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Depois de quase cinco anos de testes, agora é para valer: a partir de 2025, carros e motos que emitirem mais de 85 decibéis de ruído ao trafegar em vias públicas serão multados em 135 euros, o que equivale a aproximadamente R$ 872 no câmbio de 17 de dezembro de 2024.
Eu queria colocar um emoji com as mãozinhas em prece numa notícia dessas, mas infelizmente, nada disso diz respeito ao Brasil, mas à França, onde o lobby cidadão contra o ruído urbano é tão organizado, tão forte e tão tipicamente ranzinza que chega a ser engraçado. Como bem resumiu uma agora ex-nora francesa, a respeito de seus próprios conterrâneos: “eles adoram detestar.” Mas é tão bom quando esse modo de vida ranzinza envolve uma causa justa.
Ninguém aguenta mais viver numa grande cidade na qual o ruído urbano, sobretudo o ruído provocado pelo trânsito, é onipresente, impositivo e incessante. Já ninguém consegue escapar desse flagelo criado por nós mesmos – a menos que se mude para um interior idealizado ou que se exerça um lobby ranzinza tão eficiente que resulte na adoção de algo como a Lei de Normatização da Mobilidade, promulgada na França em dezembro de 2019, com previsão de investimentos de 13,4 bilhões de euros (R$ 85 bilhões) em cinco anos para racionalizar a questão da mobilidade urbana, incluindo a questão do ruído.
No Brasil – país no qual as motos emitem tranquilamente 95 decibéis, dez além do limite francês – esse assunto é tido por pura frescura. Ignoram que, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), o ruído é o segundo fator ambiental mais importante enquanto origem dos problemas de saúde no mundo, atrás apenas da poluição atmosférica. As consequências sanitárias da poluição sonora são graves e concretas: vão da perturbação do sono às alterações do sistema endocrinológico e do sistema cardiovascular, com efeitos negativos para todo o sistema imunológico. Quem acha frescura, não imagina quanto de seus próprios problemas de saúde – muitas vezes atribuídos a coisas tão diferentes quanto viroses, encosto, acordar com o pé esquerdo ou depressão – estão relacionados ao ruído urbano.
Na França, foram necessários anos de pesquisa, lobby e organização da sociedade para chegar a esse consenso. O CidB (Centro de Informação sobre o Ruído, na sigla em francês), por exemplo, foi fundado em 1978, para “lutar contra a poluição sonora e pesquisar sobre um ambiente que favoreça uma melhor qualidade de vida para nossos concidadãos em seu ambiente, casa, trabalho, escola e locais de lazer”. Outra organização do tipo, a Bruitparif, mantém um mapa interativo da região metropolitana de Paris no qual o usuário pesquisa em tempo real cada um dos focos de ruído, identificados por origem (trânsito, construção civil etc), com gráficos que mostram a variação de intensidade do som a cada hora, o que permite, por exemplo, embasar queixas ao poder público.
João Paulo Charleauxé jornalista, escritor e analista político. Foi repórter especial, editor e correspondente do Nexo em Paris. Trabalhou por sete anos no CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha) em cinco diferentes países, cobriu a guerra nas fronteiras de Israel com Gaza e o Líbano, a crise política e humanitária no Haiti e o tsunami no Chile. Pela Cia das Letras, publicou o livro “Ser Estrangeiro – Migração, Asilo e Refúgio ao Longo da História” e prepara um novo livro, sobre “As Regras da Guerra”, mesmo tema de uma série publicada na Folha em 2023-2024. Ao longo dos últimos 25 anos, escreveu no Estadão, no Globo, na Piauí, no UOL e na Carta Capital. Participou como comentarista na CNN e na CBN. Trabalha principalmente com temas ligados ao direito internacional aplicável aos conflitos armados.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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