Como ajudar crianças a lidar com o trauma da tragédia no Sul
Mariana Vick
22 de maio de 2024(atualizado 23/05/2024 às 19h11)Desastre climático expõe crianças e adolescentes a medos e estresse. Entidades e profissionais da saúde divulgam orientações sobre como identificar sinais de vulnerabilidade e o que fazer
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Homem resgata menino durante chuvas em Porto Alegre (RS)
A tragédia no Rio Grande do Sul tem causado sérios impactos em crianças e adolescentes. Esses são os dois grupos mais afetados por desastres ambientais como o de agora, segundo o Unicef (Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância). Medos e traumas estão entre os efeitos colaterais da situação.
A exposição ao estresse prolongado pode afetar o desenvolvimento infantil. Entidades como o Unicef e profissionais da saúde têm divulgado orientações sobre o que fazer com crianças e adolescentes com sinais de trauma. O cuidado pode prevenir danos mais graves no atual contexto, que tende a se estender nas cidades gaúchas.
Neste texto, o Nexo explica o que o desastre de agora pode causar em crianças e adolescentes, quais são os sinais de trauma nesse grupo e o que fazer para lidar com a situação. Mostra também quais são as iniciativas de abrigos e escolas no Rio Grande do Sul, onde parte das unidades de ensino já voltou às aulas.
A tragédia no Rio Grande do Sul pode provocar em crianças e adolescentes o chamado estresse tóxico, segundo o Unicef. Esse tipo de situação ocorre quando alguém é exposto aos hormônios do estresse por muito tempo. Por permanecerem no organismo por um período prolongado, esse hormônios acabam ficando tóxicos.
Pessoas tentam passar por área alagada em Encantado, no Rio Grande do Sul
O estresse tóxico em crianças costuma estar associado a necessidades não atendidas. Essas necessidades podem incluir tanto a de comer como a de ter interações positivas com outras pessoas, por exemplo. Crianças sob estresse tóxico podem ficar irritadiças e apáticas e perderem peso, segundo um vídeo do Unicef sobre o tema.
Além de causar esses sintomas, a exposição ao estresse tóxico causa danos às sinapses cerebrais — o que prejudica o desenvolvimento infantil. Crianças e adolescentes expostos a esse estresse costumam viver sob condições muito difíceis, como de violência ou negligência. Desastres também podem causar esse efeito, por conta das perdas que costumam acarretar.
Nem sempre crianças ou adolescentes falam de forma direta sobre o trauma que um evento como o desastre no Rio Grande do Sul pode ter causado a eles. Em vários casos, na verdade, os mais novos ocultam esse tipo de sentimento, demonstrando-o por meio de sinais sutis. Pais e responsáveis, portanto, devem se atentar neste momento para o comportamento de quem está sob seus cuidados.
Além dos sintomas conhecidos de estresse tóxico (como irritação, apatia e perda de peso, segundo o Unicef), situações como a do Rio Grande do Sul podem causar mudanças no sono, segundo profissionais da área. Pode haver também uma pausa nas brincadeiras — algo possivelmente associado à tristeza. E há, ainda, casos em que as crianças ficam mais quietas e “dóceis”, por perceberem que o ambiente está sobrecarregado.
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crianças e adolescentes estão em abrigos gaúchos, segundo dados do site oficial SOS Enchentes atualizados na segunda-feira (20); pessoas perderam casas, rotina, pertences e talvez entes queridos
Depois do primeiro momento, é possível que os mais novos se expressem na forma de birras. É importante que os adultos tenham tolerância nesse momento. O Unicef listou orientações para apoiar mães, pais e cuidadores no acolhimento e no cuidado de crianças e adolescentes afetados pelas chuvas nas cidades gaúchas:
O que fazer nesses casos
Conversa
Explique, de forma real e simples, o que está ocorrendo, evitando mentir ou dizer que aquela situação não vai acontecer de novo. Pergunte também o que a criança sabe sobre o que está acontecendo e ouça com atenção o que ela tem a dizer. Se a criança não quiser conversar, não pressione.
Rotina
Tente retomar, na medida do possível, uma rotina com a criança, procurando proporcionar espaços onde ela possa brincar com outras pessoas da idade dela. Estimule ela a pintar, ouvir música e brincar.
Choro
Caso a criança chore, não peça para parar ou reprimir suas emoções. O choro é considerado uma forma saudável de descarga emocional, segundo o Unicef.
Apoio
Ajude crianças a identificarem apoios em suas vidas, como amigos ou familiares. Incentive a reflexão sobre como conseguiram lidar com situações de dificuldade do passado, afirmando a habilidade que têm de lidar com a situação atual. Crie oportunidades para que todos se sintam parte das soluções, inclusive crianças e adolescentes com deficiência.
Evacuações e abrigos
Em caso de evacuação, explique às crianças brevemente o que vai acontecer. Se as condições permitirem, deixe que elas fiquem com um objeto especial, como um brinquedo. Se estiver em abrigos, veja se é possível reservar um espaço em que elas possam brincar em segurança.
Autocuidado
Lembre-se de que você também está sob estresse emocional. Cuide-se para poder dar o apoio necessário às crianças — tente compartilhar o que você sente com outras pessoas. Quando conversar com a criança, procure manter a calma e respirar, pois elas sentirão o mesmo que veem em você.
Voluntários têm ido a abrigos emergenciais com a presença de crianças para tentar entretê-las no meio da tragédia. Brincadeiras, oficinas de música e sessões de cinema infantil estão entre as atividades propostas nesses espaços. Essas interações são importantes para acolher e estabelecer uma rotina para as crianças, além de dar a elas oportunidades de exercitar a imaginação.
Atividades lúdicas também têm sido priorizadas em escolas no Rio Grande do Sul. Mais de 76% das unidades de ensino da rede estadual voltaram a receber estudantes na segunda-feira (20), depois de o governo ter suspendido as aulas para todas as turmas em 1º de maio. O calendário também foi retomado na rede municipal de Porto Alegre.
Homem ajuda a limpar área destruída pelas chuvas em Muçum, no Rio Grande do Sul
Já a Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul lançou uma ação nos primeiros dias da tragédia pedindo doações de brinquedos para crianças vítimas das enchentes. A campanha “Criança tem de brincar” busca lembrar o papel das brincadeiras para o desenvolvimento infantil. Jogos, livros de colorir e canetinhas estão entre os itens que podem ser enviados.
Psicólogas também escreveram e disponibilizaram livros infantis para ajudar as crianças gaúchas a compreender a tragédia no estado, além dos sentimentos que a situação tem desencadeado. Estão entre eles o texto “Vicente e a enchente”, de Marina Fim de Campos, e “E a chuva…”, de Sabrina Fuhr. O acesso a ambos é online e gratuito.
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