
Fachada do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações)
Os 40 anos de um marco da redemocratização brasileira – a posse do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar – têm uma dupla importância para a comunidade científica do país. Naquele 15 de março de 1985, foi incorporado ao governo o Ministério da Ciência e Tecnologia, com a missão de planejar e coordenar programas e iniciativas federais para a área até então dispersa em diferentes órgãos e esferas. Hoje denominado MCTI, após o acréscimo da Inovação a seus propósitos 14 anos atrás, a pasta desempenhou um papel na institucionalização de políticas públicas em seus campos de atuação, mesmo enfrentando hiatos frequentes de financiamento e terremotos em sua estrutura organizacional (em ocasiões diferentes, foi rebaixado a secretaria e se fundiu às pastas da Indústria e Comércio e das Comunicações).
A rotatividade dos dirigentes também foi alta. Na galeria de titulares da pasta, há 25 retratos e 15 deles ficaram um ano ou menos no cargo. Mas uma máquina burocrática robusta, que atualmente tem 5.982 funcionários, consolidou-se ao longo da trajetória do MCTI para cuidar de múltiplas atribuições. O ministério patrocina desde a ciência básica até projetos de inovação em empresas por meio de duas agências de fomento, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Também é integrado por 18 unidades que empregam cientistas ou fornecem infraestrutura para o trabalho deles, a exemplo do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC). Sob seu guarda-chuva, há ainda duas autarquias, a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), além de órgãos colegiados como a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), e a empresa Ceitec, que desenvolve e fabrica semicondutores.
Recursos do ministério financiaram a construção de instalações científicas, como o laboratório de luz síncrotron Sirius, e há previsão de que viabilizem, nos próximos anos, projetos como o do laboratório de biossegurança máxima Orion e o do Reator Multipropósito Brasileiro, um centro de produção de radioisótopos e traçadores para a agricultura, entre outras atribuições. O orçamento do MCTI em 2025, aprovado pelo Congresso em 19 de março, será de R$ 13,7 bilhões, maior do que o de 2024 – mas com um corte de R$ 3 bilhões em relação ao proposto no projeto de lei orçamentária. O patamar é semelhante ao executado entre 2010 e 2015, um bom momento do financiamento à ciência no Brasil – e bem acima do executado entre 2016 e 2021.
Na avaliação da engenheira Luciana Santos, atual titular do MCTI, lançar um ministério dedicado a ciência e tecnologia deu ao tema a importância que ele merece. “Foi a partir dele que conseguimos construir uma política nacional para o setor, fortalecer universidades e institutos de pesquisa, criar programas estratégicos e garantir que a inovação estivesse conectada às necessidades do Brasil”, diz. A mobilização para que a ciência e a tecnologia ganhassem status de ministério era antiga e ganhou corpo depois da fundação de agências como o CNPq e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – durante o segundo governo Getúlio Vargas, em 1951. Figuras como o físico José Leite Lopes (1918-2006) e o hematologista Walter Oswaldo Cruz (1910-1967) defendiam, em artigos na imprensa, a criação de um ministério no final da década de 1950.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também se posicionava a favor, diz o físico José Goldemberg, que foi presidente da SBPC entre 1979 e 1981. Segundo ele, a necessidade de ter um ministério ou estrutura equivalente para tratar da ciência e tecnologia se tornou um assunto pacífico no mundo após a Segunda Guerra Mundial. “Era preciso ter uma organização que se preocupasse com a formação de pessoal científico, com pesquisas e atividades correlatas. E também havia uma questão simbólica, que era dar para a ciência um lugar da primeira fileira dos representantes do Estado”, afirma Goldemberg, que no governo de Fernando Collor, em 1990, se tornaria secretário Especial de Ciência e Tecnologia, época em que a pasta perdeu o status de ministério.
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A decisão de criar a pasta em 1985 foi do presidente eleito Tancredo Neves (1910-1985), que adoeceu na véspera da posse e morreu semanas mais tarde, confirmada por seu vice e sucessor José Sarney. Tancredo escolheu para o cargo Renato Archer (1922-1996), um político nacionalista que havia sido ministro de Relações Exteriores em 1963. “O Archer era um ex-militar da Marinha que teve ligação com o almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva [1889-1976], fundador do CNPq. Foi um empresário do ramo mineral e era um deputado cassado. Resumia em uma pessoa só vários dos atores que defenderam a criação do ministério: só faltava ser físico”, diz o historiador da ciência Antonio Augusto Passos Videira, pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor do livro 25 anos de MCT: Raízes históricas da criação de um ministério (CGEE, 2008).
Os primeiros momentos do ministério não prenunciavam sua longevidade. Uma primeira reação foi de desconfiança – um dos temores, expresso em textos do cientista e divulgador José Reis [1907-2002], era de que a institucionalização gerasse uma barreira entre os pesquisadores e o centro do poder. Archer articulou-se com os cientistas – trouxe o ex-presidente da SBPC Crodowaldo Pavan [1919-2009], para comandar o CNPq – e permaneceu no ministério por dois anos e sete meses. Os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal instrumento de financiamento federal à ciência, que haviam escasseado no último governo militar, ganharam fôlego com um aporte para reequipar laboratórios.
Em 1989, a pasta se fundiu com o Ministério da Indústria e Comércio, tornando-se mais tarde uma secretaria que, no governo Collor, passou a ser vinculada à Presidência. José Goldemberg conta que, em sua gestão como secretário, a perda de status de ministério não representou um prejuízo. “A importância do órgão está relacionada à interlocução que se tem com o presidente e, no meu caso, a interação foi grande”, diz. “Houve dois grandes eventos que mobilizaram a secretaria: a preparação para a conferência do Clima, a Rio 92, e a desativação do programa nuclear paralelo”, afirma.
No governo Itamar Franco [1930‑2011], o ministério foi recriado e viveu uma fase de estabilidade, com o químico José Israel Vargas no comando por mais de cinco anos – ele permaneceu no cargo no início da gestão de Fernando Henrique Cardoso. Em entrevista a Pesquisa FAPESP concedida em 2008, Vargas contou que recursos da privatização da Companhia Siderúrgica Nacional ajudaram a viabilizar projetos como o lançamento do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, vinculado ao Inpe, a transferência do Rio para Petrópolis das instalações do LNCC e a reta final da construção do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas.
Coube ao diplomata Ronaldo Sardenberg, titular no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, e ao secretário-executivo da pasta, o engenheiro Carlos Américo Pacheco, a organização de um arranjo de financiamento que garantiu fontes estáveis de recursos para o FNDCT e o ministério. Foram criados os Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia – 16 ao todo, sendo 14 vinculados a segmentos da economia, como energia, saúde, biotecnologia, e dois de caráter transversal, voltados para projetos que promovem interação entre universidades e empresas e para a melhoria da infraestrutura de instituições científicas. Cada fundo foi abastecido por receitas específicas. O de energia, por exemplo, recebe entre 0,3% e 0,4% do faturamento de concessionárias do setor elétrico.
O objetivo dos fundos setoriais era complementar os repasses da União para o FNDCT, usando a maior parte dos recursos para financiar pesquisa de interesse de cada setor econômico. Na prática, o caráter setorial se descaracterizou e o dinheiro, em grande medida, foi usado para manter o funcionamento do ministério e seus projetos. Para completar, parte dos recursos com frequência acabou sendo contingenciada para financiar o pagamento da dívida pública. O contingenciamento dos fundos setoriais foi proibido pelo Congresso em 2021. “No período de Sardenberg, o MCTI ganhou sua feição definitiva, com os institutos de pesquisa vinculados à sua estrutura, e não mais à do CNPq, e também com a AEB e a CNEN”, explica Carlos Américo Pacheco, que atualmente é diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP.

5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovações, realizada em Brasília em 2024
Outros ministérios mantêm órgãos e iniciativas ligados à pesquisa científica, como os da Agricultura, Educação, Saúde e Defesa, mas é atribuição do MCTI articular as ações do governo com as outras pastas e formular políticas federais. No ano passado, o ministério elaborou, com o apoio de especialistas, o Plano Nacional de Inteligência Artificial. A capacidade da pasta de influenciar políticas de Estado sempre teve limites, de acordo com o engenheiro Clelio Campolina Diniz, professor e ex-reitor da Universidade Federal de Minas Gerais e ministro entre março de 2014 e janeiro de 2015. “A política científica e tecnológica precisa ser vista em uma perspectiva de médio e longo prazo. Ela precisa estar compatibilizada com os objetivos gerais do Estado e articulada com as demais políticas setoriais e temáticas, a exemplo de indústria, agricultura, comércio exterior, educação e saúde”, diz Campolina.
O ex-ministro cita exemplos como os incentivos fiscais a empresas multinacionais na Zona Franca de Manaus. “Deveria haver a contrapartida de internalizar a pesquisa dessas empresas no Brasil, mas nunca houve essa exigência.” Também menciona a produção de soja transgênica até hoje dependente de sementes importadas. “A ciência brasileira está preparada para fomentar uma política nacional de produção de insumos.” Em sua passagem pelo ministério, Campolina lançou um programa chamado Plataformas do Conhecimento, que buscava fomentar parcerias entre empresas e grupos de pesquisa para resolver desafios tecnológicos da indústria, mas não teve continuidade.
Antonio Videira, da Uerj, enxerga algumas dificuldades da pasta em produzir reflexões críticas que apontem caminhos novos para a ciência. “O ministério tem muitas atribuições e problemas práticos para resolver. Coordena unidades de pesquisa de áreas e ambições variadas, está sempre ocupado com questões orçamentárias e é chamado a responder a múltiplas pautas que vêm do governo e fora dele, de políticas de inclusão a planos para inteligência artificial. Vejo que às vezes fica meio perdido em meio a essas demandas e talvez não tenha condições de pensar uma política para a ciência de forma autônoma”, afirma. Embora aponte um saldo positivo nesses 40 anos, ele lamenta que o desempenho do MCTI seja principalmente avaliado por um viés financeiro. “Quando o ministério está bem, é porque tem dinheiro – e quando está mal, é por que não tem. É preciso ampliar a perspectiva de análise. Se for restrita, ela dificulta o conhecimento de muitas ações e propostas do ministério. Falta uma discussão mais profunda sobre como a ciência pode apoiar melhor a sociedade e o desenvolvimento.”
O físico Sérgio Machado Rezende, ministro entre 2005 e 2010, rememora um episódio que marca, na sua avaliação, um momento alto da pasta: seu antecessor, o então deputado federal Eduardo Campos (1965-2014), assumiu o comando do ministério no início de 2004 e convocou os auxiliares a ajudá-lo a criar uma política de ciência e tecnologia do governo – Rezende, à época, dirigia a Finep. “Ele teve a clareza de que precisava formular uma política que articulasse as ações do ministério. Ficamos todos internados em Brasília durante três dias.”
Quando Rezende o substituiu, resolveu ir além. Em 2007 reuniu-se com diferentes setores da comunidade científica para formular o Plano de Ações para a Ciência e Tecnologia no período 2007‑2010, que ficou conhecido como o PAC da Ciência e Tecnologia e foi executado. “É muito importante o ministério ter um plano discutido com a sociedade e os cientistas”, afirma Rezende – no ano passado, ele coordenou, a pedido do MCTI, a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que produziu recomendações para uma estratégia nacional a serem publicadas em breve no chamado Livro violeta.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.