Como as big techs podem se beneficiar do alinhamento a Trump
Marcelo Montanini
08 de janeiro de 2025(atualizado 15/01/2025 às 19h02)Líderes das companhias gigantes da tecnologia passaram a se aproximar de republicano. Postura contrasta com o que foi o primeiro mandato do presidente eleito, que toma posse em 20 de janeiro
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Donald Trump durante entrevista a jornalistas
Mark Zuckerberg, presidente-executivo da Meta, anunciou na terça-feira (7) o encerramento da política de checagem de fatos e uma mudança na moderação de conteúdo de temas políticos e culturais das plataformas da empresa nos EUA.
A decisão do dono do WhatsApp, Facebook, Instagram e Threads marca um alinhamento a Donald Trump. O presidente eleito dos EUA e os apoiadores de extrema direita são críticos às regulações das redes sociais, sob o argumento de defesa da liberdade de expressão para justificar a propagação de desinformação e de ofensas.
Neste texto, o Nexo relembra a postura do Facebook e de outras redes sociais desde a primeira eleição de Trump, fala sobre as pressões que as big techs têm sofrido e explica a mudança de postura em relação ao segundo governo do republicano.
Em 2016, após a eleição de Donald Trump para seu primeiro mandato como presidente dos EUA, o Facebook sofreu pressão política. A plataforma foi acusada de ser leniente e de ter ajudado o republicano, num escândalo envolvendo também a agência Cambridge Analytica, que trabalhou na campanha de Trump.
A Cambridge usou indevidamente dados de milhões de usuários do Facebook, se aproveitando da política de cessão de dados para fins acadêmicos, para direcionar publicidade política. A plataforma também passou a ser criticada por se tornar um canal de propagação de desinformação, sobretudo de conteúdo político.
Em 2018, Zuckerberg admitiu erros na proteção de dados dos usuários. Desde então, a plataforma começou a estruturar um arcabouço de moderação de conteúdo, restringindo a cessão de dados de usuários e moderando conteúdo, em parceira com empresas de checagem de fatos.
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O X (à época, Twitter) também moderou seus conteúdos. Em 2020, sob a gestão de Jack Dorsey, a rede social passou a verificar as publicações de Trump, que ameaçou fechar a empresa.
Houve também atritos entre Trump e Jeff Bezos, dono da Amazon e do jornal americano The Washington Post. Durante o primeiro mandato, o republicano criticou a Amazon e a cobertura do Post. Bezos alegou, num processo judicial, que a hostilidade do então presidente contra a empresa prejudicou suas chances de obter um contrato bilionário com o Pentágono.
Em 2020, Zuckerberg, Bezos, Tim Cook, da Apple, e Sundar Pichai, da Alphabet (dona do Google), participaram de audiências no Congresso americano no âmbito de uma investigação sobre a influência dessas empresas, suas práticas de negócios e a relação com seus concorrentes.
O debate ocorreu em meio às críticas de Trump de que essas empresas eram alinhadas às ideias progressistas e usaram seu domínio para reprimir visões conservadoras, sobretudo o Facebook.
Em 7 de janeiro de 2021, o Instagram e o Facebook suspenderam os perfis de Trump por entenderem que o político estimulou a invasão do Capitólio, que ocorreu um dia antes e deixou, pelo menos, cinco mortos. “Acreditamos que os riscos de permitir que o presidente Trump continue usando os nossos serviços durante esse período são simplesmente muito grandes”, disse Zuckerberg, ao anunciar a decisão.
O X (à época, Twitter) também seguiu a medida no dia seguinte pelo “risco de mais incitação a violência”.
Diante disso, ainda em 2021, Trump criou a sua rede social, a Truth Social. Para, segundo ele, “enfrentar a tirania das ‘gigantes da tecnologia’” que o silenciava na internet.
Nos últimos anos, a pressão sobre as big techs aumentou nos EUA, onde, aliás, continua por parte do Congresso e do governo do democrata Joe Biden, que pressionou por leis para diminuir o poder das gigantes da tecnologia, sem sucesso. O Departamento de Justiça americano abriu investigações antitruste contra diversas big techs.
Não ficou só lá. Em 2022, a União Europeia aprovou a Lei de Mercados Digitais, que regulamenta a atividade de gigantes da tecnologia e da concorrência entre elas no bloco europeu, que entrou em vigor em 2024.
A legislação define regras para companhias que têm mais de 45 milhões de usuários na União Europeia, como Apple, Alphabet (controladora do Google), Amazon, ByteDance (controladora do TikTok), Meta (WhatsApp, Instagram, Facebook e Threads) e Microsoft.
Essa regulação é onerosa para as plataformas, que, entre outras coisas, precisam contratar equipes em diversos países diferentes com idiomas diferentes para moderar conteúdos e elaborar relatórios detalhados. O não cumprimento das regras pode acarretar em multas pesadas de até 10% da receita anual da empresa. Diante disso, as empresas se opuseram fortemente contra a medida.
A lei é considerada uma das mais avançadas no mundo em relação à regulação de plataformas digitais. E inspirou o PL das Fake News no Brasil, que está parado na Câmara dos Deputados, sem perspectiva de tramitação e tampouco de aprovação.
O projeto de lei, que visa regular as plataformas no país, é criticado por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro que dizem que a proposta tolhe a liberdade de expressão. Muitos desses bolsonaristas são investigados por disseminar desinformação.
O STF (Supremo Tribunal Federal) tem atuado contra a desinformação e o discurso de ódio. O ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, tem sido criticado por bolsonaristas por sua atuação, com pedidos de remoção de perfis e conteúdos que espalhavam desinformação e atacavam a democracia.
Em 2024, Musk encabeçou uma ofensiva contra Moraes por causa de decisões que ordenavam o bloqueio de contas por conteúdos antidemocráticos no X – plataforma comprada pelo empresário em outubro de 2022. O bilionário acusou o ministro de censura e ameaçou descumprir decisões judiciais, dizendo defender a liberdade de expressão de forma irrestrita — um discurso que não condiz com a relação que ele mantém com países considerados autocráticos nos quais tem negócios, como China e Arábia Saudita.
O ministro abriu investigação contra o bilionário e bloqueou as contas de outra empresa dele, a Starlink. O CEO do X recuou.
“A Europa tem um número cada vez maior de leis institucionalizando a censura e dificultando a inovação”, afirmou Zuckerberg, na terça-feira (7). “Países da América Latina têm tribunais secretos que podem ordenar que empresas removam conteúdos de forma silenciosa.”
Musk foi o primeiro a se alinhar a Trump em 2024. O bilionário entrou de cabeça na campanha, criando comitês para arrecadação de recursos, financiando e até doando dinheiro para ajudar o republicano, sob a justificativa de coletar apoio para um abaixo-assinado em defesa da liberdade de expressão e do direito às armas — bandeiras do republicano e já contempladas na Constituição americana.
Alinhado à extrema direita mundial, Musk comprou o Twitter em outubro de 2022 e rebatizou de X. Removeu os selos de verificação, encerrou a moderação de conteúdo e reativou a conta de Trump na rede. Os perfis do republicano no Instagram e no Facebook também foram desbloqueados em janeiro de 2023.
Zuckerberg evitou, no primeiro momento, envolver-se na campanha, mas acabou contribuindo com a campanha do republicano, em meio à crescente perspectiva de vitória de Trump, mesmo que com margem estreita.
Mark Zuckerberg durante anúncio de mudança na política de checagem e moderação das redes sociais da Meta
Em 2 de janeiro, a Meta substituiu o liberal britânico Nick Clegg pelo republicano Joel Kaplan como presidente de assuntos globais da empresa. Na segunda-feira (6), anunciou Dana White, presidente do UFC (Ultimate Fighting Championship), para o conselho diretor da empresa. Kaplan e White são aliados de Trump.
As alterações em cargos da empresa e o anúncio de Zuckerberg de alterar a política de moderação com os argumentos usados comumente por extremistas de direita sinalizam uma alinhamento da empresa ao novo governo americano.
Após a vitória, Trump recebeu num jantar em sua residência em Mar-a-Lago, na Flórida, os empresários Tim Cook, da Apple, Sam Altman, da OpenAI, além de Zuckerberg, Musk e Bezos.
US$ 1 milhão
foi a quantia que Amazon e Meta doaram, cada, para a posse de Trump, em 20 de janeiro
Com exceção de Musk, a postura dos líderes das gigantes da tecnologia nesse momento contrastam com a adotada no primeiro mandato de Trump, quando alternaram entre a cautela e a crítica ao republicano. O CEO do X vai comandar o Departamento de Eficiência Governamental, um comitê consultivo com o objetivo de reduzir os gastos do governo.
Elon Musk e Donald Trump em ato de campanha do republicano na Pensilvânia
“O anúncio da Meta soa como o início de um novo capítulo no debate sobre regulação das redes, moderação de conteúdo e, em última instância, sobre as relações entre política e tecnologia”, disse ao Nexo Carlos Affonso de Souza, professor da Faculdade de Direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade).
Segundo o jornal britânico Financial Times, esses CEOs esperam uma postura mais permissiva do presidente eleito nos negócios. Todas essas empresas enfrentaram investigações e pressões regulatórias durante todo o governo Biden. Trump prega menos regulação e um alinhamento a ele pode representar, para esses empresários, que algumas dessas investigações sejam arquivadas.
Também representa um potencial suporte para defender seus interesses em outros países, como o próprio Zuckerberg evidencia em seu anúncio. “Vamos trabalhar com o presidente Trump para resistir a governos ao redor do mundo que estão perseguindo empresas americanas e pressionando por mais censura”, disse o CEO da Meta.
“O anúncio que Zuckerberg fez é que a partir desse momento vai haver um alinhamento entre essa postura da empresa que já existia de defender seus interesses econômicos com uma retórica de defesa da liberdade de expressão mais característica desses grupos de direita e com posição mais dura do Departamento de Estado americano, que vai defender o interesse das suas empresas”, avaliou Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas da USP (Universidade de São Paulo), ao podcast O Assunto.
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