

Lira de perfil. Veste terno

O presidente da Câmara, Arthur Lira, após reunião no Palácio do Planalto

No governo Bolsonaro, o presidente da Câmara ajudou a promover matérias de flexibilização das leis ambientais. Em 2023, o esforço de Lira em promover a agenda ambiental a tempo da COP28 ocorre em paralelo a discussões de pautas criticadas por ambientalistas.

Uma delas é a possível derrubada do veto ao marco temporal de demarcação de terras indígenas. Outra é o avanço do projeto que flexibiliza o uso de agrotóxicos no país. O texto foi aprovado no Senado na terça-feira (28) — como já havia passado pela Câmara no início de 2022, segue para sanção presidencial.

Entenda abaixo os principais temas em discussão no Congresso brasileiro às vésperas da COP28 e o que pode mudar no âmbito de cada um deles.

Hidrogênio verde

O QUE É

O hidrogênio verde é obtido a partir da eletrólise da água, processo químico em que a molécula de água é quebrada em hidrogênio e oxigênio por meio da passagem de corrente elétrica, num processo que não libera gases do efeito estufa. Nele, a fonte de energia da corrente elétrica é proveniente de matrizes renováveis, como a solar, a eólica ou a hidráulica. O gás hidrogênio resultante desse tipo de reação pode ser usado como combustível, principalmente em processos industriais.

O QUE O PROJETO MUDA

A Câmara aprovou na terça-feira (28) uma proposta elaborada pela Comissão Especial de Transição Energética e Produção de Hidrogênio da Casa. O texto cria o “marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono ”, ou seja, regula o mercado para incentivar o investimento privado nessa fonte de energia.

PRINCIPAIS PONTOS DE DISPUTA

Um dos principais pontos do debate na Câmara disse respeito ao tipo e tamanho dos incentivos que o governo daria para o setor de hidrogênio. O ministério da Fazenda se opôs à concessão de novos benefícios tributários, que acabaram ficando de fora do texto . Outros pontos de debate giraram em torno de temas como as regras que serão usadas para certificar a produção de hidrogênio verde; e as formas de classificação do hidrogênio de baixo carbono, que podem variar de acordo com as emissões envolvidas no processo de produção do gás. O texto ainda precisa ser analisado no Senado antes de seguir para sanção.

Eólicas em alto-mar

O QUE SÃO

As fontes eólicas usam os ventos para produzir energia elétrica, em processo feito por meio de turbinas eólicas, conhecidas também como aerogeradores. Trata-se de uma fonte limpa e renovável, importante no processo de descarbonização da matriz elétrica. As eólicas em alto-mar (offshores) são aerogeradores posicionados no oceano.

O QUE O PROJETO MUDA

O projeto em tramitação no Congresso — que já foi aprovado no Senado e aguarda análise da Câmara — cria o marco legal que servirá de base para que o Brasil passe a ter eólicas offshore. A ideia é dar segurança jurídica e abrir caminho para que o Brasil possa explorar o potencial de geração de energia elétrica com turbinas no alto-mar. No Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), já há 78 projetos com pedidos de estudo de impacto ambiental. A própria Petrobras já deu início a alguns desses processos.

PRINCIPAIS PONTOS DE DISPUTA

Um dos pontos de disputa diz respeito à questão ambiental : os impactos desse tipo de usina no alto-mar ainda são pouco conhecidos. Outro ponto diz respeito aos preços, uma vez que as eólicas offshores podem ter custo de produção de energia mais alto que as onshores. Por fim, relator na Câmara, o deputado Zé Vitor (PL-MG) incorporou em seu relatório mudanças vistas como jabutis — ou seja, sem relação com o tema central da proposta —, que incluem principalmente uma elevação do teto do preço da contratação de termelétricas a gás inserido na lei da privatização da Eletrobras , aprovada em 2021 . Associações de empresas com consumo intensivo de energia falam em aumento de custos na ordem de R$ 28 bilhões , que seriam repassados na conta de luz.

Mercado regulado de carbono

O QUE É

Mercados de carbono são espaços em que são negociados créditos de carbono, que, por sua vez, são cotas de emissão de gases do efeito estufa que podem ser compradas e vendidas por empresas e governos ( e até consumidores ). Na modalidade do mercado regulado de carbono, o governo distribui um número limitado de autorizações para poluir. Na prática, isso impõe uma espécie de teto, pelo qual cada empresa só poderá emitir uma determinada quantidade de gases. Se a empresa reduzir suas emissões e ficar abaixo do teto, ela pode negociar as permissões que sobraram para empresas que não conseguiram cumprir suas metas.

O QUE O PROJETO MUDA

O Brasil não tem ainda um mercado regulado de carbono. O projeto em discussão no Congresso, que já foi aprovado pelo Senado e aguarda análise da Câmara , estabelece a criação desse mercado no país. Isso inclui a limitação de emissões de alguns setores, principalmente entre empresas com nível maior de emissões. O tema é prioritário para o governo Lula.

PRINCIPAIS PONTOS DE DISPUTA

Quando foi aprovado pelo Senado, o texto excluiu do novo mercado regulado o agronegócio . O setor é diretamente responsável por cerca de um quarto das emissões brasileiras — isso sem contar que boa parte do desmatamento do país (responsável por cerca de metade das emissões) tem ligação com o avanço do agro. O argumento oficial para a exclusão do setor foi a dificuldade de mensurar suas emissões. Embora alguns pesquisadores da área concordem com a justificativa, outros criticam a retirada da agropecuária do texto, sob o argumento de que não faz sentido que as regras do novo mercado de carbono brasileiro não se apliquem sobre o principal setor emissor do país.

Biocombustíveis

O QUE SÃO

Biocombustíveis são combustíveis produzidos de biomassa não fossilizada. Ou seja, são fontes de energia que são produzidas a partir de matéria biológica e que podem ser substitutas de combustíveis fósseis. O principal exemplo é o etanol, que no Brasil é majoritariamente produzido a partir da cana de açúcar e que pode ser usado no lugar de produtos como a gasolina.

O QUE O PROJETO MUDA

Em setembro de 2023, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei apelidado de “PL do combustível do futuro”, com estímulo à produção de biocombustíveis . Um dos eixos da proposta é a criação do Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação, com meta de redução de 10% das emissões do setor de aviação até 2037, a partir da ampliação do uso do Combustível Sustentável de Aviação (biocombustível para aviões). O projeto também eleva o limite de mistura de etanol à gasolina vendida nos postos de 27,5% para 30% . O texto foi apensado a outras matérias que já tramitavam na Câmara sobre biocombustíveis.

PRINCIPAIS PONTOS DE DISPUTA

Um dos principais pontos de discussão sobre o projeto de lei é seu efeito sobre preços aos consumidores. Alguns pesquisadores do setor de combustíveis falam em risco de aumento dos valores nas bombas se ocorrerem choques, por exemplo, na produção da cana de açúcar. Outra questão levantada por pesquisadores é a necessidade de investimentos elevados para viabilizar a ampliação da produção de biocombustíveis, com necessidade, em alguns casos, de adaptação de tecnologia. Há ainda outros pontos debatidos por ambientalistas, como o possível incentivo à monocultura de produtos como cana e soja e eventuais riscos de expansão predatória ligada a eles.

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