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O programa de escolas cívico-militares de Tarcísio em São Paulo

Antonio Mammi e Aline Pellegrini

27 de maio de 2024(atualizado 27/05/2024 às 21h30)

Governador sanciona projeto para militarizar unidades de ensino no estado. Modelo tem crescido sob administrações bolsonaristas

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O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), sancionou nesta segunda-feira (27) o projeto de lei que viabiliza a implementação de escolas cívico-militares no estado. Com isso, São Paulo se junta a outras unidades da federação que têm suas redes próprias de unidades de ensino militarizadas. O Durma com Essa explica o que prevê o programa de Tarcísio, traz um histórico do modelo cívico-militar no Brasil e mostra as críticas de especialistas a ele. O episódio traz também Mariana Vick falando sobre os limites planetários, conceito que elenca os parâmetros para a continuidade da vida humana na Terra.

 

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Edição de áudio Brunno Bimbati

Produção de arte Mariana Simonetti

Transcrição do episódio

Antonio: O estado mais populoso e rico do Brasil agora tem um programa próprio de escolas cívico-militares. Um modelo de ensino que se expandiu pelo país durante o governo do presidente Jair Bolsonaro e que continuou se expandindo mesmo depois de ele deixar o poder. Uma maneira de ver a educação que preocupa professores e pesquisadores da área. Eu sou o Antonio Mammi e esse aqui é o Durma com Essa, o podcast de notícias do Nexo. 

Aline: Olá, eu sou a Aline Pellegrini e tô aqui com o Antonio pra apresentar este podcast que vai ao ar todo começo de noite, de segunda a sexta, sempre com notícias que podem continuar a ecoar por aí.

[trilha de abertura]

Antonio: Segunda-feira, 27 de maio de 2024. Dia em que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos, sancionou o projeto de lei que prevê a implementação de escolas cívico-militares no estado. Com a medida, tanto a rede estadual quanto as redes dos municípios paulistas que aderirem ao projeto poderão passar a ter essas unidades de ensino. O prefeito da capital, Ricardo Nunes, do MDB, apoiado por Tarcísio na sua tentativa de se reeleger em outubro, já disse que vai aderir. 

Aline: O programa prevê tanto a construção de unidades novas quanto a adaptação de escolas já existentes para o modelo cívico-militar. O secretário de educação, Renato Feder, disse que a decisão de participar ou não é de cada escola, e que ele vai priorizar regiões com mais criminalidade, altos índices de evasão e pior rendimento escolar. Por trás da proposta, está a ideia de que as escolas cívico-militares ajudam a conter a indisciplina e a violência nos colégios e em seu entorno.

Antonio: O modelo prevê que as escolas cívico-militares tenham policiais militares ou bombeiros atuando como monitores, submetidos aos diretores pedagógicos de cada unidade, desempenhando funções administrativas, de vigilância e também no desenvolvimento de um projeto de valor, de viés moral. Segundo a secretaria de educação paulista, esse projeto de valor envolve atividades extracurriculares voltadas ao respeito à pátria, aos símbolos nacionais e aos direitos e deveres de cidadania. 

[fala Tarcísio de Freitas]

É onde vocês vão ter as ferramentas para se tornarem os líderes que nós precisamos. A gente olha aqui os alunos das escolas cívico-militares e eventualmente a gente está diante de um novo Bolsonaro lá na frente.

Aline: Você ouviu aí o Tarcísio de Freitas, num discurso em dezembro de 2023 no Congresso. Ele e o ex-presidente Jair Bolsonaro, seu padrinho político, tinham sido convidados pro lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Escolas Cívico-Militares. 

Antonio: Quatro meses depois, em março de 2024, o Tarcísio apresentou pra Assembleia Legislativa de São Paulo um projeto de escolas cívico-militares para chamar de seu. O governador diz que pretende inaugurar 100 escolas do tipo até 2026, quando termina seu mandato. O projeto foi aprovado pelos deputados estaduais paulistas em 21 de maio, antes de ser sancionado nessa segunda-feira em um evento aberto à imprensa no Palácio dos Bandeirantes.

[áudio de agressão de policiais]

Aline: Você ouviu aí o registro do momento em que PMs deram golpes de cassetete em estudantes que foram à Assembleia Legislativa protestar no dia da votação do projeto. As forças de segurança também usaram spray de pimenta pra dispersar os manifestantes. Oito estudantes foram detidos por causa dos atos, mas liberados depois.

[mudança de trilha]

Antonio: As primeiras escolas cívico-militares foram implementadas no fim dos anos 90, em Goiás, então governado pelo tucano Marconi Perillo. Outros estados replicaram experiências parecidas de gestão militarizada nas escolas, mesmo estados governados por políticos não alinhados a direita. Foi o caso da Bahia, sob o governo do petista Rui Costa, hoje na Casa Civil, e do Maranhão, quando governado por Flávio Dino, então no PCdoB. Flávio Dino que é ex-ministro da Justiça de Luiz Inácio Lula da Silva e atualmente ministro do Supremo Tribunal Federal. 

Aline: O modelo das escolas cívico-militares ganhou uma repercussão maior a partir de 2019, primeiro ano de Jair Bolsonaro na Presidência. O ex-capitão, um saudoso da ditadura militar, lançou um programa nacional de escolas cívico-militares, com repasses do Ministério da Educação para os estados custearem a contratação de militares pra estabelecimentos de ensino. Durante o mandato de Jair Bolsonaro, foram criadas mais de 200 escolas cívico-militares com recursos federais. O programa foi encerrado em 2023, com a volta de Lula ao Planalto. Mas isso não significou que o modelo sofreu um declínio.

Antonio: É que a decisão do Lula só tirou os recursos federais das escolas cívico-militares. Mas não impediu que os estados invistam eles mesmos nas unidades que já estavam militarizadas. E foi isso que fizeram muitas das unidades da federação governadas por políticos bolsonaristas. Minas Gerais e Rondônia, por exemplo, mantiveram as unidades inauguradas durante a presidência de Bolsonaro. 

Aline: Santa Catarina, por sua vez, anunciou o seu próprio programa. A Assembleia do Rio Grande do Sul, onde existem mais de 60 unidades militarizadas, aprovou um projeto de lei para também criar o seu programa estadual. Goiás, o pioneiro do modelo, incorporou à sua rede estadual as escolas instaladas com dinheiro federal.

Antonio: Mas nenhum estado abriu mais escolas cívico-militares no Brasil recentemente do que o Paraná, governado por Ratinho Júnior, do PSD. Ratinho Júnior que teve como secretário da educação justamente Renato Feder, que comanda essa pasta hoje na gestão Tarcísio em São Paulo. Ao todo, o estado abriu mais de 300 escolas cívico-militares. Em Londrina, uma das maiores cidades do estado, só duas das 23 escolas públicas da cidade não seguem esse modelo.

Aline: A Agência Pública fez uma reportagem dando um panorama sobre a implantação desse modelo em Londrina. A mãe de um aluno disse que foi avisada da mudança na escola em que ele estudava com apenas uma semana de antecedência, sem qualquer debate. E que não adiantou nem procurar outro lugar para ele estudar, porque todas as escolas das redondezas tinham virado cívico-militares. 

Antonio: Assim como aconteceu em outros estados, as escolas implementaram regras pra corte de cabelo, regras com revistas mensais para ver se elas estavam sendo cumpridas. Homens, por exemplo, não podem usar cabelo comprido, cortes no estilo moicano ou desenho nas sobrancelhas. As mulheres são orientadas a usar pouca maquiagem. Todo mundo tem que seguir um mesmo fardamento. E as unidades implementaram atividades como o hasteamento da bandeira e cantar o hino nacional diariamente.

Aline: No Distrito Federal, o governo manteve as 17 escolas cívico-militares abertas com recursos federais sob o argumento de que o modelo foi aprovado pelas comunidades escolares afetadas. Foi no Distrito Federal em que vieram à tona algumas das denúncias mais sérias envolvendo a militarização de escolas brasileiras. Os casos aconteceram em uma unidade de Brasília, onde monitores militares proibiram a apresentação de um mural pelos alunos no Dia da Consciência Negra. Onde uma aluna foi levada a uma delegacia e fichada por desacato após se desentender com um professor. E onde policiais chegaram a lançar spray de pimenta e algemar um aluno envolvido em uma briga.    

Antonio: Os governos que adotam o modelo argumentam que as escolas que foram convertidas em cívico-militares apresentaram menos evasão escolar e indisciplina, além das notas dos alunos terem melhorado. Um dado que é contestado por alguns especialistas da área, que dizem que a melhora é apenas marginal.

Aline:  Uma dessas especialistas é a Catarina de Almeida Santos, da Universidade de Brasília. Ela disse pro site G1 que as escolas são descaracterizadas a partir da militarização. Que elas perdem seu caráter de escola pública, universais, pra se tornarem estabelecimentos que funcionam a partir de princípios da segurança pública. Ela destaca também a disparidade salarial nas escolas, onde os monitores militares ganham consideravelmente mais que os professores.

Antonio: Já a Claudia Costin, professora da Fundação Getulio Vargas, diz que as escolas cívico-militares são um erro. Uma jaboticaba, nas palavras dela, uma particularidade brasileira que não encontra eco em nenhum dos 40 países com melhor educação no mundo. 

Aline: O Durma com Essa volta já.

[trilha ponto futuro]

Aline: O cientista sueco Johan Rockstrom recebeu o principal prêmio da ciência ambiental do planeta na semana passada por seu trabalho sobre limites planetários, ou seja, os parâmetros seguros para a vida humana na Terra. São nove limites, e seis deles já foram cruzados. A Mariana Vick escreveu um texto sobre o assunto pra Ponto Futuro, editoria do Nexo que tem a ciência entre os seus temas de cobertura. 

Mariana: Os limites planetários são processos considerados cruciais do sistema terrestre que estão sob risco e próximos de seus “pontos de virada”. Esse termo foi proposto pelo Johan Rockstrom e outros cientistas do Centro de Resiliência de Estocolmo em 2009, num trabalho que valeu o Prêmio Tyler de Conquista Ambiental de 2024. Cruzar esses limites pode levar a mudanças ambientais irreversíveis e, em alguns casos, abruptas, que podem tirar o planeta do estado estável sob o qual tem vivido nos últimos 11.700 anos, num período conhecido como o Holoceno. Os nove parâmetros definidos pelo grupo de Estocolmo são a mudança climática, a integridade da biosfera, mudanças no uso da terra, mudanças no uso da água, ciclos biogeoquímicos, acidificação dos oceanos, esgotamento da camada de ozônio, carga de aerossol atmosférico e novas entidades, que são produtos químicos sintéticos lançados no ambiente, como inseticidas e microplásticos. De todos esses nove parâmetros, só três – a acidificação dos oceanos, a carga de aerossol atmosférico e o esgotamento da camada de ozônio – ainda estão dentro dos limites considerados seguros. O cruzamento desses limites está associado ao uso de recursos naturais como combustíveis, água e madeira a partir da Revolução Industrial, no século 18. As atividades baseadas na exploração da natureza cresceram tanto nos últimos séculos que parte da comunidade científica defende que a Terra entrou em outra época geológica, o Antropoceno, embora essa a ideia não seja unânime. Mas o Rockstrom e os seus colegas dizem que nem tudo está perdido. Vale conferir.

Aline: O texto da Mariana você lê em nexojornal.com.br/pontofuturo.

Antonio: Das escolas cívico-militares em São Paulo aos limites planetários para a vida humana, durma com essa.

Aline: Com roteiro, apresentação e produção de Antonio Mammi, apresentação de Aline Pellegrini, edição de texto de Conrado Corsalette, participação de Mariana Vick, edição de áudio de Brunno Bimbati e produção de arte de Mariana Simonetti, termina aqui mais um Durma com Essa. Até amanhã!  

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