O inquérito do STF que concentrou poder em Alexandre de Moraes
Letícia Arcoverde e Aline Pellegrini
14 de agosto de 2024(atualizado 14/08/2024 às 19h43)Métodos de ministro recebem escrutínio após reportagens da Folha de S.Paulo. Abertura de apuração no Supremo sobre fake news em 2019 levou a acúmulo de relatorias em casos de ameaças antidemocráticas
A Folha de S.Paulo publicou nesta quarta-feira (14) novas reportagens sobre pedidos feitos por canais informais pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes ao Tribunal Superior Eleitoral, enquanto ele presidia a corte. As revelações de que ele pediu ao TSE relatórios sobre bolsonaristas para embasar decisões suas no inquérito das fake news causaram uma nova onda de escrutínio de seus métodos. O Durma com Essa relembra a criação em 2019 dessa investigação, que está ativa até hoje e levou à concentração de poder nas mãos do ministro em apurações sobre ameaças à democracia. O episódio também traz Lucas Zacari comentando um projeto-piloto da semana de trabalho de quatro dias.
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Edição de áudio Brunno Bimbati
Produção de arte Lucas Neopmann
Transcrição do episódio
Leticia: Reportagens que mostram conversas entre assessores e um ministro do Supremo Tribunal Federal. Diálogos com pedidos informais entre duas cortes superiores nas quais o magistrado atua. Notícias que levaram a uma nova onda de escrutínio dos métodos de Alexandre de Moraes. Eu sou a Letícia Arcoverde e este é o Durma com Essa, o podcast de notícias do Nexo.
Aline: Olá, eu sou a Aline Pellegrini e tô aqui com a Letícia pra apresentar este podcast que vai ao ar de segunda a sexta, todo começo de noite, sempre com notícias que podem continuar a ecoar por aí.
[trilha de abertura]
Leticia: Quarta-feira, 14 de agosto de 2024. Dia de repercussão de reportagens publicadas pela Folha de S.Paulo sobre a atuação de Alexandre de Moraes. O jornal obteve mensagens de Whatsapp que mostram que o ministro, por meio de seus assessores no Supremo e no Tribunal Superior Eleitoral, encomendava relatórios ao TSE com conteúdo pré-determinado para embasar decisões contra bolsonaristas em inquéritos relatados por ele no Supremo, como o das fake news. Os pedidos informais eram dirigidos a uma assessoria especial de combate à desinformação do TSE. Moraes era o presidente da corte eleitoral na época.
Aline: O ministro diz que os procedimentos foram regulares e que tudo foi documentado, inclusive com ciência da Procuradoria-Geral da República. A Folha consultou algumas das decisões tomadas a partir dos relatórios e elas não citam pedidos do gabinete de Moraes. Nos diálogos, que são conversas informais entre os assessores, eles falam sobre tentar disfarçar a prática. As informações passadas por Moraes para serem incluídas nos relatórios são públicas, como postagens de redes sociais, de pessoas como o jornalista Rodrigo Constantino e o deputado Eduardo Bolsonaro.
Moraes: “Esse procedimento poderia se dar de duas formas, poderia se dar a partir e de uma requisição minha a Polícia Federal para que ela realizasse, poderia se dar a partir de uma solicitação ao Tribunal Superior Eleitoral para que ele fornecesse os relatórios. Como foi muito bem salientado, informações objetivas e públicas, o que estava postado publicamente, para se evitar exatamente que depois fossem apagados. Obviamente o caminho mais eficiente da investigação naquele momento era a solicitação ao Tribunal Superior Eleitoral”
Leticia: Você ouviu aí o ministro Alexandre de Moraes nesta quarta-feira comentando as revelações durante uma sessão no Supremo. Ele diz que como era presidente do TSE, seria “esquizofrênico” mandar um ofício pra si mesmo. As mensagens obtidas pela Folha são de agosto de 2022 a março de 2023, período que engloba as eleições presidenciais e uma trama golpista contra o sistema eleitoral do país. Trama que envolvia a circulação de muita desinformação sobre urnas eletrônicas, investidas do então presidente Jair Bolsonaro contra autoridades e ataques de seus apoiadores contra instituições democráticas, culminando nas invasões aos Três Poderes em 8 de janeiro.
Moraes: “Lamento que interpretações falsas, interpretações errôneas – de boa ou má fé – acabem produzindo o que nós precisamos combater nesse país, que são notícias fraudulentas”
Aline: Em resposta às revelações, parlamentares bolsonaristas estão preparando um pedido de impeachment de Moraes, como já fizeram em outros momentos. A OAB, a Ordem dos Advogados do Brasil, pediu esclarecimentos ao ministro e acesso a autos de inquéritos do Supremo para saber se as comunicações aconteceram fora dos ritos do Judiciário ou se estão previstas pelo escopo de atuação do TSE.
Leticia: As reportagens geraram uma nova onda de questionamentos aos métodos de Moraes. Questionamentos que têm sido frequentes nesses últimos anos, e surgem de forma mais estridente entre bolsonaristas, mas também aparecem no meio jurídico. São questionamentos que têm como ponto de partida um inquérito criado em 2019 pelo Supremo.
[mudança de trilha]
Aline: Em março de 2019 o então presidente do Supremo, Dias Toffoli, abriu por iniciativa própria uma investigação que ficou conhecida como inquérito das fake news. O objetivo era apurar ataques e falsidades contra autoridades nas redes sociais, inicialmente as que tinham como alvo os próprios ministros do Supremo e o tribunal. Era uma espécie de inquérito de autoproteção.
Leticia: A abertura se deu sem provocação do Ministério Público, como é de praxe. Normalmente, procuradores ou policiais abrem investigações e vão pedindo diligências, como uma quebra de sigilo ou prisão preventiva. Quem julga essas diligências é o juiz. No caso do inquérito das fake news, o Supremo estaria cumprindo essas duas funções. E além de tudo numa situação em que também era vítima.
Aline: Naquela época, a então procuradora-geral, a Raquel Dodge, pediu o arquivamento do inquérito. Ela disse que a função do juiz é julgar, enquanto cabe ao Ministério Público acusar, e que esses papéis tinham sido subvertidos por Toffoli. O partido Rede também entrou com uma ação no Supremo pedindo o fim da apuração.
Leticia: Todo inquérito no Supremo tem um relator, que geralmente é escolhido por sorteio. No caso do das fake news, o Toffoli escolheu o Moraes por conta própria, sem sorteio. Isso também foi questionado na ação da Rede. Outra coisa que alimentou essas contestações foram algumas das primeiras medidas tomadas no âmbito do inquérito. Uma delas foi uma ordem pra tirar do ar reportagens da revista Crusoé e do site Antagonista sobre o próprio Toffoli.
Aline: A alegação do Supremo era de que o uso de fonte anônima, que é comum no jornalismo e tá amparado pela Constituição, equivalia a fake news. Várias entidades de jornalismo, o Ministério Público, a OAB e até ministros do Supremo viram a ordem como censura. E o Moraes recuou.
Leticia: Essa ação da Rede que questionava a legalidade do inquérito aberto de ofício pelo Supremo foi julgada em 2020. E a maioria dos ministros do tribunal decidiu que a instauração estava prevista no regimento da corte e a investigação poderia existir. Ali, um ano depois do início do inquérito, ele já se movia na direção de bolsonaristas envolvidos em esquemas de disseminação em massa de notícias falsas e ataques às instituições. Houve operações de busca e apreensão e quebras de sigilos, determinadas por Moraes, contra comunicadores e empresários suspeitos. Os alvos diziam que a sua liberdade de expressão estava sendo tolhida.
Aline: Naquele momento, a opinião pública em torno do inquérito das fake news tinha mudado. Exemplo disso é que a Rede passou a defender a manutenção da apuração. O partido afirmou que o cenário dos acontecimentos e suas implicações jurídicas tinham mudado e passado a justificar o inquérito.
Leticia: O que vinha acontecendo ali eram investidas de Bolsonaro e seus apoiadores contra instituições democráticas. Além da revelação de esquemas em massa de disseminação de notícias falsas durante a eleição de 2018 que deu a vitória ao então presidente, algumas a partir de reportagens também da Folha de S.Paulo. Havia também uma condução caótica e marcada por desinformação por parte de Bolsonaro e seu governo da pandemia de covid-19, que começava em 2020. E no meio disso tudo havia omissão da Procuradoria-Geral da República, que não era mais comandada pela Raquel Dodge e sim pelo Augusto Aras, que foi indicado ao cargo por Bolsonaro.
Aline: O Aras chegou a pedir a suspensão do inquérito das fake news em 2020 até que a ação da Rede fosse analisada. Aí no julgamento o procurador-geral reconheceu a necessidade de combater abusos da liberdade de expressão e se colocou a favor da continuidade da investigação. Também defendeu a participação do Ministério Público na condução das apurações.
Leticia: A questão é que o Aras, que como procurador-geral tinha a função de provocar a Justiça, continuou inerte. A gestão dele é apontada como uma das mais inativas quando o tema é emparedar um presidente da República. E o que muitos especialistas em direito consideram é que isso abriu um vácuo pro Supremo agir por conta própria.
Aline: Por causa da relatoria de Moraes no inquérito das fake news ele foi acumulando a relatoria de outras investigações no Supremo que tinham escopos parecidos, como o inquérito das milícias digitais. Essa alocação por similaridade de tema é uma praxe no Judiciário. No caso de Moraes, resultou numa concentração de poder que atingia atores poderosos do meio político, como o então presidente da República e seus apoiadores. Com isso, o ministro também virou um alvo recorrente dos bolsonaristas.
[mudança de trilha]
Leticia: O inquérito das fake news completou cinco anos em março de 2024. Já rendeu quebra de sigilo de empresários bolsonaristas, derrubada de perfis de aliados do ex-presidente, derrubada de contas nas redes do PCO, o Partido da Causa Operária, que é de esquerda, e a prisão de um deputado federal, o Daniel Silveira, do PSL, após fez ameaças aos ministros do Supremo e defendeu medidas autoritárias. O inquérito também fechou o cerco contra o chamado “gabinete do ódio”, uma estrutura paralela do Palácio do Planalto usada pra atacar desafetos do governo e que teria a participação de filhos do presidente.
Aline: Algumas dessas medidas foram tomadas de ofício, ou seja, sem provocação do Ministério Público ou da Polícia Federal. Outras foram autorizadas pelo Moraes a partir de pedidos desses outros órgãos, como pede o protocolo. Várias aconteceram no período da campanha eleitoral de 2022, quando o ministro também era presidente do TSE. Decisões tomadas individualmente por ele depois foram corroboradas pelo plenário do Supremo, que tentava mostrar uma frente unida contra o golpismo.
Leticia: Existem avaliações diferentes do saldo dessa atuação num período que foi bastante conturbado e no qual a democracia brasileira esteve sob ameaça. O Moraes já foi criticado por tomar muita iniciativa nos inquéritos dos quais é relator. Existem debates sempre que há uma decisão de ofício, ou sobre ele ter avançado o sinal em algumas medidas. Aí tem especialistas em direito que consideram que apesar disso o saldo é positivo porque o país passava por um período excepcional. E tem especialistas que consideram que essa atuação abre precedentes perigosos.
Aline: Em 2022 o Nexo ouviu alguns pesquisadores que exemplificam essas percepções. O advogado criminalista Theo Dias, por exemplo, disse que a atuação do Supremo e do TSE naquele ano era justificada pelo que ele chamou de “profundo desarranjo institucional” do período.
Leticia: Já o advogado eleitoral Rodolfo Viana Pereira, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, considerou que os precedentes abertos colocam o Brasil num cenário conhecido como “ladeira escorregadia” em termos de riscos para a liberdade de expressão.
Aline: O que os especialistas ouvidos pelo Nexo também afirmaram é que uma hora o que eles chamam de “jurisprudência de crise” precisa acabar. É também dentro desse contexto que surgem questionamentos aos métodos iniciados num inquérito que se alonga há cinco anos, com uma abrangência que foi crescendo, num desenrolar de acontecimentos que concentrou poder num ministro só.
Letícia: O Durma com Essa volta já.
[mudança de trilha]
Letícia: Um grupo de empresas brasileiras participou entre janeiro e junho de um projeto piloto que testou a redução da semana de trabalho de cinco pra quatro dias. Os resultados da iniciativa saíram recentemente e o Lucas Zacari escreveu sobre eles. Lucas, como foi esse experimento?
Lucas: O experimento aconteceu a partir de uma parceria entre a 4 Day Week, uma ONG para o teste da redução da semana de trabalho, e a empresa Reconnect Happiness at Work, especializada em bem-estar no trabalho. As 19 empresas que finalizaram os testes passaram por um modelo conhecido como 100-80-100. Nessa prática, o funcionário recebe 100% do salário por 80% da carga horária e se compromete a entregar 100% de produtividade. Além da diminuição da jornada de trabalho semanal, os organizadores também prepararam as empresas para fazer um redesenho estrutural, da cultura organizacional e do uso do tempo. As empresas selecionadas são de diversos setores, com sedes nas cidades de São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba.
Leticia: E quais foram os principais resultados?
Lucas: A experiência apresentou uma redução média de 6,3 horas semanais trabalhadas e foi avaliada como positiva pelos empregados. Dos 252 funcionários envolvidos no teste, 97,5% gostariam que a jornada fosse mantida. Os empregados relataram que a experiência de redução da jornada promoveu um aumento da produtividade e do engajamento com a empresa, junto a melhorias na execução de projetos e no cumprimento de prazos. Os funcionários também registraram impactos positivos no bem-estar, na saúde e nas relações sociais, tanto dentro quanto fora do ambiente de trabalho. 13 das 19 empresas que finalizaram o experimento optaram por manter a semana de quatro dias para seus funcionários. Dessas, somente seis irão implementar da forma como o estudo foi conduzido. As outras irão ajustar o formato ou ampliar o período de testes.
Letícia: O texto do Lucas você lê no nexojornal.com.br. E você já conhece os cursos do Nexo? Tem aulas sobre como fazer e ler gráficos, com a mentoria do Gabriel Zanlorenssi, o nosso editor de gráficos, e sobre como escrever com mais clareza, com o editor-chefe Conrado Corsalette, que você conhece aqui do Durma. Os cursos são online e cada um tem quatro horas de duração. Assinante do Nexo tem desconto. Ah, e dá também pra contratar cursos sob demanda pra empresas e organizações. Entra lá no nexojornal.com.br/cursos pra conhecer mais.
Aline: Da atuação de Alexandre de Moraes no Supremo e no TSE à semana de trabalho de quatro dias, durma com essa.
Letícia: Com roteiro, produção e apresentação de Letícia Arcoverde, edição de texto e apresentação de Aline Pellegrini, participação de Lucas Zacari, produção de arte de Lucas Neopmann e edição de áudio de Brunno Bimbati, termina aqui mais um Durma com essa. Até amanhã
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