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O primeiro turno das eleições gerais revelou uma extrema direita organizada , com densidade eleitoral bem como capacidade de organização e de mobilização. Jair Bolsonaro fez 43% dos votos válidos. Nas disputas para governador, Tarcísio de Freitas, um candidato sem biografia no estado de São Paulo, ficou em primeiro lugar; Claudio Castro, um candidato cuja biografia deveria tê-lo impedido de sequer concorrer, foi eleito em primeiro turno no Rio de Janeiro; Onyx Lorenzoni, cuja biografia se destaca pelo quase nada que fez nas posições que ocupou no Executivo, saiu na frente no Rio Grande do Sul. Não é a trajetória prévia destas candidaturas que explica seu sucesso eleitoral. Estas não resultam da avaliação retrospectiva do eleitor. Diferentemente, sua força resultou basicamente de ter sua imagem pessoal associada a Bolsonaro.
É forçoso reconhecer. Na Presidência, Bolsonaro se entediava com a tarefa de governar, mas dedicou-se tenazmente à função de líder de um movimento de extrema direita. Não se pode negar que tenha sido bem-sucedido em sua estratégia. Bolsonaro foi capaz de mobilizar o voto na extrema direita. Para o futuro da vida política brasileira, importa menos os métodos (altamente reprováveis) que emprega e mais o fato de que foi bem-sucedido. Bolsonaro é capaz de mobilizar uma base eleitoral mais ampla do que um núcleo reduzido de fanáticos. Sua agenda conservadora – seja lá o que isso signifique – encontra aderência no eleitorado. Se não for eleito, terá deixado um legado para a próxima legislatura.
O avanço eleitoral da extrema direita se fez às custas do encolhimento da centro-direita. Sócio menor da terceira via, o PSDB virou um partido nanico. Não elegeu nenhum governador em primeiro turno. Está disputando apenas 4 das 12 vagas a governador no segundo turno. Não elegeu nenhum senador. Estará reduzido a 4 dos 81 senadores e a 13 dos 513 deputados na próxima legislatura. É pouco provável que renasça das cinzas. Não se precipita quem declara o fim do PSDB.
Se ainda restava alguma dúvida de que pilares da nossa democracia estarão ameaçados caso Bolsonaro vença as eleições de 30 de outubro, seus passos já foram anunciados. Embalado pelo avanço eleitoral da direita no Senado, já declarou que deverá intervir no Supremo Tribunal Federal, aumentando o número de ministros. Sua condição para não fazê-lo é o tribunal “baixar a temperatura” dos conflitos. Em outras palavras, intervirá no Supremo caso este não se comporte bem. Você ainda duvida que o princípio da separação dos Poderes está em jogo na eleição de 30 de outubro?
Se você se pergunta sobre o que acontecerá com a oposição na hipótese de Bolsonaro vencer as eleições, considere o significado da entrada de Sergio Moro na campanha do atual presidente. Procure na internet a imagem de Moro ao lado de Bolsonaro no final do último debate. Rubro (não se sabe se de vergonha por voltar ao ninho bolsonarista ou de raiva pelo desempenho de Bolsonaro), não deixa dúvida acerca de sua disposição para entrar no jogo. Na hipótese de ser reeleito, Bolsonaro precisará se livrar de Lula, dada sua liderança para aglutinar o antibolsonarismo. Você duvida que Moro será um personagem ativo nesta missão?
Se Lula vencer, terá dificuldades para montar e manter uma coalizão de suporte no Parlamento. A coalizão eleitoral de Bolsonaro – PL, PP e Republicanos – contará com 23 dos 81 senadores. Na Câmara, a oposição da direita bolsonarista terá 187 dos 513 deputados. Vinte e oito por cento e 36%, respectivamente, estarão na oposição. Parte expressiva da base bolsonarista é ideologicamente orientada. Se Tarcísio de Freitas for confirmado como governador do estado de São Paulo, o bolsonarismo se concentrará no centro econômico do país. Alguma dúvida de que este será o núcleo de uma oposição de fato a Lula?
Na Presidência, Bolsonaro se entediava com a tarefa de governar, mas dedicou-se tenazmente à função de líder de um movimento de extrema direita
Embora amparado por uma coalizão ampla de 9 partidos – PC do B, PV, PT, PSB, PSOL, Rede, Solidariedade, Avante e Agir –, o apoio de fundamento programático com que contaria Lula registra apenas 10 senadores e 119 deputados – 12% e 23%, respectivamente. Dos 15 governadores eleitos no primeiro turno, 9 declararam apoio à reeleição de Bolsonaro e 6 declararam apoio a Lula. Não é impossível que Lula consiga governar, mas sua bancada de apoio será numericamente inferior à bolsonarista em ambas as casas. Terá de pagar o preço das alianças com o centro pragmático e enfrentará oposição feroz da extrema direita. Corre o risco de reeditar o “nós contra eles”, estratégia que tende a jogar na oposição eleitores moderados e não necessariamente antipetistas.
Qualquer dos candidatos à Presidência que venha a vencer a eleição herdará um país dividido. A diferença entre os apoios conferidos a cada um dos candidatos não é muito grande, o que indica que ambos têm penetração eleitoral. Em termos relativos, praticamente se equivalem.
Da densidade eleitoral dos dois candidatos resulta sua força em arrastar as demais alternativas. As diferentes versões da terceira via (Ciro Gomes e Simone Tebet) foram dragadas pela capacidade de mobilização do novo pólo da disputa eleitoral no Brasil: petismo x bolsonarismo, ou alternativamente, antipetismo x antibolsonarismo.
De um acidente impulsionado pela Lava Jato e a crise econômica, Bolsonaro e a extrema direita que representa se converteram em uma corrente com densidade eleitoral e capacidade de mobilização. Embora custe a crer que Bolsonaro seja o mentor intelectual deste movimento, o fato é que se afirmou sobre as demais alternativas da direita. Queiramos ou não, este é um fato incontornável. Bolsonaro foi capaz de construir um eleitorado que não se assombra com o culto à violência, o desprezo pela ciência e pelo meio ambiente e a ausência de compaixão e solidariedade. Tempos tristes!!
Marta Arretcheé professora titular do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole. Foi editora da Brazilian Political Science Review (2012 a 2018) e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP (2016 a 2017). É graduada em ciências sociais pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), fez mestrado em ciência política e doutorado em ciências sociais pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e pós-doutorado no Departamento de Ciência Política do MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA. Foi visiting fellow do Departament of Political and Social Sciences, do Instituto Universitário Europeu, em Florença. Escreve mensalmente às sextas-feiras.
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