Qual o papel de casas de acolhimento para pessoas LGBTI+
Mariana Vick
07 de dezembro de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h15)Novo programa do governo federal busca oferecer abrigo provisório a lésbicas, gays, bissexuais, transgênero e travestis, entre outros. Objetivo é responder a quadro de vulnerabilidade desse grupo no Brasil
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Parada do Orgulho no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro
O governo federal criou nesta quinta-feira (7) um programa voltado a casas de acolhimento para a população LGBTI+. A política busca oferecer abrigo provisório a lésbicas, gays, bissexuais, transgênero e travestis, entre outras pessoas da comunidade. A iniciativa é do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Presentes em cidades como São Paulo, Salvador e Florianópolis, as casas de acolhimento estão em vários pontos do Brasil. Geridos por governos locais ou por organizações da sociedade civil, e spaços como esses se multiplicaram nos últimos anos. A acolhida busca responder ao quadro de vulnerabilidade que pessoas LGBTI+ vivem no país.
Neste texto, o Nexo explica o que são casas de acolhimento para pessoas LGBTI+, qual a sua importância para essa população e o que propõe o novo programa do governo federal. Mostra ainda quais são as avaliações sobre a política pública anunciada e quais são os desafios para sua implementação em âmbito nacional.
A iniciativa lançada nesta quinta (7) define como casas de acolhimento os espaços que fornecem condições de moradia , mesmo que provisória, para pessoas LGBTI+ em iminência ou em situação de rompimento de vínculos familiares. O ambiente deve ser seguro, podendo operar como abrigo institucional (casa) ou república. A alimentação e a higienização dos moradores também devem ser garantidas.
Dois homens se beijam durante a Parada LGBT de 2010 na avenida Paulista, em São Paulo
Conjunto de espaços como esses inclui a Casa 1 , criada em 2017 em São Paulo, a Casa Miga , fundada em 2018 em Manaus, e a Casa Nem , localizada no Rio de Janeiro. Todas são geridas por integrantes da sociedade civil e se mantêm por meio de doações, financiamento coletivo ou apoio institucional. Também há casas operadas pelo poder público, como a de Belo Horizonte .
A diversidade de acolhidos e o atendimento personalizado são duas marcas desses espaços. “Tem homens gays, mulheres lésbicas, pessoas trans, não binárias. Cada indivíduo é formado por uma gama de questões, que não podem ser tratadas de forma homogênea”, disse ao Nexo Artur Duarte, mestre em arquitetura e urbanismo pela USP (Universidade de São Paulo) com dissertação sobre a Casa 1. Vários centros atendem a um número reduzido de pessoas para priorizar a qualidade do serviço.
As casas de acolhimento se popularizaram nos últimos anos diante da situação da população LGBTI+ no Brasil. A atual visibilidade das minorias sexuais e a revelação cada vez mais precoce de identidades sexuais e de gênero resultam com frequência na expulsão de jovens de casa. A ruptura ocorre antes de sua emancipação financeira, o que os põe em situação de vulnerabilidade.
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pessoas LGBTI+ foram assassinadas no Brasil em 2022, segundo levantamento da organização Grupo Gay da Bahia; índice do país é o maior do mundo
“A idade em que a população LGBTI+ se torna vulnerável é muito anterior à idade das pessoas heterossexuais”, segundo Duarte. “Há uma particularidade nisso, porque pessoas mais jovens têm menos redes de apoio. Jovens expulsos de casa têm muito mais chances de chegar à situação de rua.”
Quando essas pessoas não são expulsas, os conflitos familiares podem se tornar tão intensos que elas podem decidir sair de casa, mesmo sem apoio. “Quando conseguem acessar os centros de acolhida públicos, muitas vezes passam por novas situações de violência e discriminação”, afirmou ao Nexo Fernanda Farias, diretora da Casa 1. Várias ainda “migram” com frequência (da casa de padrinhos, namorados, ficantes etc.) sem ter realmente onde ficar.
Para os moradores
A passagem por casas de acolhimento pode trazer impactos positivos para pessoas LGBTI+, segundo Duarte. Moradores recebem apoio para descobrir ou compreender sua sexualidade, acessar equipamentos públicos (como unidades de saúde), concluir os estudos e buscar um emprego. Há ainda quem consiga se reaproximar da família depois de conflitos anteriores.
Para o entorno
Há também impactos no entorno. Para Duarte, as casas de acolhimento “normalizam” a presença LGBTI+ nos bairros onde estão instaladas e contribuem para a convivência harmônica entre diferentes grupos. Espaços que realizam cursos e eventos, por exemplo, também beneficiam a vizinhança ao oferecer atividades para quem não é morador, além de transmitir uma mensagem positiva sobre a população LGBTI+.
Chamado de Acolher+, o programa criado nesta quinta (7) pelo governo federal busca criar novas casas de acolhimento e fortalecer as que já existem no Brasil. A iniciativa faz parte de um pacote de medidas do Ministério dos Direitos Humanos para enfrentar a violência contra a população LGBTI+. A política busca beneficiar:
A proposta do programa é fornecer moradia provisória, não permanente. A implementação de novas casas deve ocorrer em parceria com municípios, estados e outros territórios do Brasil. Para a distribuição de vagas, haverá prioridade para pessoas prejudicadas por questões de raça e etnia, território, classe, gênero, idade, religiosidade e deficiência.
As casas devem fornecer alimentação para pessoas LGBTI+ não residentes. Os serviços não vão substituir os de outros equipamentos de assistência social. A ideia é que os centros de acolhida estabeleçam diálogo com esses espaços, encaminhando à rede pública as pessoas elegíveis para programas sociais.
A iniciativa do governo federal era aguardada pelas casas de acolhida. Farias afirmou que, antes de seu lançamento, o Ministério dos Direitos Humanos havia realizado em setembro o 1° Encontro Nacional dos Centros de Referência LGBTQIAPN, a fim de ouvir os representantes desses espaços. Para ela, a consulta à sociedade civil deu concretude ao programa.
Duarte também elogiou a medida. O arquiteto destacou a proposta do governo de fortalecer os atuais centros de acolhimento, em vez de apenas criar novos. Segundo ele, os gestores públicos podem “usar a expertise desses equipamentos”, inclusive os geridos pela sociedade civil, “para desenvolver melhor as novas casas”.
Manifestantes em Parada LGBTI em julho de 2018, em Brasília
Ambos, porém, falam que há desafios para implementar a medida. Para Duarte, será preciso criar métricas de avaliação da política pública que ainda não existem nas atuais casas de acolhimento, já que esses equipamentos, em geral, não se guiam por números. Farias, por outro lado, disse se preocupar com a continuidade da iniciativa:
“Penso que um dos maiores desafios é como garantir a continuidade do programa em eventuais mudanças de governo. O enfrentamento de violências e as mudanças sociais necessárias requerem tempo e um trabalho contínuo e multidisciplinar, que não pode ser encerrado a cada quatro anos e que deve contar com a participação de diversas frentes”
Para eles, também é preciso adotar outros tipos de medidas junto com a implementação de novos centros. “Pensar saúde clínica e mental, acesso à cultura e à educação, empregabilidade, convívio social, segurança alimentar, são pontos de extrema importância”, disse Farias. Já Duarte afirmou que é necessário mais preparo dos equipamentos públicos para atender à população LGBTI+.
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